Homilia de Dom Beni na Dedicação do Santuário do Pai das Misericórdias

Que este santuário seja um lugar do anúncio diligente da Palavra de Deus ao modo dos apóstolos, feito com parresia, compaixão e audácia.

Dom Benedito Beni dos Santos, bispo emérito da Diocese de Lorena (SP) / Foto: Canção Nova

Dom Benedito Beni dos Santos, bispo emérito da Diocese de Lorena (SP) / Foto: Canção Nova


Para aqueles que sonharam com este santuário e colaboraram com a sua construção, para a Diocese de Lorena (SP) e a Comunidade Canção Nova, estas minhas primeiras palavras possuem um sentido especial: “[…] porque a alegria do Senhor é a vossa força” (Neemias 8,10).

Vamos fazer a nossa reflexão sobre três pontos: “O que é o santuário?” “A missão evangelizadora do santuário”. “Santuário do Pai das misericórdias”.

No Novo Testamento o vocábulo “santuário” significa o Corpo humano de Jesus, Verbo de Deus e presença visível de Deus neste mundo. Na encarnação do Seu Filho, Deus se mostrou presente no mundo, eis a exegese de si mesmo, mostrou quem, de fato, Ele é: O Filho de Deus neste mundo. Por isso, Jesus pôde dizer: “Aquele que me viu, viu também o Pai” (João 14, 9). Narra o autor do quarto Evangelho que, certa vez, diante do Templo de Jerusalém: “Jesus lhes respondeu: Destruirei este templo, e, em três dias, Eu o reconstruirei” (João 2, 19). E o evangelista, que é teólogo profundo, observa que Jesus se referia não ao santuário de pedras, mas ao santuário do Seu Corpo, que seria destruído pela morte e reconstruído pela ressurreição d’Ele. Embora a morte destrua o nosso corpo, Deus, infinito no Seu ser e no seu poder, pela ressurreição o reconstrói, não mais em nível de corpo natural como nos ensina São Paulo, mas mais superior: em nível de corpo espiritual e glorioso, não mais ameaçado pelo sofrimento e pela morte.

Santúario, no Novo Testamento, designa a comunidade cristã reunida. Santuário é o lugar onde Deus habita. São Paulo dirige estas palavras aos membros da cidade de Corinto: “Não sabeis que sois o templo de Deus, e que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém destruir o templo de Deus, Deus o destruirá. Porque o templo de Deus é sagrado – e isto sois vós” (1Cor 16-17); porque havia divisões, choques de carismas, divisões, e tudo isso ameaçava a comunidade. Paulo afirma: “Se alguém destruir o templo de Deus, Deus o destruirá”.

O autor da Primeira Carta de Pedro, na segunda leitura de hoje, afirma que a comunidade cristã é o edifício espiritual. No edifício material há apenas paredes feitas de tijolos ou pedras, em cada canto das paredes das salas existem colunas angulares, mas elas podem desabar por não terem consistência. Ao passo que as paredes do edifício espiritual, que é a Igreja, são constituídas de pedras vivas, que são todos os batizados, e da Coluna Angular, a Pedra Angular, que sustenta estas paredes espirituais é Cristo. Sem Cristo a Igreja não tem força, sem Cristo a Igreja perde a sua identidade e desaba. A comunhão eclesial não é simplesmente fruto de um esforço voluntarista da nossa parte, a comunhão eclesial é, antes, comunhão da graça, comunhão com Cristo na fé, pelo amor e pela esperança, pela vida da graça e da obediência à Sua Palavra. Este edifício espiritual, que é a Igreja, que é a comunidade reunida, tem o fundamento espiritual registrado no Evangelho de São Mateus que foi proclamado. A fé apostólica é confessada pelo apostólo São Pedro, quando o Senhor diz que ele é a pedra fundamental: “Tu és Pedro e sobre esta Pedra construirei a minha Igreja” (Mateus 16,3).

