"Onde estás, ó homem?", questiona Dom Paulo Jackson

Confira a homilia de Dom Paulo Jackson na íntegra

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Dom Paulo Jackson Nóbrega de Sousa, Bispo de Garanhuns (PE) (Foto: Wesley Almeida/cancaonova.com)

Nesta sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017, Dom Paulo Jackson Nóbrega de Sousa, Bispo da Diocese de Garanhuns (PE), esteve em peregrinação ao Santuário do Pai das Misericórdias com mais quarenta e sete padres.
No Santuário, presidiu a Santa Missa às nove horas da manhã.

Confira a homilia, na íntegra:
“Aqui viemos primeiramente como peregrinos na fé. Como Maria que sai de Nazaré e como peregrina na fé vai à casa de Zacarias e Isabel. Peregrinamos. Fizemos o nosso retiro espiritual em quatro dias e recebemos a imagem de Nossa Senhora Aparecida. Agora aqui viemos visitar o Pai das Misericórdias e hoje mesmo iremos voltar à nossa diocese para continuar o nosso ministério, a nossa missão.
Com certeza, essa semana ficará muito marcada na vida da nossa querida Diocese Garanhuns. Primeiro, porque foi a primeira vez que praticamente todo o clero viajou junto participando de uma atividade tão longe da nossa terra.
Eu queria nesta meditação partir da Sagrada Escritura para dizer uma última palavra concluindo o nosso retiro espiritual. Duas coisas me chamam muita atenção na Palavra de Deus hoje. A primeira coisa de onde eu gostaria de partir é do versículo seguinte da leitura do Gênesis 3,9,  na pergunta de Deus a Adão e Eva: ‘Onde estás?’. No livro do Gênesis há pelo menos três perguntas muito sérias de Deus. Em Gênesis 3, 9, depois da queda e pecado de Adão, Deus pergunta: ‘Onde estás?’. Logicamente que Deus não está perguntando a localização física. ‘Onde estás, ó homem?’, ‘Onde estás, ó bispo?’, ‘Onde estás, ó padre, no teu ministério?’, ‘Onde estás, ó batizado?’, ‘Onde tu te situas diante do mistério de Deus, diante do amor misericordioso de Deus?
A segunda pergunta é do capítulo 4 de Gênesis, depois que Caim mata Abel, Deus pergunta a Caim: ‘Onde está o teu irmão?’. É uma pergunta quanto à responsabilidade para com a fraternidade. E a terceira pergunta está no capítulo 37 de Gênesis. José está errante, procurando os seus irmãos que foram apascentar o rebanho e um homem aparece e pergunta a ele: ‘O que procuras?’. E José responde: ‘Procuro os meus irmãos’.
Onde estás?’, ‘Onde está o teu irmão?’, ‘O que procuras?’
Parece-me que são as perguntas basilares do mistério da nossa fé.”

“Construir uma torre que toque os céus mas, sem Deus, o desastre é inevitável.”

“E qual é a situação do ser humano? Adão significa aquele que provem da terra, do húmus da terra, isto é o ser vivente. E Eva é a mãe da vida.
Aquele que deveria ser vivente e aquela que deveria ser mãe da vida na verdade são ludibriados pela serpente. Não sei se vocês perceberam e, aí é preciso ler o texto com atenção, para encontrar qual foi a ordem de Deus para Adão e Eva. A ordem começa positivamente: ‘Podeis comer de todos os frutos do jardim’. É o primeiro ponto. ‘Mas a árvore do conhecimento do bem e do mal  dela não comereis’. A ordem de Deus começa com a positividade do amor: ‘podeis comer de todas’, ‘usufruir de todas’. A serpente desvirtua a Palavra de Deus quando diz para a mulher e para o homem: ‘É verdade que Deus vos proibiu de comer das árvores do jardim?’. Percebam como é astuta. Enquanto que o desejo de Deus é que o ser humano possa usufruir de toda bondade do jardim, a serpente ludibria e engana desvirtuando a Palavra de Deus partindo da negatividade. Deus diz: ‘Podeis comer de todas’ e aponta o limite: ‘Exceto desta’. A serpente exatamente porque é a mãe da mentira ela parte da negatividade: ‘Não podeis comer de todas’.  A serpente maquina e de todos os modos tenta colocar a imagem de um deus opositor do ser humano. Um deus mesquinho, ciumento, que proíbe, que cessa, que destrói a liberdade humana. A serpente disse à mulher: ‘Não morrereis’. Mentira. Segundo: ‘Se comerdes da árvore os vossos olhos se abrirão e vós sereis como Deus e vós conhecereis o bem e o mal’. Aqui está o fundamento do pecado original. É aquilo que o Papa Francisco tem chamado de mundanismo espiritual ou de neo pelagianismo, ou seja, nós confiamos mais nos nossos esquemas, desvirtuamos a Palavra de Deus e a nossa liberdade entendida de modo absolutamente equivocado; nega a alteridade de Deus. Assim nós nos colocamos no lugar de Deus e nos sentimos senhores do universo. O ser humano quer construir um projeto humano, racional, belo, magnífico, mas sem Deus, fruto apenas da sua racionalidade . Construir uma torre que toque os céus mas, sem Deus, o desastre é inevitável.”

