RESILIÊNCIA

Carregar a cruz não é sofrimento, mas amor

“Quem não carrega sua cruz e não caminha após mim, não pode ser meu discípulo”

Jesus Cristo veio para todos, sem desejar nem planejar qualquer exclusão. O Plano de Salvação inclui todas as gerações, homens e mulheres de todas as raças, povos e línguas. Entretanto, a Encarnação do Verbo de Deus aconteceu num tempo determinado, fazendo que a história humana alcançasse a sua maturidade e plenitude. Jesus se relacionou com pessoas concretas, num ambiente cultural da região da Palestina, com todas os condicionamentos históricos, falou a língua daquele povo, convocou gente que vivia de modo especial em torno do Mar da Galileia, onde passou a maior parte de seu ministério. Judeus e Galileus foram os primeiros destinatários da mensagem do Evangelho, que deveria chegar aos confins da terra. Tal expansão foi confiada a pessoas concretas, que se sucedem no correr dos séculos, e nós participamos como os destinatários de hoje, feitos por nossa vez missionários e portadores da Boa Nova da Salvação. Podemos considerar os nossos confins da terra como o horizonte da Igreja hoje, levando em conta, de forma especial, as pessoas que nos estão próximas e ainda não receberam o anúncio do nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, e estas podem estar em nossas famílias, vizinhança e cidade!

“E carregar a Cruz não é gostar do sofrimento, mas transformar tudo, inclusive as dores mais exigentes, em amor. Só assim se transforma em Cruz!” | Foto ilustrativa: cancaonova.com

E o relacionamento de Jesus com as pessoas foi direto, afetivo e positivamente provocativo. Nós o vemos cultivando a amizade, como o Evangelho no-lo mostra vizinho a João, chamado Discípulo amado, aquele que entrou nos segredos do coração do Mestre, na Última Ceia, e esteve com Maria, aos pés da Cruz, num testamento de maternidade e filiação que envolveu toda a humanidade. Simão, a quem o Senhor chamou de Pedro, mesmo convocado a ser rocha de firmeza e coragem, era muito humano, na generosidade, na insegurança na ousadia do Getsêmani e também nas falhas ou pecados. Com Pedro e João, aparece também Tiago. Os três devem ter desfrutado aberturas sinceras e recíprocas de coração, que lhes permitiram estar em situações preciosas, como a Transfiguração e a Agonia no Horto das Oliveiras.

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Alargando nosso olhar, vemos doze apóstolos, escolhidos a dedo, colunas da Igreja, novo Israel de Deus. Temperamentos diversos, origens profissionais diferentes, vários deles pescadores, para se tornarem depois pescadores de homens. Humanamente, passaram por crises, houve momentos em que pareciam se dispersar, como aconteceu a prisão de Jesus, para se reunirem depois, após a Ressurreição, nas várias aparições de Nosso Senhor Jesus Cristo. “Por meio de homens ignorantes a cruz persuadiu, e mais, persuadiu a terra inteira. Não falava de coisas sem importância, mas de Deus, da verdadeira religião, do modo de viver o Evangelho e do futuro juízo. De incultos e ignorantes fez amigos da sabedoria. Vê como a loucura de Deus é mais sábia que os homens e a fraqueza, mais forte. Donde lhes veio que, durante a vida de Cristo, não resistiram à fúria dos judeus, mas, uma vez ele morto e sepultado – visto que, como dizeis, Cristo não ressuscitou, nem lhes falou, nem os encorajou – entraram em luta contra o mundo inteiro? Não teriam dito, ao contrário: ‘Que é isto? não pôde salvar-se, vai proteger-nos agora? Ainda vivo, não socorreu a si mesmo, e morto, nos estenderá a mão? Vivo, não sujeitou povo algum, e nós iremos convencer o mundo inteiro, só com dizer seu nome? Como não será insensato não só fazer, mas até pensar tal coisa?’ Por este motivo é evidente que, se não o tivessem visto ressuscitado e recebido assim a grande prova de seu poder, jamais se teriam lançado em tamanha aventura”. (Cf. Homilias sobre a Primeira Carta aos Coríntios, de São João Crisóstomo, bispo – Hom. 4,3.4: PG 61,34-36)

Os setenta e dois e tantos outros, inclusive nós, que viemos depois, todos fomos chamados, com nossas limitações e qualidades. E podemos incluir outros grupos que conviveram com o Senhor, como seus amigos de Betânia, ou mulheres que serviram com seus bens os discípulos, além de tantas pessoas por eles curados, perdoados e restaurados.

Entretanto, se o Senhor dedicou palavras e chamado a pessoas e grupos, a palavra proclamada no Evangelho neste final de semana (Lc 14,15-33) abre o leque a todos que vierem a segui-lo. Há algumas condições a serem observadas por todos: “Se alguém vem a mim, mas não me prefere a seu pai e sua mãe, sua mulher e seus filhos, seus irmãos e suas irmãs, e até à sua própria vida, não pode ser meu discípulo. Quem não carrega sua cruz e não caminha após mim, não pode ser meu discípulo. Qualquer um de vós, se não renunciar a tudo o que tem, não pode ser meu discípulo!” (Cf. Lc 14,25-33) Preferir a Jesus, carregar a cruz, renunciar a si mesmo, para ser discípulo. Liberdade quanto aos bens, chama-se pobreza, na busca da partilha e serviço aos mais pobres; liberdade quanto às pessoas é castidade, cada pessoa em sua vocação e estado de vida; liberdade em relação a si mesmo é o nome da obediência, prontidão para ouvir, para que todos escutem mais os outros. Todos nós precisamos fazer esta experiência, para seguir efetivamente a Jesus. E carregar a Cruz não é gostar do sofrimento, mas transformar tudo, inclusive as dores mais exigentes, em amor. Só assim se transforma em Cruz!

Pode acontecer que na percepção popular pobreza, castidade e obediência são passos a serem dados pelos religiosos, religiosas e outras pessoas consagradas, o que limita a radicalidade a ser pedida a todos os cristãos que seguem a Jesus. Diferente é o estado de vida de cada cristão, com as exigências a cada um deles correspondente. Para dar um exemplo, Castidade é proposta para quem se casa! Significa fidelidade, unicidade e fecundidade! As pessoas casadas podem e ser castas tanto quanto a vida religiosa! Obedientes serão os esposos e esposas um ao outro, dando a vida na vida conjugal! Viverá a pobreza o casal que trabalha com dedicação e dignidade pela própria família. Castidade do sacerdote tem o nome de celibato, ao renunciar à formação de uma família própria para dedicar-se a formar a grande família dos filhos de Deus. Pobre o padre será quando se dedicar a formação de comunidades vivas e abertas à caridade. Sua obediência o fará ter o espírito missionário necessário a dedicar-se ao povo que a Igreja lhe confiar.

Quem não aceita dar estes passos parecerá uma construção que não pode ser levada a termo, e a casa da vida não é feita para ser ridicularizada. E na guerra contra o mal, é necessário ter as armas adequadas, e não algo diferente do que saber escolher Deus em primeiro lugar. Jesus Cristo, acolhido como Senhor e Salvador será sempre fonte de vida e alegria para as demais escolhas a serem feitas. Daí nasce uma escala de valores, e todos são convidados a ser coerentes como consequência. E para concluir nossa reflexão, vale uma outra pequena parábola de Jesus: “O sal é bom. Mas se até o sal perder o sabor, com que se há de salgar? Não serve nem para a terra, nem para o esterco, mas só para ser jogado fora. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça” (Lc 14,34-35). O Cristão, ou é o que deve ser, ou…!

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