MISERICÓRDIA

João Paulo II e Deus Pai: a paternidade misericordiosa

No Motu Próprio: Misericórdia Dei, documento em que o Papa polonês dissertou sobre alguns aspectos da celebração do Sacramento da Penitência, deixou-se entrever uma palavra-chave sobre Deus Pai. Já na primeira linha, do original em latim, ele nos disse: Misericordia Dei, qui est Pater reconcilians […]”. Cuja tradução dada pelo site do Vaticano:

Pela misericórdia de Deus, Pai que reconcilia, o Verbo encarnou no seio puríssimo da Bem-aventurada Virgem Maria, para salvar «o povo dos seus pecados» (Mt. 1,21) e abrir-lhe «o caminho da salvação» [Missal Romano, Prefácio do Advento I]. (MISERICORDIA DEI, 2002).

É de forma real e sensível, ao mesmo tempo que está presente uma grande e profunda teologia concentrada numa palavra – que, ao primeiro olhar, é tida como simples –, que São João Paulo II chama o Pai de “reconciliador”. Uma vez que a salvação é, antes de mais nada, redenção do pecado, enquanto impedimento da amizade com Deus e libertação do estado de escravidão, no qual se encontra o homem que cedeu à tentação do Maligno e perdeu a liberdade dos filhos de Deus (cf. Rom 8,21). O fundamento é sempre o mesmo, o amor de Deus por nós. O Catecismo é claro em afirmar:

O amor de Deus para com Israel é comparado ao amor dum pai para com o seu filho (Cf. Os. 11, 1). Este amor é mais forte que o de uma mãe para com os seus filhos (Cf. Is. 49, 14-15). Deus ama o seu povo, mais que um esposo a sua bem-amada (Is. 62, 4-5); esse amor vencerá mesmo as piores infidelidades (Ez 16; Os 11); e chegará ao mais precioso de todos os dons: «Deus amou de tal maneira o mundo, que lhe entregou o seu Filho Único» (Jo. 3, 16). (CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, 219).

 O Santo Padre, João Paulo II, em uma de suas audiências (“a relação de Jesus com o Pai, revelação do mistério trinitário” – 10 de Março de 1999), de maneira simples levou a todos a uma grande meditação sobre Deus, que é Pai. O Papa nos transmite uma reflexão partindo da relação do Filho com o Pai. De fato, com as Suas palavras e obras, Jesus entretém com o “Seu” Pai uma relação muito especial. O Evangelho de João sublinha que tudo o que Ele comunica aos homens é fruto desta união íntima e singular: “Eu e o Pai somos um” (Jo. 10, 30). E ainda: “Tudo quanto o Pai tem é Meu” (Jo. 16, 15). Existe uma reciprocidade entre o Pai e o Filho, naquilo que conhecem de Si mesmos (cf. Jo. 10, 15), naquilo que são (cf. Jo 14, 10), naquilo que fazem (cf. Jo 5, 19; 10, 38) e naquilo que possuem: “Tudo o que é Meu é Teu, e tudo o que é Teu é Meu” (Jo. 17, 10). Trata-se dum intercâmbio recíproco que encontra a sua expressão plena na glória, que Jesus obtém do Pai no mistério supremo da morte e da ressurreição, depois de a ter Ele mesmo conseguido do Pai durante a vida terrena: “Pai, chegou a hora: Glorifica o Teu Filho para que também o Teu Filho Te glorifique… Glorifiquei-Te na Terra… Agora glorifica-Me Tu, ó Pai, junto de Ti” (Jo 17, 1.4 s.). Com essas breves palavras poderíamos fazer um grande retiro e mensurar como está a nossa relação com o Pai, porque assim devemos viver nossa vida: imitando o Cristo.

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Ademais, continua o Papa, esta união essencial com o Pai não só acompanha a atividade de Jesus, mas qualifica o Seu ser inteiro. “A Encarnação do Filho de Deus revela que Deus é o Pai eterno, e que o Filho é consubstancial ao Pai, quer dizer que n’Ele e com Ele é o mesmo e único Deus” (Catecismo da Igreja Católica [CIC], n. 262). O evangelista João põe em evidência que precisamente a esta pretensão divina reagem os chefes religiosos do povo, não tolerando que Ele chame a Deus seu Pai e Se faça, portanto, igual a Deus (cf. Jo. 5, 18; cf. 10, 33; 19, 7). Em virtude desta consonância no ser e no agir, Jesus revela o Pai tanto com as palavras como com as obras: “Ninguém jamais viu a Deus; o Filho único que está no seio do Pai é que O deu a conhecer” (Jo. 1, 18). A “predileção” de que Cristo goza é proclamada no seu batismo, segundo a narração dos Evangelhos sinópticos (cf. Mc 1, 11; Mt 3, 17; Lc 3, 22). Ela é reconduzida pelo evangelista João à sua raiz trinitária, ou seja, à misteriosa existência do Verbo “junto” do Pai (cf. Jo. 1, 1), que O gerou na eternidade. Partindo do Filho, a reflexão do Novo Testamento, e depois a teologia nela arraigada, aprofundaram o mistério da “paternidade” de Deus. O Pai é Aquele que na vida trinitária constitui o princípio absoluto, Aquele que não tem origem e do Qual provém a vida divina. A unidade das três Pessoas é partilha da única essência divina, mas, no dinamismo de relações recíprocas, que, no Pai, têm a fonte e o fundamento. “É o Pai que gera, o Filho que é gerado, o Espírito Santo que procede” (IV Concílio de Latrão: DS, 804). Deste mistério que supera infinitamente a nossa inteligência, o apóstolo João oferece-nos uma chave, quando na primeira carta proclama: “Deus é amor” (4, 8). Este vértice da revelação indica que Deus é ágape, isto é, dom gratuito e total de Si, cujo testemunho foi-nos dado por Cristo com a Sua morte na cruz. No sacrifício de Cristo, revela-se o infinito amor do Pai pelo mundo (cf. Jo. 3, 16; Rm. 5, 8). A capacidade de amar de maneira infinita, doando-Se sem reservas e sem medida, é própria de Deus. Em virtude deste seu ser Amor Ele, ainda antes da livre criação do mundo, é Pai na própria vida divina. O papa polonês afirma que o “Pai amante que gera o Filho amado e, com Ele, dá origem ao Espírito Santo, a Pessoa-Amor, vínculo recíproco de comunhão” (idem).

