O coração é a sede da vida interna da alma, tanto natural como sobrenatural
Ao pensar neste tema, lembrei-me daquelas pessoas com as quais converso e elas reclamam o tempo todo, murmuram, estão sempre insatisfeitas. Para elas nada está bom e maldizem a si e aos outros que estão ao seu redor e que com ela convivem. Lembrei-me também que, algumas vezes, estive assim e, sem perceber, fiz o mesmo. E, diante de uma exortação de alguém, da meditação da Palavra, de uma conversa, de um atendimento, na missa ou numa pregação, fui despertada para o fato de que a minha boca estava falando do que o meu coração estava cheio. E tomei consciência de que precisava esvaziá-lo do que não prestava.
A passagem bíblica de Mateus 13,37 diz assim: “Porque a boca fala o que transborda o coração”, e foi dita por Jesus num momento de exortação aos fariseus, quando falaram que Ele expulsava demônios por meio de Belzebu. Jesus sabia do mau comportamento dos fariseus, por isso os considerava como impossibilitados de dizer coisas boas.
Noutra passagem bíblica, em Mateus 15,1-11, Jesus também fez uma exortação aos fariseus que o questionaram sobre a conduta dos seus discípulos de comerem sem lavar as mãos. Jesus chamou-os de hipócritas, referindo-se às palavras de Isaías 29,13 sobre um povo que só honrava a Deus com os lábios, mas que tinham o coração distante d’Ele. E Jesus conclui dizendo: “Não é aquilo que entra pela boca que mancha o homem, e sim aquilo que sai dele: eis o que mancha o homem”. E, ainda explicando aos discípulos, afirma: “Aquilo que sai da boca provém do coração, e é isso o que mancha o homem. Porque é do coração que provém os maus pensamentos, os homicídios, os adultérios, as impurezas, os furtos, os falsos testemunhos, as calúnias. Eis o que mancha o homem. Comer, porém, sem ter lavado as mãos, isso não mancha o homem” (Mt 15,18-20).
A Lei
Segundo o Dicionário Enciclopédico da Bíblia, organizado por A. Von Den Born (1977, p. 557), os fariseus “formavam um partido religioso, no judaísmo, que se aplicava a estudar profundamente a lei mosaica e as tradições dos antepassados, e propugnava a mais rigorosa observância da sua interpretação da lei, principalmente em matéria de sábado, pureza ritual e dízimas”.
São Mateus também, no capítulo 23, traz as avaliações de Jesus sobre os fariseus e os escribas, ditas publicamente: eles sobrecarregam os homens e não carregam peso algum; gostam de aparecer, de ocupar os primeiros lugares, de serem cumprimentados e chamados de mestres. Foram chamados por Jesus de hipócritas, que atrapalham a entrada dos outros no Reino dos Céus; que devoram as casas das viúvas com fingidas orações; que saem em busca de pessoas para converter ao Judaísmo e depois as transformam em piores do que eles; que defendem a obrigatoriedade do juramento pelo tesouro do Templo e pela oferta do altar, colocando-os acima do Templo e do altar que santifica a oferta; que pagam o dízimo, mas desprezam os preceitos mais importantes da Lei: a justiça, a misericórdia, a fidelidade; e por dentro estão cheios de roubos e intemperança. E Jesus alerta que as pessoas façam o que eles dizem, mas não tenham a mesma conduta que eles. E termina exortando:
“Fariseu cego! Limpa primeiro o interior do copo e do prato, para que também o que está fora fique limpo. Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Sois semelhantes aos sepulcros caiados: por fora parecem formosos, mas por dentro estão cheios de ossos, de cadáveres e de toda espécie de podridão. Assim também vós: por fora pareceis justos aos olhos dos homens, mas por dentro estais cheios de hipocrisia e de iniquidade […] Serpentes! Raça de víboras! Como escapareis ao castigo do inferno?”
Ao contrário dos fariseus, Jesus estava preocupado com o que podia manchar os homens. Aquilo que podia atingir a alma e fazê-los perder a vida eterna. Por isso, Jesus se preocupava com o coração.
