MÃE DA TERNURA

Podemos contar sempre com a intercessão da Bem-aventurada Virgem Maria

O Pai das Misericórdias, em Sua infinita bondade, criou o gênero humano como expressão máxima do Seu amor, isto é, fez o homem à “Sua imagem e semelhança” (cf. Gn 1,26), tornando-o capaz de amar e, assim, cooperar em Sua obra criadora e, por conseguinte, redentora. Entretanto, quis criar o homem dotado de livre-arbítrio (cf. Gn 2, 15-17; 4,7) para não lhe impor o preceito do amor, ou seja, Deus quis e quer ser amado simplesmente mediante nossa livre escolha, mesmo sabendo do risco que isso acarretaria devido à fragilidade da natureza humana. Sendo “Deus amor” (cf. 1 Jo 4,16), tudo fez em Sua obra criadora em prol do gênero humano e, além disso, quis estabelecer conosco uma relação de profunda amizade filial, uma vez que em todo o cosmos criado somos a única espécie criada com alma e espírito, com vida imortal, para além do tempo. Com efeito, Deus nos criou com a finalidade de viver com Ele na eternidade e assim experienciar da incomensurável graça de Sua visão beatífica pelos séculos dos séculos.

Imagem: Site Hebreus Doze

Com o pecado de nossos primeiros pais, conhecido teologicamente como pecado original (cf. Gn 3, 1-19), por ter sido o pecado de origem, isto é, a porta pela qual o pecado entrou na vida humana, ocorreu uma desarmonia na relação do homem com Deus, com Ele próprio e com os demais seres criados, ocasionando assim uma ruptura no amor e uma mácula na essência da natureza humana que, devido a sua tamanha gravidade, só poderia ser sanada pelo próprio Deus, dado que n’Ele não há sombra de pecado. Tendo em vista esta realidade, o Pai das Misericórdias, em Seu plano salvífico de amor, isto é, em Sua economia da Salvação, quis redimir o homem enviando o Seu Filho ao mundo, como afirma o Apóstolo São João: “De fato, Deus amou tanto o mundo, que deu o Seu Filho único, para que todo o que n’Ele crer não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16). Em Seu plano divino – salvífico, Deus quis que o Seu Filho assumisse a natureza humana e, para isso, pensou para Ele numa Mãe, que para O gerar em seu ventre, não poderia ter em si a mancha do pecado, isto é, precisaria ser preservada desta mácula desde sua concepção.

Com efeito, a Virgem Maria foi designada pelo desígnio da Providência Divina desde a eternidade para ser a Mãe do Divino Redentor – a porta pela qual o Eterno entrou no tempo – e, assim, a Sua mais fiel cooperadora em toda a trajetória salvífica, conforme nos assegura a doutrina da Igreja na Constituição Lumen Gentium do Concílio Vaticano II, que assim se exprime a este respeito:

A Virgem Santíssima, predestinada para ser a Mãe de Deus desde toda a eternidade simultaneamente com a Encarnação do Verbo, por disposição da divina Providência foi na terra a nobre Mãe do divino Redentor, a Sua mais generosa cooperadora e a escrava humilde do Senhor. Concebendo, gerando e alimentando a Cristo, apresentando-O ao Pai no Templo, padecendo com Ele quando agonizava na cruz, cooperou de modo singular, com a Sua fé, esperança e ardente caridade, na obra do Salvador, para restaurar nas almas a vida sobrenatural. É por esta razão nossa Mãe na ordem da graça. (Lumen Gentium, 61).

A maternidade divina da Virgem Maria é verdadeiramente o maior atributo que lhe foi dado por Deus, de tal modo que constitui a base e o fundamento para os demais atributos tais como: sua Imaculada Conceição, sua Virgindade Perpétua e Assunção ao Céu. Sua maternidade divina é também a razão pela qual ela é tida como a criatura mais elevada em dignidade diante de todos os seres criados, terrestres e celestes. Entretanto, tal maternidade foi estendida por Jesus Cristo a todos os homens, em Sua hora derradeira, quando do alto da Cruz Ele instituiu sua Santíssima Mãe como Mãe espiritual dos homens, ao entregar o discípulo amado aos seus cuidados maternos, sendo este o representante de todos os homens, conforme escreve em seu Evangelho: “Jesus, então, vendo Sua Mãe e, perto dela, o discípulo a quem amava, disse à Sua Mãe: Mulher, eis o aí teu Filho! Depois disse ao discípulo: Eis aí tua Mãe” (Jo 19,26-27).

Observa-se que nenhum dos dois presentes neste momento de suma importância para a história da salvação é chamado pelo nome, mas com uma palavra que aponta, respectivamente, para o papel deles. A Mãe precede, representa a origem; o discípulo apreende, segue e continua. A Mãe representa o Israel fiel, e o discípulo é o novo povo fiel que Jesus ama. Na hora decisiva, Jesus chama a Mãe de “Mulher” e lhe entrega o “discípulo”. Trata-se do momento da passagem da Antiga para a Nova aliança e da acolhida do novo filho, isto é, do gênero humano por Ele redimido. Ao discípulo Jesus entrega a Mãe e, a partir daquele momento, “o discípulo acolheu-a” (Jo 19,27). Temos aqui o fundamento da maternidade espiritual de Maria para cada discípulo de Cristo e da herança espiritual do antigo Israel que agora é entregue à Igreja na pessoa de Maria.

