OBRA DE MISERICÓRDIA

Suportar com paciência as fraquezas do nosso próximo

Suportar com paciência as fraquezas do nosso próximo é a sexta do conjunto das sete obras de misericórdia espirituais e a última obra que compõe o bloco das obras de misericórdia relativas à reconciliação. No percurso que temos feito, meditando sobre cada uma das obras de misericórdia, tanto as corporais como as espirituais, pudemos constatar que todas elas se fundamentam na Sagrada Escritura; e, por isso, vamos dar continuidade a esse itinerário considerando, sobretudo, que a Palavra de Deus nos apresenta Jesus Cristo – o Senhor – que nos ensinou e testemunhou com sua vida a praticar cada uma delas.

Tendo em conta que a Sagrada Escritura é a palavra de Deus, enquanto foi escrita por inspiração do Espírito Santo e que a economia do Antigo Testamento se destinava a preparar o advento de Cristo (Dei Verbum, 9.15), convém colocar em relevo primeiramente o que a tradição bíblica exprime acerca desta obra de misericórdia que estamos tratando. Pode-se observar que a pedagogia paciente de Deus é revelada de modo singular nos livros sapienciais que evidenciam explicitamente a importância “do saber viver” mediante as relações humanas. Neste sentido o livro dos provérbios, ao se referir à virtude da paciência para com o próximo, assegura que “a paciência vale mais que a valentia, e dominar-se a si mesmo vale mais do que conquistar uma cidade” (Pr 16,32) e ainda: “com paciência se dobra um magistrado, e a língua macia pode quebrar ossos” (Pr 25,15). Neste sentido, o livro do Eclesiastes também nos ensina: “mais vale o fim de uma coisa do que o seu começo, e a paciência é melhor que a pretensão” (Ecl 7,8). Neste horizonte sapiencial, Jó é o paradigma da paciência, uma vez que em meio a grandes perdas dizia: “Nu saí do ventre da minha mãe e nu voltarei para lá. Iahweh o deu, Iahweh o tirou. Bendito seja o nome de Iahweh” (Jó 1,21); e, ainda, diante das afrontas de sua mulher exclamou: “Se aceitamos de Deus os bens, não devemos também aceitar os males. E, apesar de tudo isso, Jó não ofendeu a Deus com palavras” (Jó 2,10).

“O mistério do homem só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente” (Gaudium et Spes, 22). | Foto ilustrativa: cancaonova.com

Isso posto, podemos elevar o nosso pensamento e coração a Jesus Cristo, que com sua paciência originada de seu amor pelo gênero humano, dignou-se revelar o amor paciente do Pai, dando a vida por nós, quando ainda éramos pecadores (Rm 5,8). Deste modo, Jesus nos mostra que o amor paciente e o sofrimento são duas realidades inseparáveis, sendo este um mistério que pode ser desvelado na medida em que volvemos o olhar para Ele crucificado. Assim compreenderemos o sentido único da vida humana, uma vez que “o mistério do homem só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente” (Gaudium et Spes, 22).

Com efeito, Jesus também revelou a paciência de Deus para com os homens colocando em relevo algumas parábolas que nos ajudam a compreender que, assim como o Pai celeste usou e usa de grande paciência para conosco, devemos agir deste modo para com os nossos semelhantes. Esta realidade pode ser vista na parábola referente àquele homem que devia uma grande soma ao seu patrão, pois depois deste tê-lo acolhido pacientemente, o mesmo não foi capaz de acolher o seu companheiro que lhe suplicou misericórdia (Mt, 18,23-35). De igual modo, merece destaque a parábola do filho pródigo, que retrata de modo tão profundo a paciência de Deus para com o processo de conversão de cada ser humano (Lc 15,11-24). Jesus também testemunhou a paciência de Deus, ao conviver com as misérias de seus discípulos, aproveitando das oportunidades cotidianas para lhes ensinar os princípios de Seu Reino. Então, quando os discípulos discutiam aspirando pelo poder, mostrava-lhes o valor do serviço e da humildade (Mt 20, 20-28). E, quando não queriam lhes permitir o convívio com as crianças, “Jesus ficou indignado e lhes disse: ‘Deixai vir a mim as criancinhas…’” (Mc 10,14). A sua relação com Pedro descrita nos evangelhos traz grandes exemplos de Sua paciência, como mostra o episódio da tempestade acalmada, quando este vai ao seu encontro e acaba por afundar porque titubeia na fé, levando Jesus a afirmar a necessidade de depositarmos a nossa fé em Deus, sobretudo nos momentos mais difíceis de nossa existência (Mt 14,22-33). É notória a paciência de Jesus diante de sua negação no momento mais crucial de Sua vida terrena, haja vista que ao fitar-lhe nos olhos o amou profundamente (Lc 22, 61); e, após Sua ressurreição, permitiu-lhe pacientemente reparar esta ofensa declarando-Lhe seu amor e, além disso, confiou-lhes o cuidado de suas “ovelhas” (Jo 21,15-17).

