FORMAÇÃO

Qual é o sentido de cobrir-se as imagens e crucifixos na Quaresma?

O mais importante a ser compreendido é que esse costume não se trata somente de uma rubrica do Missal ou uma lei obrigatória que ninguém conhece o porquê.

Antes de mais nada, devemos ter em mente que, no Tempo da Quaresma, nos preparamos para contemplar o amor de Jesus por toda a humanidade manifestado na cruz.

Diz Garrigou-Lagrange em seu livro “O amor redentor de Cristo”: “Esse amor de Jesus por nós tem uma força que faz de seu coração o maior de todos […] Não foi somente para glória de seu Pai, mas também para nossa salvação que ele quis fazer-se vítima em nosso lugar”.

Foto: Copyright: George Martell 2015

 

 

Tendo isso em vista, podemos compreender o real sentido de cobrir as imagens e crucifixos na Quaresma. Em primeiro lugar, devemos entender que, na verdade, a Igreja cobre as imagens e os crucifixos somente no Quinto Domingo da Quaresma (como se pode conferir nas rubricas do Missal Romano de Paulo VI). Desse modo, o crucifixo será finalmente desvelado na Sexta-Feira Santa para adoração dos fiéis, e as imagens no início da Vigília Pascal. Mas, afinal, qual é a razão do costume de velar as imagens a partir do Quinto Domingo da Quaresma?

Para respondermos, precisamos deixar claro o que é o tempo da Quaresma

A Quaresma não é um tempo único, mas está dividida em duas partes. As quatro primeiras semanas são voltadas para a conversão, o jejum, a esmola e a oração, e igualmente os prefácios rezados na Missa tratam desses temas voltados à mudança de vida.

Entretanto, a partir do quinto domingo da Quaresma, a Igreja muda de olhar e se volta para a Paixão de Cristo, que será celebrada no Domingo de Ramos. Isso fica evidente no missal antigo de 1962, pois nele não havia o Quinto Domingo da Quaresma.

Este Domingo era chamado de Primeiro Domingo da Paixão, e o Domingo de Ramos chamava-se segundo Domingo da Paixão. Essa nomenclatura foi mudada no Missal de Paulo VI, porque o Concílio Vaticano II quis resgatar a antiquíssima tradição dos três exorcismos (“Os escrutínios”) das pessoas que iriam ser batizadas na noite de Páscoa. Para não se perder essa prática, o Missal atual traz, no Quinto Domingo da Quaresma, o Evangelho de Lázaro, que era o Evangelho do terceiro escrutínio e se reza o Prefácio da Quaresma.

Contudo, na Segunda-feira da quinta semana, passa-se a rezar o Prefácio da Paixão do Senhor e continua-se a tradição – existente no Missal anterior – de se trazer as leituras do Evangelho de São João narrando o enredo do conflito de Jesus com os chefes dos judeus. Isso culminará com a sua condenação e crucifixão de Jesus que nós celebraremos no Domingo de Ramos.

Em suma, na primeira parte da Quaresma (Os quatros primeiros Domingos), a Igreja se volta para a necessidade de conversão. Contudo, a partir da quinta semana, a Igreja celebra a Paixão do Senhor e para lá nos convida a olhar. Tudo isso através da bela arquitetura litúrgica que nos é proposta.

Dentro desse contexto litúrgico, é possível compreender o sentido de velar as imagens e os crucifixos. Através desse costume, a Igreja nos convida a fazer jejum dos olhos e assim não contemplar a beleza dessas imagens para nos preparar para a celebração da Paixão do Senhor. Somos chamados ainda a deixar de lado as devoções e nos concentrarmos no Cristo Crucificado.

Deste modo, poderíamos perguntar: Se devemos nos voltar para o crucificado, por que cobrir o crucifixo? Isso ocorre porque a Igreja quer nos preparar para a Sexta-Feira Santa, onde o crucifixo será desvelado e nós seremos convidados a adorá-lo. O que é fundamental perceber é que não se trata unicamente de uma rubrica do Missal ou de uma mera lei a ser cumprida.

Ao velar as imagens, nós nos preparamos para adorar a Cruz do Senhor

Evidentemente, nós não adoramos um pedaço de madeira ou uma imagem de gesso (Santo Tomás de Aquino, III, q.25,a.4). Ao adorarmos a Cruz de Cristo, adoramos o Seu amor por nós. Aqui, fica claro o fundamento de cobrir-se as imagens e os crucifixos, pois ao fazermos esse jejum dos olhos, nos voltamos para a Paixão do Senhor, e ao contemplar a sua Cruz na Sexta-Feira Santa, contemplamos o amor sem medidas com que Ele nos amou, como nos mostra o grande autor espiritual Garrigou Lagrange: “Essa força, essa generosidade do seu amor por nós se manifesta cada vez mais, desde a manjedoura até a Cruz. ‘Ele me amou e se entregou por mim’, diz São Paulo (Gl 2,20), e cada um de nós pode dizer o mesmo. Os incrédulos não querem ver no Cristo que morre nada mais do que um grande homem esmagado por mediocridades ciumentas. Mas ele é infinitamente mais; é a vítima voluntária que se ofereceu para nos salvar. ‘Não há maior amor – disse ele – do que dar a vida por seus amigos’ (Jo 15,13)”. 1

Vamos lá! Abramos o nosso coração para vivermos esse mistério apresentado neste tempo pela Santa Mãe, a Igreja, e nos deixemos envolver por este mistério de amor.

 

 

 

 

 

 

Fonte:

1 Garrigou-Lagrange. O amor redentor de Cristo.São Paulo: Cultor de livros, 2021, p. 271-272.

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