Santuário designa também o edifício material. Deus está presente em todas as partes do mundo, e ninguém pode contê-Lo. E Deus está presente também de maneira especial no edifício que a Ele é dedicado, naquele espaço onde a sua família se reúne para adorá-Lo, louvá-Lo, escutar a Sua Palavra e celebrar os sacramentos.

A missão evangelizadora do santuário é uma Igreja a qual os fiéis acorrem em um grande número para invocar piedades. No santuário é incentivado o anúncio da Palavra, a busca da Eucaristia e a busca de Deus. Em Neemias a assembléia litúrgica estava reunida, talvez para a festa das tendas, e o povo chora, não de tristeza, mas de alegria, porque, pela Palavra, Deus torna-se presente no meio deles, e estes percebem que, por intermédio dela [Palavra], o Altíssimo age na história, na vida e nos corações deles.

Deus age de muitos modos na história da Igreja e em nossa vidas. Existem muitos mistérios que nós não conhecemos, mas Ele age de modo ordinário por intermédio da Sua Palavra. Na exortação Verbum Domini o autor afirma que, pelo anúncio da Palavra, de Deus se torna presente no mundo.

Que este santuário seja um lugar do anúncio diligente da Palavra de Deus ao modo dos apóstolos, feito com parresia, compaixão e audácia. Outra tarefa do santuário é a vida litúrgica, a liturgia é o patrimônio da nossa fé. Ninguém é dono da liturgia. A liturgia realizada com fé, segundo as diretrizes da Igreja, é sempre bela, portanto, a criatividade litúrgica não pode ser uma criatividade subjetiva, ao gosto de cada um. Que este lugar seja o espaço para o incentivo da vida litúrgica, da Celebração da Eucarístia, e, de modo muito especial, do sacramento da penitência.

O Papa São João Paulo II chama o sacramento da penitência de sacramento da misericórdia porque ele nos leva à santidade. É no sacramento da penitência que nós encontramos o remédio para curar as chagas do pecado. O perdão de Deus é o único no mundo que nos liberta e salva. A tarefa do santuário é também um chamado a levar o incentivo da piedade popular. É impressionante como o Papa Francisco, na sua Exortação Evangelii Gaudium, insiste na piedade popular como instrumento privilegiado de evangelização. Ele afirma que a piedade popular inclui um encontro pessoal com Deus, Jesus, Maria e os santos. A piedade popular possui carne, rosto e nos leva às pessoas, e não a nos escondermos.

Santuário do Pai da Misericórdias. A misericórdia, em suas raízes biblícas, no Antigo Testamento, nos diz que ‘o amor de Deus é como o amor de mãe’. Voltado para o acolhimento que Deus nos ama. O profeta Isaías diz: “Porventura pode uma mulher esquecer-se tanto de seu filho que cria, que não se compadeça dele, do filho do seu ventre? Mas ainda que esta se esquecesse dele, contudo eu não me esquecerei de ti” (Isaías 49,15).

Misericórdia, na Sagrada Escritura, significa amor liberato, o amor que não se envergonha da carne do próximo, ainda que seja uma carne enfraquecida pelo sofrimento e pela doença, ainda que seja uma carne desfigurada pela miséria social, ainda que seja uma carne manchada pelo pecado. Misericórdia é não se envergonhar da carne do irmão e do próximo. Estou vendo que este santuário tem muitas portas para que entrem as pessoas que estão à procura da misericórdia de Deus.

O Papa Francisco, no encontro que ele teve com o clero de Roma no início da Quaresma, falou que a Igreja está vivendo um tempo de misericórdia. A misericórdia deve iluminar a nossa caminhada na Igreja neste século. Que todas as pessoas que entrarem no Santuário do Pai das Misericórdias, inclusive os pobres, os sofredores, os doentes e pecadores, possam sentir o calor do abraço materno de Deus, o Pai das Misericórdias!

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