Obra de misericórdia espiritual

Consolar os tristes

A Providência de Deus permite o sofrimento para que se una à Cruz de Jesus

Depois de discorrer sobre o primeiro bloco das obras de misericórdias espirituais relativo à vigilância (dar bom conselho, ensinar os ignorantes e corrigir os que erram), podemos apresentar o segundo bloco que se refere à reconciliação, constituído pelas seguintes obras: consolar os tristes, perdoar as injúrias e suportar com paciência as fraquezas do próximo. A sétima e última obra de misericórdia espiritual a ser abordada, que diz respeito à oração, sintetiza as demais: rogar a Deus pelo06s vivos e defuntos. O presente artigo pretende colocar em relevo a quarta das sete obras de misericórdia espirituais que consiste em “consolar os tristes”, uma vez que esta é uma atitude fundamental do discípulo de Cristo. Este deve considerar que é devedor de Jesus Cristo que, por sua encarnação, paixão, morte e ressurreição nos reconciliou com o Pai das Misericórdias e continua oferecendo ao gênero humano esta reconciliação através de Sua Igreja que “é como que o sacramento, ou sinal, e o instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano” (Lumen Gentium,1).

A Sagrada Escritura mostra como, ao longo da história da salvação, Deus se compraz em consolar seu povo. Relata que Deus o consola com a bondade de um pastor: “Como um pastor, vai apascentar seu rebanho, reunir os animais dispersos, carregar os cordeiros nas dobras de seu manto, conduzir lentamente as ovelhas que amamentam” (Is 40,11); com o ardor de um esposo: “pois teu esposo é o teu Criador: chama-se o Senhor dos exércitos; teu Redentor é o Santo de Israel: chama-se o Deus de toda a terra” (Is 54,5); com a ternura de uma mãe: “Sião dizia: O Senhor abandonou-me, o Senhor esqueceu-me. Pode uma mulher esquecer-se daquele que amamenta? Não ter ternura pelo fruto de suas entranhas? E mesmo que ela o esquecesse, eu não te esqueceria nunca” (Is, 49,14-15). Além disso, a Tradição bíblica evidencia que, para ajudar seu povo a superar o desconsolo e a viver na esperança, Deus lhe deu a Lei e os profetas (2 Mc 15,9) e as Escrituras (1 Mc 12,9).

A Sagrada Escritura coloca em relevo, sobretudo, o evento mais importante da história da salvação, ao relatar que, quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou ao mundo Jesus Cristo, como Redentor (Gl 4,4-5) e supremo consolador para libertar o gênero humano da pior tristeza que é aquela causada pelo pecado. O Conselho Pontifício para a Promoção da Nova Evangelização (2016, p. 83) exprime essa Verdade com os seguintes dizeres:

Jesus, por seu lado, anunciado como Messias da “consolação de Israel” (Lc 2,25) e reconhecido como “Consolador” (1 Jo 2,1), proclama “felizes os aflitos, porque serão consolados” (Mt 5,4). Também dá coragem aos atribulados pelos seus pecados ou pela enfermidade que destes é sinal (Mt 9, 2.22) e oferece alívio a todos aqueles que estão cansados e esgotados (Mt 11,28-30).

Convém recordar que, a primeira ação de Cristo ressuscitado foi justamente a obra de misericórdia “consolar os tristes”. O evangelista João narra a experiência comovedora de Maria Madalena que, na madrugada do primeiro dia da semana, vai ao sepulcro cheia de dor e de amor para ungir o Corpo do Crucificado e é consolada ao encontrar-se com o Ressuscitado. Imediatamente as trevas de sua alma desaparecem e a tristeza dá lugar a uma alegria indizível (Jo 20,11-18). Nessa perspectiva, destaca-se também a teologia cristã do apóstolo São Paulo acerca da consolação, quando ele exprime, de maneira peculiar, que a misericórdia de Deus é a fonte única de toda consolação:

Bendito seja Deus, o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das misericórdias, Deus de toda a consolação, que nos conforta em todas as nossas tribulações, para que, pela consolação com que nós mesmos somos consolados por Deus, possamos consolar os que estão em qualquer angústia! Com efeito, à medida que em nós crescem os sofrimentos de Cristo, crescem também por Cristo as nossas consolações. (2 Cor 1,3-5).