A partir do exemplo de Jesus podemos constatar que é na convivência com os outros (seja no trabalho, na família, ou com os amigos) que tornamos presente a paciência de Deus ao suportar com paciência seus defeitos, conscientes de que maior foi, e é a paciência de Deus para conosco. Com Jesus, aprendemos a perder o medo de carregar a cruz e a nos prepararmos para um dia compareceremos diante Dele no Céu, onde experimentaremos plenamente o seu amor. O apóstolo São Paulo que, em meio aos grandes combates que travou por amor ao Reino de Deus, aprendeu com Jesus a lidar com as fraquezas do próximo e descreveu as características de um amor purificado com os seguintes termos: “O amor é paciente, prestativo, não é invejoso, não se ostenta, não se incha de orgulho. Nada faz de inconveniente, não procura o seu próprio interesse, não se irrita, não guarda rancor” (1 Cor 13,4-5).

Leia também:
:: Dar pousada aos peregrinos
:: Vestir os nus
:: A misericórdia é para todos

Sigamos o exemplo de Jesus que não se afastava diante dos defeitos das pessoas que encontrava, ao contrário, acolhia-as com amor paciente, propiciando-lhes uma oportunidade de conversão. Peçamos-Lhe a graça de olhar o nosso próximo com Seu olhar misericordioso que aproxima e não com um olhar ofuscado pelo pecado que distancia. Com humildade busquemos olhar para dentro de nós a fim conhecermos bem os nossos próprios defeitos e assim não sermos intransigentes com os outros, já que a alma paciente e humilde é consciente de suas próprias limitações, e por isso é capaz de se abrir para quem necessita de uma compreensão sincera. Esta obra de misericórdia nos leva a compreender que o confronto com o próximo e as palavras carregadas de desrespeito não possibilitam uma relação fundada no amor paciente de Deus, ao contrário acrescentam mais peso à cruz que cada um suporta mediante suas limitações pessoais. Verdadeiramente, pode-se afirmar que a paciência para com o próximo é comparável à atitude do Cireneu: alivia as dores cotidianas e ajuda a nos identificarmos com Jesus Cristo que caminhou para o Calvário, carregando sua pesada Cruz por amor a nós.

Peçamos, portanto, à Virgem Maria que nos ensine a suportar com paciência as fraquezas do nosso próximo. Ela que soube tão bem acolher pacientemente os discípulos de Seu Filho que O tinham abandonado, Ela, com incansável amor, acompanhou maternalmente a Igreja em seus primeiros passos. A Santíssima Virgem nos ajudará a abrirmo-nos à ação do Espírito Santo e a permitir-Lhe transformar as nossas fraquezas nas virtudes que refletem o amor paciente de Deus.

Áurea Maria,
Comunidade Canção Nova

Referências

BÍBLIA de Jerusalém. Tradução de Euclides Martins Balancin et al. São Paulo: Paulus, 2002.

CONSTITUIÇÃO DOGMÁTICA Dei Verbum sobre a Revelação divina. In: COMPÊNDIO DO VATICANO II: constituições, decretos, declarações. 31. ed. Petrópolis: Vozes, 2016. p. 119-140.

CONSTITUIÇÃO PASTORAL Gaudium et Spes sobre a Igreja no mundo atual. In: COMPÊNDIO DO VATICANO II: constituições, decretos, declarações. 31. ed. Petrópolis: Vozes, 2016. p.141-256.

Deixe seu comentários

Comentário