No Antigo Testamento, já havia um cuidado com o coração. Em Provérbios 4,23 está indicado: “Guarda o teu coração com toda a vigilância, pois dele dependem os limites da vida”.
Segundo G. Bove, no Dicionário Teológico Enciclopédico (2003, p. 146), “no AT, o coração é considerado o centro da pessoa, fonte da dinâmica vital do corpo, e também sede da vida psíquica, centro de faculdades espirituais, principalmente as afetivas. Para o mundo semita-egípcio, o coração é a sede do pensamento e da atividade intelectiva. No ambiente hebraico, o coração é concebido como lugar da compreensão, do raciocínio, da reflexão, das escolhas: as implicações de todas essas dimensões na moral transformam o coração em momento de conversão, temor e reverência, às vezes em misteriosa presença de Iahweh”. No Novo Testamento, confluem essas conotações de ambiente semítico”.
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Segundo A. Van Den Born, no Dicionário Enciclopédico da Bíblia (1977, p. 296), o coração “é a sede da vida interna da alma, tanto natural como sobrenatural. […] O NT, porém, vê o coração como o órgão através do qual Deus se dirige aos homens”, tendo, portanto, as seguintes características: sede da vida da alma; sede da vida intelectiva; sede dos sentimentos; sede da vontade; sede da vida moral-religiosa; centro das coisas. Esses eram os sentidos da palavra coração no texto bíblico.
E sendo o coração a sede da vida interna da alma, nele não pode habitar o que é mau. E para limpar o nosso coração diariamente, devemos nos manter vigilantes. Em Mateus 26,41, Jesus expressa: “Vigiai e orai para que não entreis em tentação. O espírito está pronto, mas a carne é fraca”. Deus quer nos livrar da tentação (CIC 2846).
Sobre a vigilância, o Catecismo da Igreja Católica, no nº 672, lembra-nos que “o tempo presente é, segundo o Senhor, o tempo do Espírito e do testemunho, mas é também um tempo ainda marcado pela ‘tristeza’ e pela provação do mal, que não poupa a Igreja e inicia os combates dos últimos dias. É um tempo de expectativa e de vigília”. Ainda segundo o Catecismo, no nº 2849, “a vigilância consiste em ‘guardar o coração’, e Jesus pede ao Pai que ‘nos guarde no seu nome’. O Espírito Santo procura nos manter sempre alerta para essa vigilância”.
Caminho, verdade e vida
Jesus nos ensina a orar ao Pai, trazendo a novidade de que devemos pedir em Seu Nome, porque Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida. A fé em Jesus faz com que guardemos Sua palavra, seus mandamentos, permaneçamos com Ele no Pai, que nos ama por meio d’Ele, ficando também em nós. Quando a nossa oração está unida a Jesus, Ele nos concede o Espírito Santo, outro defensor que ficará para sempre conosco (CIC 2612-2615):
“Jesus ensina seus discípulos a orar com coração purificado, fé viva e perseverante, audácia filia. Impulsiona-os à vigilância e os convida a apresentar a Deus seus pedidos em seu nome. Jesus Cristo atende pessoalmente as orações que lhe são dirigidas” (CIC 2621).
No nº 2799/2800 do Catecismo, a Igreja diz que “a oração do Senhor nos põe em comunhão com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo. Ao mesmo tempo, ela nos revela a nós mesmos. Rezar ao Pai “nosso” deve desenvolver em nós a vontade de nos assemelharmos a Ele e fazer crescer em nós um coração humilde e confiante”. A vigilância, levando uma vida de oração, é um passo fundamental para um coração puro e, consequentemente, para alcançarmos a eternidade.