O apóstolo também assegura, como primordial, a função consoladora da Igreja, pois testemunha que deste modo Deus continua consolando o seu povo: “Aquele, porém, que profetiza fala aos homens, para edificá-los, exortá-los e consolá-los” (1 Cor 14,3). “O Deus da perseverança e da consolação vos conceda o mesmo sentimento uns para com os outros, segundo Jesus Cristo” (Rm 15,5). Desde que o pecado entrou no mundo (Gn 3), a tristeza passou a fazer parte da vida humana e com isso a necessidade de receber e de dar consolo. O ser humano se depara com a tristeza quando escolhe livremente pelo pecado ou porque a Providência de Deus permite o sofrimento para que se una à Cruz de Jesus, conforme ensina o Evangelho (Lc 9,23).

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A misericórdia divina convida continuamente a humanidade a arrepender-se e a recomeçar quando erra, acreditando que Deus tem sempre a última Palavra em todas as circunstâncias, sobretudo, perante as mais dolorosas. De fato, as contradições fazem parte desta vida, por isso, nos momentos em que nos deparamos com elas, precisamos do consolo de pessoas amigas para não continuarmos no erro. Necessitamos, sobretudo, buscar consolo nos momentos de tristeza em Deus, por meio da oração como afirma são Thiago: “Alguém entre vós está triste? Reze” (5,13). Somos chamados a experimentar a consolação de Deus no Santíssimo Sacramento, na maternidade espiritual da Virgem Santa Maria e na amizade dos santos.

De igual modo, pode-se constatar que a ajuda dos Anjos é imprescindível nos momentos dolorosos, já que Deus Pai enviou um anjo para consolar Jesus Cristo no horto das oliveiras em seu profundo sofrimento (Lc 22,39-44), demonstrando, assim, que consolar é uma ação divina. Esse relato também apresenta uma das dificuldades relativas a essa obra de misericórdia, que é a insensibilidade para com o sofrimento do próximo, refletida na sonolência dos apóstolos. Pode-se constatar que somos dominados pela indiferença à dor alheia quando nos centralizamos em nossos problemas; quando a azáfama e a pressa nos impossibilitam de parar para escutar; quando não damos atenção aos sinais de tristeza que nos mostram as pessoas com quem convivemos; quando nos deixamos levar pela impaciência e quando queremos consolar a pessoa entristecida sem a ter escutado.

“Consolar os tristes” é uma obra de misericórdia que suaviza as dificuldades e pesares enfrentados no nosso peregrinar terreno. Todavia, requer muita sensatez e sabedoria, haja vista que, para a alma sofredora, uma palavra a mais pode curá-la ou feri-la, sendo em determinadas situações a presença silenciosa suficiente. Entretanto, há momentos em que é preciso verbalizar palavras de esperança propondo novas perspectivas à pessoa entristecida. Com efeito, a virtude teologal da esperança nos possibilita almejar o novo céu e a nova terra apresentados por São João no livro do Apocalipse (21,1) onde o consolo será o próprio Deus que enxugará toda lágrima e já não haverá morte, nem luto, nem grito, nem dor (21,4). Que este seja o nosso mais profundo desejo!

Áurea Maria,
Comunidade Canção Nova

Referências

BÍBLIA de Jerusalém. Tradução de Euclides Martins Balancin et al. São Paulo: Paulus, 2002.

CONSELHO PONTIFÍCIO PARA A PROMOÇÃO DA NOVA EVANGELIZAÇÃO. As obras de Misericórdia Corporais e Espirituais. Tradução de Mário José dos Santos. São Paulo: Paulinas, 2016.

CONSTITUIÇÃO DOGMÁTICA Lumen Gentium sobre a Igreja. In: COMPÊNDIO DO VATICANO II: constituições, decretos, declarações. 31. ed. Petrópolis: Vozes, 2016. p. 37-117.

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