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Celebração Eucarística, no Santuário do Pai das Misericórdias (Foto: Wesley Almeida/cancaonova.com)

“Somos criaturas de um Deus amoroso”

“Infelizmente nos dias de hoje, vivemos muitas experiências e nós mesmos, ministros sagrados, corremos o risco de eliminar a alteridade de Deus no nosso ministério e nós nos embrenhamos nos nossos esquemas pastorais maravilhosos, fazemos planejamentos pastorais lindos, organizamos todas as coisas nas paróquias. Tudo vai bem em uma engrenagem perfeita. Mas muitas vezes falta exatamente a alteridade de Deus. Falta o elemento de um Deus providente, que ama, que acompanha. E aí nós caímos no conto da serpente: ‘vivereis para sempre’. Mentira. Não podemos nunca esquecer que somos criaturas. Somos criaturas de um Deus amoroso, que provê. Um Deus que ama, acompanha, que acredita em nós. Está sempre disposto a nos acolher e a refazer conosco o caminho da nossa existência. Mas somos criaturas e Ele é o Criador. No momento em que essas duas coisas se confundem encontramos também o grande pecado social: a técnica sem ética é desastre absoluto; é destruição da natureza, da obra de Deus. E a racionalidade pós moderna quer exatamente dizer que o ser humano pode simplesmente pela sua técnica, pela sua capacidade operacional, pela sua razão instrumental, resolver as coisas, criar projetos fabulosos e isentar-se de um Deus que é Criador e vive para sempre. Somos criaturas de um Deus que não é mesquinho, não é carrasco, não é tirano, que nos ama. De um Deus providente, de um Deus que acompanha.”

Curados do pecado das origens

(Foto: Wesley Almeida/cancaonova.com)

(Foto: Wesley Almeida/cancaonova.com)

“No esquema da antropologia hebraica, o olho é a fonte da concupiscência. Na primeira leitura, tudo parte dos olhos. Olhar para o fruto apetitoso e saboroso cresce no coração humano um desejo desenfreado  e desordenado, que no livro do Gênesis é a negação da alteridade de Deus. É por isso que o olhar precisa ser purificado. Na antropologia semítica, o olhar é a janela do desejo e, quando o desejo é desordenado e não é secundário e relativo a Deus, só gera pecado, morte e destruição. Por isso, a pergunta fundamental para todos nós, especialmente para nós ministros ordenados é: ‘Onde estás, ó homem?’, ‘Onde estás, ó padre?’, Onde estás ó bispo?’. É a pergunta de Deus para nós hoje. Precisamos purificar o olhar para não nos imaginarmos deus e não querermos substituir Deus por nossos esquemas meramente humanos. Agora entra o segundo elemento que eu comento muito brevemente.
O Evangelho trata justamente do discípulo missionário, curando o olhar, a concupiscência, para colocar Jesus no centro. É preciso também curar o ouvido do discípulo para escutar a Palavra. E assim a boca do missionário se torna boca profética e querigmática.
Jesus devolve a capacidade da escuta para ouvir como discípulo e falar como missionário querigmático. A cura do surdo mudo é a redescoberta desta dimensão. Somos discípulos missionários, curados na nossa capacidade de ouvir e de falar e sobretudo curados do pecado das origens: a tentação de queremos ser Deus, ludibriados por uma serpente. Em hebraico serpente significa sibilante; engano. E a palavra astuto significa nu. A serpente é o animal mais nu: não tem prega, braço, perna; nada côncavo. Não há nada escondido na serpente. O corpo todo está nu. Ela é a criatura totalmente nua porque afronta a vontade de Deus. Quando o ser humano se deixa ludibriar pela astúcia da serpente, no final ele também se sente pobre e nu e se esconde de Deus. Homem e mulher fazem tangas e se escondem do olhar amoroso do Pai das Misericórdias. Maria é a mulher toda revestida do Sol, tem a lua a seus pés, coroada de estrelas, porque é toda revestida da graça de Deus. O grande mistério da vida consagrada é consagrarmo-nos inteiramente. Tenhamos um coração indiviso em Deus para que sejamos plenamente Dele com o olhar curado, ouvidos curados e com a capacidade de proclamar o louvor a Deus.”

Pai das Misericórdias e Deus de toda consolação, ouvi-nos!

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