DIA DOS AVÓS

Felizes aquelas famílias que têm os avós perto

Lembro da cozinha, grande, mas de teto baixo, com janelas pequenas, que pouca claridade deixavam passar. A mesa de madeira maciça, as cadeiras envelhecidas pelo uso, o pote de água com o caneco de alumínio. Lembro de pamonhas e de angu de milho em grandes panelas no fogão de lenha. Lembro das portas trancadas com tramelas, dos grandes porrões de barro no fundo da casa, ao lado do tanque. Lembro dos imensos rolos de fumo no oitão da casa, dividindo espaço com gaiolas de pombos e roupas estendidas. Aquela casa, de tão comprida, parecia um mundo. Lembro do quintal com os pés de caju, laranja, café, romã, manga e caqui, e de um pé de eucalipto na frente da casa. Na minha visão de criança, não podia haver árvore mais alta que aquela no mundo inteiro. Lembro do jardim na entrada da casa, cheio de crótons e flores das mais variadas cores. Lembro de um depósito velho cheio de quinquilharias, onde algumas vezes nos aventurávamos tentando descobrir tesouros, como umas moedas muito antigas que um dia encontrei em alguma caixinha cheia de poeira.

Essas são algumas das minhas lembranças mais antigas da casa dos meus avós paternos, que moravam muito perto de nós, na zona rural. Todas essas memórias são de quando eu tinha talvez cinco a dez anos de idade, mas ainda me dizem muito até hoje. Houve um tempo, no início da minha adolescência, quando meus avós estavam vivendo sozinhos, em que nos revezávamos, meu irmão mais velho e eu, em dormir na casa deles. Creio que foi então que experimentei, pela primeira vez, o medo e, quiçá, o terror. A casa dos meus pais ficava a quinhentos, seiscentos metros da casa dos meus avós. A estradinha era estreita, de uso exclusivo da nossa família, já que ficava dentro dos limites das nossas propriedades. O percurso era simples: saindo de casa, eu andava uns cem metros e havia uma curva de noventa graus à direita; mais uns cem metros, uma curva de mais de noventa graus à esquerda e aí era só uma quase reta de uns trezentos metros até a casa deles. Mas hoje, mais de trinta anos depois, lembro bem a experiência que era fazer esse caminho à noite, com uma imaginação tão fértil como a minha alimentada, com as histórias que se contavam naqueles tempos, de lobisomens, aparições, assombrações e ameaças mais mundanas, como ladrões e assassinos. No trajeto, eu passava por uma espécie de pomar com laranjeiras, limoeiros, bananeiras, coqueiro-dicuri, cada árvore respondendo da maneira mais sombria possível ao vento, fazendo barulhos que poderiam, na minha cabeça, ser qualquer coisa: um bicho se escondendo, o sussurro de uma alma, o fungado de uma fera. Para finalizar o pomar, havia o pé de jabuticaba. Se durante o dia fazíamos festa nele, vendo quem conseguia subir mais alto, refastelando-nos com as negras e saborosas jabuticabas, à noite era o terror: a parca luz da lua atravessava seus esquálidos galhos e desenhos sombrios se revelavam no chão por onde eu inevitavelmente teria que passar. Eu sempre tinha a impressão de que havia algo se escondendo nos galhos, mas nunca ousava olhar para cima. Era aí que normalmente a coragem que eu já não tinha sumia de vez, e eu me via quase em pânico, porque ainda teria que atravessar a última parte do caminho, cercada, em ambos os lados, por ameaçadores pés de milho de mais de dois metros de altura, entoando a cantilena sinistra que o vento provocava em suas folhas, que se aproximavam de mim até quase me tocar. Eu disparava numa corrida desesperada, crendo que daquela vez eu não escaparia do mal que, na minha mente juvenil, sempre estava à minha espreita.

Escapei, como vocês devem ter deduzido da leitura do texto, mas todas essas memórias me são muito caras – mesmo essas não tão agradáveis. Elas ajudaram a construir quem eu me tornei e, olhando para trás e para tantas outras memórias, vejo como tinha razão o Papa Francisco ao dizer: “Felizes aquelas famílias que têm os avós perto!” Que feliz criança fui eu por ter meus avós por perto! Como aquele contraste de mundos, de cultura, de idade e de tantas outras coisas mais enriqueceu minha vida! Hoje, com meus quatro avós na eternidade, louvo a Deus por cada instante em que convivi com eles, cada um do seu jeito, cada um com sua história. Mas se esse legado emocional, cultural, imaginativo e sensorial é valioso – e é valiosíssimo, de fato! –, há um legado que vale mais do que tudo: a transmissão da fé.

Imagem: Canva Pro

Quantos avós foram responsáveis por ensinar seus netinhos a rezar o Pai Nosso, a Ave Maria. Quantos avós desenvolveram em seus netos o hábito de ir à missa, de se benzer antes das refeições, de rezar antes de dormir. Minha avó paterna tinha muita fé. Uma fé simples, devocional, com muitas superstições (ninguém deixasse uma sandália virada perto dela, porque ela dizia que “fazia mal”), mas uma fé firme, inabalável. Com ela aprendi a respeitar o Sagrado: comportar-se de maneira diferente na Quaresma, não fazer barulho nem brincadeiras inconvenientes na Semana Santa, sequer cortar as unhas na Sexta-Feira da Paixão. Com ela, linha dura que era, eu sabia que não podia fazer barulho ou arte na Missa, não podia me levantar ao acordar sem antes rezar, nem encontrar um avô, avó, tio ou tia sem pedir a bênção. Com ela posso dizer que aprendi a rezar o Santo Terço, ela, que tinha um jeito todo próprio de pronunciar as palavras na Ave-Maria, e nunca esqueci disso.

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Mas entre tantas memórias que citei aqui, de cheiros, imagens e sons, de medos, sabores e afetos, de casas, pomares e corridas, há algo que minha avó me ensinou que vale mais do que tudo: uma jaculatória, uma simples jaculatória rezada no Santo Terço. Essa jaculatória é, sem exagero, muito provavelmente a oração mais sincera que faço, e que continuo a rezar todos os dias:

“Ó Virgem Santíssima, não permitais que eu viva nem morra em pecado mortal. Em pecado mortal não hei de morrer, que a Virgem Santíssima me há de valer”.

Hoje, consagrado que sou ao Carisma Canção Nova, compreendo bem que não são sombras, nem pés de jabuticaba, nem ruídos do vento que devem provocar terror em mim, mas uma e somente uma coisa: morrer em pecado mortal. Mesmo que eu tenha compreendido a inteireza dessa realidade muitos anos depois, como louvo a Deus porque minha avó já me ensinava isso quando eu ainda era uma criança bem pequena!

Graças a Deus tive avós por perto e com eles pude viver e aprender tantas coisas, inclusive as mais importantes, aquelas que me falam da minha fé, do céu e da vida eterna. Por isso, uno-me ao Papa Francisco e repito: “Felizes aquelas famílias que têm os avós perto!”