Catequese

As obras de misericórdia corporais: visitar os presos

“Lembrai-vos dos encarcerados, como se vós mesmos estivésseis presos com eles” (13,3)

Quando Jesus disse, em Seu discurso escatológico: “Vinde, benditos de meu Pai, tomai posse do Reino que vos está preparado desde a criação do mundo, porque […] estava na prisão e viestes a mim (Mt 25,36)”, Ele demonstrou Sua compaixão para com aqueles que padecem da privação da liberdade.

Assim, o Senhor mostra que visitar os presos equivale a ajudar uma pessoa a manter a sua dignidade, uma vez que “todo ser humano tem direito natural ao respeito de sua dignidade e à boa fama” (Pacem in terris,12). Primeiramente, essa sexta obra de misericórdia corporal nos convida a dirigirmos o olhar para Cristo o Senhor, que esteve preso na noite anterior à Sua crucifixão, e assim viveu amargamente a privação de sua liberdade enquanto aguardava um julgamento e uma condenação absolutamente injustos e iníquos. Então, vê-se, neste ato de Jesus, um paradoxo, dado que, ao agir em total liberdade (Jo 10,18) ao entregar-se como um prisioneiro, liberta assim o homem do pecado.

Visitar os presos é uma tarefa importantíssima a ser cumprida por todos os homens de boa vontade/ Foto: Reproducao UCDB

Visitar os presos evoca outra atitude emblemática de Jesus, visto que, ao retomar as palavras do profeta Isaías (61,1), começa o seu ministério público anunciando-lhes a libertação, como evidencia o evangelista Lucas: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu; e enviou-me para […] anunciar aos cativos a redenção, para pôr em liberdade os cativos” (4,18-19). Pode-se verificar que Jesus anuncia a Sua misericórdia libertadora a começar pelos mais necessitados, isto é, pelos marginalizados, demonstrando que o Seu amor é a fonte de toda e qualquer liberdade, seja ela corporal, moral ou espiritual. Sobre estas palavras proferidas por Jesus, o Compêndio da Doutrina Social da Igreja Católica assegura que, desta maneira, Ele “manifesta de modo tangível e definitivo quem é Deus e como Ele se comporta com os homens” (n. 28). Nesse sentido, destaca-se a recomendação da Carta aos Hebreus que, ao evocar o zelo pelos prisioneiros, convida-nos a servi-los como se fôssemos companheiros de sua prisão: “Lembrai-vos dos encarcerados, como se vós mesmos estivésseis presos com eles” (13,3).

Esperança

Isso posto, fica claro que o Senhor Jesus espera de nós o serviço caritativo para com os presidiários, pois Ele também afirmou que estes trazem em si a marca de sua própria sacralidade: “Quando foi que te vimos […] na prisão e te fomos visitar? Responderá o Rei: Em verdade eu vos declaro: todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes” (Mt 25,39-40). A pessoa que está privada de liberdade necessita ser confortada na esperança, por isso, em várias ocasiões, os Papas testemunharam o incomensurável valor de um gesto caritativo aos homens e mulheres que se encontravam nesta condição.

Visitar os presos, ou ajudá-los em sua reinserção social, é uma tarefa importantíssima a ser cumprida por todos os homens de boa vontade

Neste sentido, merece relevo a atitude do Papa São João Paulo II quando foi visitar o presidiário turco Mehmet Ali Ağca que lhe deu dois tiros no dia 13 de maio de 1981, para perdoá-lo pessoalmente (Há 35 anos, 2018). De igual modo, destaca-se o ato benevolente do Papa Francisco em sua visita aos presos do complexo penitenciário da Bolívia em 2015, visto que os animou a não ficarem presos às feridas do passado, motivando-os a ter um olhar diferente para o futuro, a buscar em Cristo forças para recomeçar (SILVA, 2015). Portanto, pode-se afirmar que visitar os presos, ou ajudá-los em sua reinserção social, é uma tarefa importantíssima a ser cumprida por todos os homens de boa vontade e, sobretudo, pelos cristãos que devem ir ao encontro destes irmãos fragilizados imbuídos do ardor pela evangelização.

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Deste modo, as pessoas que enfrentam esse tipo de sofrimento poderão compreender que este momento é também uma ocasião para abrir-se a Deus e encontrar n’Ele o sentido de sua existência, pois “na realidade, o mistério do homem só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente”. (Gaudium et Spes, 22).