Com efeito, a Virgem Maria participa do múnus intercessor de seu Filho, de modo particular, com sua onipotência suplicante a fim de “restaurar nas almas a vida sobrenatural” (Lumen Gentium 61), isto é, a vida na ordem da graça. De fato, a sua intercessão foi evidenciada nas bodas de Caná (cf. Jo 2,1-11), na qual ela intercedeu junto a Jesus para que providenciasse o vinho que veio a faltar. Assim, o evangelista São João mostra com os fatos, que existe uma profunda comunhão entre ela e o Filho. Observa-se que a Mãe de Jesus nos convida a obedecer-Lhe nestes termos: “Fazei tudo o que Ele vos disser” (Jo 2,5). Trata-se do convite explícito para acolher a novidade apresentada por Jesus Cristo, e assim a “Mulher” Maria apresenta-se de antemão como medianeira, para que, sobretudo, os discípulos de todos os tempos acreditem em Jesus e O acolham como a grande novidade dada por Deus aos homens.

Isto posto, é importante ressaltar que podemos contar com a intercessão materna da Virgem Maria como “Mãe na ordem da graça” (Lumen Gentium 61), em todos os momentos de nossa vida, isto é, em todas nossas necessidades, sejam de caráter espiritual ou temporal. Devemos recorrer a ela, principalmente para crescermos na vivência das virtudes teologais e cardeais, bem como na grande luta para combater as forças do mal, que, constantemente, nos incitam ao pecado. Precisamos recorrer a sua mediação, especialmente na hora de discernir, de fazer escolhas, sejam elas pequenas ou grandes, a fim de que ela nos revele sempre a vontade de Deus e ajude-nos a avançar na uniformidade ao Seu divino querer. A natureza da mediação da Virgem Maria é descrita pelo Concílio Vaticano II com os seguintes dizeres:

Esta maternidade de Maria na economia da graça perdura sem interrupção, desde o consentimento, que fielmente deu na anunciação e que manteve inabalável junto à cruz, até à consumação eterna de todos os eleitos. De fato, depois de elevada ao céu, não abandonou esta missão salvadora, mas, com a sua multiforme intercessão, continua a alcançar-nos os dons da salvação eterna. Cuida, com amor materno, dos irmãos de seu Filho que, entre perigos e angústias, caminham ainda na terra, até chegarem à pátria bem-aventurada. Por isso, a Virgem é invocada na Igreja com os títulos de advogada, auxiliadora, socorro, medianeira. Mas, isto entende-se de maneira que nada tire nem acrescente à dignidade e eficácia do único mediador, que é Cristo. (Lumen Gentium, 62).

Imagem: Rafa Diaz/Cathopic

De acordo com a doutrina da Igreja, podemos afirmar com inquebrantável confiança, enquanto peregrinamos nesta vida terrena, entre alegrias e tristezas que são inerentes à natureza humana, que temos uma Mãe espiritual e sempre presente. Sendo ela a porta pela qual o eterno entrou no tempo, é de igual modo a medianeira de todas as graças concedidas por Deus aos homens. Por isso, quer nos auxiliar sempre em nossas escolhas e desata todos “os nós” da nossa vida, quer tenham sido atados pelos dardos inflamados do maligno, ou pelo pecado da nossa desobediência a Deus, conforme destaca Santo Irineu de Lyon: “O nó da desobediência de Eva foi desatado pela obediência de Maria, e o que Eva amarrara pela sua incredulidade Maria soltou por sua fé.” (IRINEU, 1997, p. 163).

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Aprendamos, então, com a Virgem Maria – Mãe de Deus e nossa – a sermos, a seu exemplo, homens e mulheres de fé, ou seja, a sermos filhos amados que correspondem ao amor de Deus a cada dia, acolhendo a bela aventura de depender da providência divina que passa por seus cuidados maternais. Desta maneira, num crescente abandono filial e numa constante ascese espiritual, conseguiremos entoar com o salmista (131, 2-3) uma Canção Nova, repleta de amor e de confiança no Deus único e verdadeiro: “Fiz calar e repousar meus desejos, como criança desmamada no colo de sua mãe, como criança desmamada estão em mim meus desejos. Israel, põe tua esperança em Iahweh, desde agora e para sempre!”

REFERÊNCIAS

BÍBLIA. Português. Bíblia de Jerusalém. Tradução de Euclides Martins Balancin et al. São Paulo: Paulus, 2002. 2206 p.
CONSTITUIÇÃO DOGMÁTICA Lumen Gentium sobre a Igreja. In: COMPÊNDIO DO VATICANO II: constituições, decretos, declarações. 31. ed. Petrópolis: Vozes, 2016. p. 37-117.
IRINEU DE LYON. Adversus Haereses. Tradução de Lourenço Costa. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1997. v. 4.