Em síntese e para que compreendamos essa profunda relação com o Pai; a fé cristã compreende a igualdade das três Pessoas divinas: o Filho e o Espírito são iguais ao Pai não como princípios autónomos, como se fossem três deuses, mas enquanto recebem do Pai toda a vida divina, distinguindo-Se d’Ele e reciprocamente só na diversidade das relações (cf. CIC, n. 254). Mistério grande, mistério de amor, mistério inefável, diante do qual a palavra deve dar lugar ao silêncio da admiração e da adoração, porque a participação da vida trinitária nos foi oferecida pela graça, através da encarnação redentora do Verbo e do dom do Espírito Santo: “Se alguém Me ama, guardará a Minha Palavra: Meu Pai amá-lo-á e viremos a ele e faremos nele morada” (Jo. 14, 23). A reciprocidade entre o Pai e o Filho torna-se assim para nós crentes princípio de vida nova, que nos consente participar da própria plenitude da vida divina: “Todo aquele que confessar que Jesus Cristo é o Filho de Deus, Deus está nele e ele em Deus” (1 Jo. 4, 15). O dinamismo da vida trinitária é vivido pelas criaturas, de tal modo que tudo converge para o Pai, mediante Jesus Cristo, no Espírito Santo. É quanto ressalta o Catecismo da Igreja Católica: “Toda a vida cristã é comunhão com cada uma das pessoas divinas, sem de modo algum as separar. Todo aquele que dá glória ao Pai, fá-lo pelo Filho no Espírito Santo” (n. 259).

O Papa santo polonês acrescenta como conclusão algo maravilhoso: o Filho tornou-Se “Primogênito de muitos irmãos” (Rm. 8, 29); através da Sua morte o Pai nos regenerou (cf. 1 Pd. 1, 3; cf. também Rm. 8, 32; Ef. 1, 3), de maneira que. no Espírito Santo, possamos invocá-lo com o mesmo termo usado por Jesus: «Abbá» (Rm 8, 15; Gl 4, 6). São Paulo ilustra mais ainda este mistério, dizendo que «o Pai nos fez diga- nos de participar da sorte dos santos na luz. Ele livrou-nos do poder das trevas e transferiu-nos para o Reino de Seu Filho muito amado» (Cl 1, 12-13). E o Apocalipse assim descreve a sorte escatológica daquele que luta e, com Cristo, vence o poder do mal: “Ao que vencer, conceder-lhe-ei que se sente Comigo no Meu trono, assim como Eu venci e Me sentei com Meu Pai no Seu trono” (3, 21). Esta promessa de Cristo abre-nos uma perspectiva maravilhosa de participação na sua intimidade celeste com o Pai.

A Canção Nova possui um Santuário, que leva o nome de “Pai das Misericórdias”. Recorte do céu, neste Vale do Paraíba, lugar de peregrinação para muitos e de encontro com este Pai, o mesmo Pai a qual Jesus dizia: Abbá. Aqui, na chácara de Santa Cruz ainda evidente se torna a arquitetura e impacto que o mosaico do Pai causa nos peregrinos. O Santuário possui esta mística paterna, de acolher os filhos que, por muitas vezes, se desviaram do caminho, da Igreja. Eu te convido a viver a sua experiência aqui na Canção Nova, e digo mais, a Canção Nova é a casa da misericórdia. Portanto, abra-se, esvazie-se, deixe-se formar por Deus. Dê uma chance para Deus, que é Pai, te amar. Pois, este amor, não é com “a” minúsculo.

REFERÊNCIAS

CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. A profissão de fé. Disponível em: <https://www.vatican.va/archiv e/cathechism_po/index_new/p1s2c1_198-421_po.html>. Acesso em 4 out 2022. 

JOÃO PAULO II.

Moto próprio: Misericordia Dei. Disponível em: <https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/motu_proprio/documents/hf_jp-ii_motu-proprio_20020502_misericordia-dei.html#fn1>. Acesso em 4 out 2022. 

Audiência: A relação de Jesus com o Pai, revelação do mistério trinitário. Disponível em: <https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/audiences/1999/documents/h f_jp-ii_aud_10031999.html>. Acesso em 14 out 2022.

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