Paixão, Morte e Ressurreição

Essa obra de misericórdia também nos convida a lançarmos o olhar sobre aqueles que estão encarcerados não somente atrás das grades, mas naquelas prisões ocasionadas pelo alcoolismo, pela pornografia, pelas drogas e por outros vícios que aprisionam a alma e a mergulha num abismo. Mediante o apelo de Jesus, somos chamados a levar a essas pessoas a nossa proximidade e compreensão, principalmente as nossas orações, confiantes que a todos Deus oferece sempre novas oportunidades até o fim de nossas vidas. Assim sendo, compreenderemos que as prisões físicas ou morais podem ser lugares de encontro com Deus, isto é, de uma profunda conversão. É por isso que essa ordem de Jesus ecoa mais vivamente no mundo contemporâneo tão marcado pela violência. Tal situação, implícita ou explicitamente, revela-nos a causa de toda e qualquer prisão que, desde os primórdios da história humana, procura manter o homem cativo: o mistério da iniquidade (2 Ts 2,7).

Cristo Jesus, por Sua Paixão, Morte e Ressurreição, libertou o homem da maior prisão que é o pecado: este é o mistério da piedade (1 Tm 3,16) que Deus revelou. Mas da mesma forma que a Revelação de Deus acontece por meio de acontecimentos e palavras intimamente conexos entre si (Dei Verbum, 2), a Igreja atualiza essa Revelação através do anúncio da Palavra do Evangelho e dos acontecimentos das obras de misericórdia, das quais a visita aos presos é particularmente significativa.
Com efeito, a Igreja busca, através desta obra de misericórdia, fazer com que os homens, feridos em sua liberdade, experimentem a verdadeira liberdade que se encontra somente em Cristo (Jo 8,32): agora na fase inicial, mas rumo à ressurreição final, quando a liberdade dos filhos de Deus será eterna e perfeita.

Áurea Maria,
Comunidade Canção Nova

Referências

COMPÊNDIO DA DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA. 29 jun. 2004. Disponível em: http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/justpeace/documents/rc_pc_justpeace_doc_20060526_compendio-dott-doc_po.html#No%20alvorecer%20do%20terceiro%20mil%C3%AAnio. Acesso em: 16 jun. 2020.

CONSELHO PONTIFÍCIO PARA A PROMOÇÃO DA NOVA EVANGELIZAÇÃO. As obras de Misericórdia Corporais e Espirituais. Tradução de Mário José dos Santos. São Paulo: Paulinas, 2016.

CONSTITUIÇÃO DOGMÁTICA Dei Verbum sobre a Revelação Divina. In: COMPÊNDIO DO VATICANO II: constituições, decretos, declarações. 31. ed. Petrópolis: Vozes, 2016. p.120-139.

CONSTITUIÇÃO PASTORAL Gaudium et Spes sobre a Igreja no mundo atual. In: COMPÊNDIO DO VATICANO II: constituições, decretos, declarações. 31. ed. Petrópolis: Vozes, 2016. p.141-256.

HÁ 35 ANOS, S. João Paulo II encontrou e perdoou o homem que quase o matou. Aleteia, 28 dez. 2018. Disponível em: https://pt.aleteia.org/2018/12/28/ha-35-anos-s-joao-paulo-ii-encontrou-e-perdoou-o-homem-que-quase-o-matou/. Acesso em: 16 jun. 2020.

JOÃO XXIII. Carta Encíclica Pacem in terris. 11 de abril de 1963. Disponível em: http://www.vatican.va/content/john-xxiii/pt/encyclicals/documents/hf_j-xxiii_enc_11041963_pacem.html. Acesso em: 16 jun. 2020.

SCHOKEL, Luís Alonso. Bíblia do Peregrino. Tradução de Ivo Storniolo, José Bortolini e José Raimundo Vidigal. São Paulo: Paulus, 2002.

SILVA, Ronaldo. Papa Francisco visita penitenciária na Bolívia. Notícias Canção Nova, 11 jul. 2015. Disponível em: https://noticias.cancaonova.com/mundo/papa-visita-penitenciaria-na-bolivia/. Acesso em: 16 jun. 2020.

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