DOM ALBERTO TAVEIRA

As parábolas de misericórdia

“O Senhor, Deus misericordioso e clemente, paciente, rico em bondade e fiel, que conserva a misericórdia por mil gerações”

A Sagrada Escritura descreve com detalhes tão divinos quanto humanos o relacionamento de Deus com seu povo. Surpreendem-nos os diálogos de Moisés com o Senhor. Na Primeira Leitura proposta pela Igreja neste final de semana (Ex 32,7-11.13-14), Moisés parece provocar ciúmes em Deus! “Moisés, suplicava ao Senhor seu Deus, dizendo: ‘Por que, ó Senhor, se inflama a tua ira contra o teu povo que fizeste sair do Egito com grande poder e mão poderosa? Por que os egípcios diriam: Foi com má intenção que ele os tirou do Egito, para matá-los nas montanhas e exterminá-los da face da terra’. Aplaque-se a tua ira, perdoa a iniquidade do teu povo. Lembra-te de teus servos Abraão, Isaac e Israel, com os quais te comprometeste por juramento, dizendo: ‘Tornarei os vossos descendentes tão numerosos quanto as estrelas do céu, e toda esta terra de que vos falei, eu a darei aos vossos descendentes como posse para sempre’. E o Senhor desistiu do mal com que havia ameaçado o seu povo” (Ex 32,7-14). 

Esta projeção de sentimentos humanos se destina a mostrar o quanto ele os supera e responde com amor misericordioso a todos os pecados e afrontas de seu povo. Na realidade, a Palavra quer conduzir-nos a ter os mesmos pensamentos de Deus. “Meus pensamentos são de paz e não de aflição, diz o Senhor. Vós me invocareis, e hei de escutar-vos, e vos trarei de vosso cativeiro, de onde estiverdes” (Jr 29,11.12.14). É fonte permanente de alegria ouvir o Senhor: “O Senhor desceu na nuvem e permaneceu com Moisés, e ele invocou o nome do Senhor. E o Senhor passava diante dele. E ele exclamou: ‘O Senhor, o Senhor, Deus misericordioso e clemente, paciente, rico em bondade e fiel, que conserva a misericórdia por mil gerações e perdoa culpas, rebeldias e pecados, mas não deixa nada impune, castigando a culpa dos pais nos filhos e netos, até a terceira e quarta geração’” (Ex 34,5-7), E sabemos que o resultado das muitas teimosias do povo, no correr dos séculos, é sempre o perdão incansável de Deus, que vai ao encontro de um povo de cabeça dura, dando infinitas oportunidades para recomeçar.

Na experiência da Igreja, em todos os séculos testemunhamos a paciência de Deus com a humanidade, malgrado toda a violência, guerras, corrupção e todo tipo de maldade. É de São Pedro, que viveu em si mesmo a conversão e a misericórdia do Senhor, uma afirmação que pode acalmar muitos corações atribulados, mormente no tempo igualmente atribulado que vivemos, com radicalismos e condenações recíprocas de todo tipo: “Uma coisa não podeis desconhecer, caríssimos: para o Senhor, um dia é como mil anos, e mil anos como um dia. O Senhor não tarda a cumprir sua promessa, como alguns interpretam a demora. É que ele está usando de paciência para convosco, pois não deseja que ninguém se perca. Ao contrário, quer que todos venham a converter-se” (2 Pd 3,8-9).

O dia do Senhor

No domingo, Dia do Senhor, que desponta radioso a cada semana, descobrimos a maravilhosa luz que nos faz dar novos passos. Estamos agora diante das Parábolas da Misericórdia (Lc 15,1-32). Um pastor de ovelhas, e ele é o próprio Deus, vai atrás de uma única delas para recuperá-la. Quantas devem ter sido as pinturas que expressam tal cena! Vale a pena dar um jeito de cada um de nós se aconchegar aos ombros do Bom Pastor, com olhos brilhando pela procura, a resposta, a acolhida e o perdão com o qual nossas falhas e pecados foram tantas vezes cancelados! E tudo acaba em festa, porque Deus é alegre e feliz! Verdade, pois para o Bom Pastor, que não sabe matemática humana, uma é igual a noventa e nove!

A segunda Parábola nos faz acompanhar uma mulher em busca de uma moeda de prata, que devia ter algo de especial, pois outras nove ficaram guardadas! Chamou as vizinhas, fez correr a notícia com um bonito fuxico de vizinhança e gastou mais com a festa do que o valor da moeda. De fato, Deus se parece com uma mulher com mania de limpeza! Não fica um cantinho da casa sem ser varrido. Ele limpa até as pequenas falhas, aquelas que nosso relaxamento considerou sem importância. E sua resposta é um exagero de alegria!

Ovelha, moeda, e agora um filho! Uma pérola do Evangelho, a Parábola do Pai Misericordioso, do Filho gastador e o Filho mais velho. Parece incrível, mas Deus se antecipa em sua resposta de amor, deixando que venha à tona o desafiador mistério da liberdade humana. O jovem pode partir, mesmo que o coração do pai tenha ficado apertado. Não sei se é um exagero, mas tenho a impressão de que aquele que contou a Parábola, o próprio Jesus, viajou na pele do jovem, pois sabemos que ele se abaixou, tomando a condição de escravo. Se foi igual a nós em tudo, menos no pecado, parece-me que não há pecador neste mundo sem uma misteriosa companhia! Mesmo quando vamos ao fundo do poço da existência com nossas loucuras, o Senhor nos acompanha! E com ele, que é Deus com o Pai, vai também o Espírito Santo, aquele que inspirou o desejo do retorno à casa paterna! Permitamo-nos envolver toda a Trindade nesta terrível e ao mesmo tempo maravilhosa aventura! A resposta do Pai que foi com o filho e o aguardou olhando a curva da estrada foi o amor misericordioso.

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Em nosso tempo, pode acontecer que o chamado à conversão se dirija especialmente a nós, quando olhamos para o diferente e pecador como inimigo a ser destruído. A conversão dos outros pode fazer-nos filhos mais velhos da própria humanidade, sem acreditar no bem que existe lá dentro do coração humano. Ainda bem que a Parábola não tem um final explícito, que cabe a nós. Para que seja feliz, haveremos de entrar na Casa do Pai Misericordioso, despojar-nos das vestes de trabalho e do peso do dia, para fazer festa. Afinal, já sabemos que Deus é alegre e feliz!

Tudo isso pode ser luz para as pessoas de fé, todas chamadas a experimentar o abraço da misericórdia, especialmente no Sacramento da Reconciliação. As três Parábolas podem conduzir à superação das distâncias geradas pelos bens, muitas vezes administrados com egoísmo e ganância. Sirvam ainda para a pacificação de muitas famílias, muitas vezes divididas por motivos de herança ou concepções diferentes da vida. Ainda que aparentemente tardia, desejamos que a Palavra de Deus encontre, pelas estradas da vida, o caminho dos corações daqueles que têm poder de decisão no mundo, e quase todos revestidos de armaduras e defesas de todo tipo, sem acreditarem na força transformadora da não-violência. O Príncipe da Paz converta nossos corações, nosso tempo e nosso mundo!

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