O Catecismo ainda diz que “a lei da oração é a lei da fé”. E a fé recebida dos Apóstolos é confessada quando a Igreja celebra os sacramentos (nº 1124). Os sacramentos são sete: Batismo, Eucaristia, Confissão, Crisma, Ordem, Matrimônio e Unção dos Enfermos. Eles “se destinam à santificação dos homens, à edificação do corpo de Cristo e ainda ao culto a ser prestado a Deus. Sendo sinais, destinam-se também à instrução. Não só supõem a fé, mas, por palavras e elementos rituais, também a alimentam, fortalecem-na e a exprimem. Por essa razão, são denominados sacramentos da fé” (CIC 1123). A Eucaristia ordena todos os outros sacramentos que a ela se ligam, pois é o próprio Cristo. Para nos mantermos vigilantes, faz-se necessário vivermos os sacramentos.
A meditação da Palavra de Deus, revelada nas Sagradas Escrituras, é essencial para nutrir a alma e limpar o coração, porque ela “constitui sustentáculo e vigor para a Igreja e, para seus filhos, firmeza da fé, alimento da alma, pura e perene fonte da vida espiritual” (CIC 131).
Nesse ponto, é importante destacar o exemplo da oração da Virgem Maria, quando deu seu sim e, no Magnificat, ofertou a Deus todo o seu ser na fé (CIC 2622). Também o rosário, considerado como o resumo de todo o Evangelho (CIC 971) é uma forma de culto especial a Virgem Maria, juntamente com as festas litúrgicas dedicadas a Mãe de Deus. Pelo Catecismo, “Maria é a orante perfeita, figura da Igreja. Quando rezamos a ela, aderimos com ela ao plano do Pai, que envia seu Filho para salvar todos os homens […] A oração da Igreja é sustentada pela oração de Maria, a qual está unida na esperança” (CIC 2679). A oração do rosário leva-nos a uma atitude de meditação onde há mobilização do pensamento, da imaginação, da emoção e do desejo o que é necessário também para a conversão do coração.
Além da oração, as outras práticas de penitência, como o jejum e a esmola, são excelentes fontes de conversão e transformação do coração. No n. 1435 do Catecismo também está dito: “A conversão se realiza na vida cotidiana por meio de gestos de reconciliação; do cuidado dos pobres; do exercício e da defesa da justiça e do direito; pela confissão das faltas aos irmãos; pela correção fraterna; pela revisão de vida; pelo exame de consciência; pela direção espiritual; pela aceitação dos sofrimentos; pela firmeza na perseguição por causa da justiça. Tomar a sua cruz, cada dia, seguir a Jesus é o caminho mais seguro de penitência”.
Lembro-me agora, por fim, mas não menos importante, das palavras de Padre Jonas Abib, fundador desta obra Canção Nova, já falecido, no livro de autoria dele “Agora meus olhos Te viram”, em que ele diz: “Parece até impossível, mas é através da adoração que seremos transformados e curados” (p. 13), e continua afirmando: “É na adoração pessoal, em grupo, em comunidade que nós vamos crescendo e nos transformando. É um processo contínuo… É pela adoração que isso acontece” (p. 23). É o Espírito Santo quem “nos leva a descobrir o caminho da verdadeira adoração…” (p. 88). E ele sempre repetia: “quem não adorar, não vai aguentar”.
Sendo assim, devemos nos manter vigilantes, cuidando e limpando o nosso coração por meio da vivência de oração a Jesus e a Nossa Senhora, especialmente pelo rosário; dos sacramentos; da meditação da Palavra; da adoração e das outras práticas penitenciais como o jejum e a esmola. Tudo isso num esforço de limpar o coração do que não presta e enchê-lo da graça do Espírito Santo, para que, da nossa boca procedam palavras de bênçãos e não de maldição.
REFERÊNCIAS:
ABIB, Pe. Jonas. Agora meus olhos Te viram. Cachoeira Paulista: Canção Nova, 2015.
BORN, A. Van Den. Dicionário Enciclopédico da Bíblia. Petrópolis: Vozes, 1977.
BOVE, G. Dicionário Teológico Enciclopédico. São Paulo: Loyola, 2003.
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA (CaIC). São Paulo: Loyola. Brasília: CNBB, 2000.