SÉRIE

Maria Rainha e Padroeira do Brasil

O título deste artigo aponta para dois momentos históricos distintos: o da coroação de Nossa Senhora Aparecida, como Rainha do Brasil, ocorrida no dia 08 de setembro de 1904, e o da proclamação de Nossa Senhora Aparecida como Padroeira do Brasil, ocorrida no dia 31 de maio de 1931.

Vamos às etapas do primeiro momento.

No ano de 1868, a Princesa Isabel e seu marido, Conde D´Eu, visitaram a imagem de Nossa Senhora Aparecida. Na ocasião, a filha do Imperador presenteou a Santa com um manto cravejado de brilhantes e pediu em oração que recebesse a graça de ser mãe. 

Em 1884, já com três filhos, a Princesa retornou à igreja de Nossa Senhora para agradecer a graça da maternidade e, dessa vez, presenteou a imagem com uma coroa de ouro e diamantes. A peça foi usada vinte anos depois, na coroação da Santa, como Rainha do Brasil.

No ano de 1900 os bispos de São Paulo e do Rio de Janeiro organizaram romarias que deram impulso às peregrinações ao Santuário de Aparecida. As romarias programadas tinham por finalidade celebrar o Jubileu da passagem do século, decretado pelo Papa Leão XIII.

Diante do sucesso destas romarias, os bispos da Província Eclesiástica Meridional do Brasil, em reunião realizada em São Paulo, no ano de 1901, decidiram realizar a coroação solene de N. Senhora Aparecida. E sucessivamente, no ano de 1903, pediram ao Papa Pio X, hoje Santo, para coroar solenemente a Imagem Milagrosa de Nossa Senhora Aparecida como Rainha do Brasil. O pedido foi uma iniciativa do bispo de São Paulo, Dom José de Camargo Barros e do arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcante, com a orientação do Núncio Apostólico Dom Júlio Tonti. O Papa Pio X autorizou a coroação na data de 29 de dezembro de 1903.

A cerimônia da coroação aconteceu no dia 08 de setembro de 1904, em Missa solene na praça em frente à Basílica Velha, com a presença de 15 mil fiéis e de 14 bispos. Para esta circunstância Aparecida, que na época contava com mais ou menos 2.000 habitantes, recebeu peregrinações de São Paulo, do Rio de Janeiro, das Minas Gerais, em especial de Juiz de Fora.

Durante a Missa, depois do Evangelho, Dom Joaquim Arcoverde fez um discurso, de aproximadamente uma hora, em latim, contando a história de Nossa Senhora Aparecida. Em seguida, Dom João Braga, bispo de Petrópolis fez um discurso na língua nacional, preparando a multidão para a solene Coroação.

Historicamente o Brasil estava na época da ‘República Velha’, ou ‘Primeira República’ (1899-1930), caracterizada, entre outros fatos, pela separação entre a Igreja e o Estado. Na anterior época do Império existia o assim chamado ‘regime do Padroado’, em que, por exemplo, os bispos eram escolhidos e nomeados pelo Imperador (art. 102 da Constituição do Império de 1824); e o catolicismo era considerado ‘religião do Estado’. Mas esta proteção ‘abafava’ a vida da Igreja. A religião era um departamento da administração e os sacerdotes meros funcionários. E as ingerências recíprocas entre os poderes espiritual e secular criavam delicados conflitos de competência. Havia bispos idosos, apenas 11 dioceses, 9 seminários maiores e 700 padres. 

Com a chegada da República, por um lado, a Igreja perdia a subvenção do clero por parte do Estado, mas, por outro recuperava a sua liberdade. Neste sentido, o Estado não entrava nas questões religiosas específicas, como a da nomeação dos bispos ou na administração das Igrejas. 

A Igreja do Brasil solicitou, então, às Congregações religiosas o envio de seus membros para o Brasil. Mais especificamente no que diz respeito ao Santuário de Nossa Senhora Aparecida, no dia 28 de outubro do ano de 1894 os Redentoristas oriundos da Alemanha assumiram a sua direção.

Voltando ao assunto da Festa da coroação de Nossa Senhora como Rainha do Brasil, o Presidente da República era Francisco de Paula Rodrigues Alves, originário de Guaratinguetá, cidade que, na época, incluía na sua jurisdição Aparecida. Rodrigues Alves, dentro do princípio da separação Igreja-Estado, que mantinha distância entre os dois poderes, não compareceu à cerimônia da Coroação. Em simples telegrama enviado ao Arcebispo Dom Joaquim Arcoverde assim se expressou: “Sentindo muito não poder assistir às grandes festas hoje celebradas nesse Santuário, apresento a V. Excia., aos dignos bispos e ilustres funcionários da Igreja aí reunidos, as minhas respeitosas homenagens”.

No ano de 1854 o Papa Pio IX, hoje beato, tinha definido o Dogma da Imaculada Conceição de Nossa Senhora. E assim, a coroação de Nossa Senhora da Conceição Aparecida como Rainha no ano de 1904 conseguiu unir a Igreja em torno desta devoção e comemorou o cinquentenário da proclamação do dogma da Imaculada Conceição. Dessa maneira, a Igreja saiu da solenidade fortalecida. 

Vamos agora às etapas do segundo momento.

No dia 16 de julho de 1930, a pedido do Cardeal Leme, Arcebispo do Rio de Janeiro, o Papa Pio XI declarou Nossa Senhora Aparecida Padroeira do Brasil. Até aquele momento o Padroeiro do Brasil era São Pedro de Alcântara.

Este santo era de origem espanhola. Nasceu no ano de 1499 e faleceu no ano de 1562. Pertencia à ordem dos capuchinhos, mas atuou por vários anos em Portugal, sendo muito apreciado até pelo Rei Dom João III (1502-1557), o mesmo soberano que no ano de 1549 tinha enviado os jesuítas para o Brasil.

São Pedro de Alcântara era o santo de devoção da corte portuguesa e, por isso, tanto Dom Pedro I quanto Dom Pedro II chamavam-se também “Pedro de Alcântara”.

Em 1826, Dom Pedro I solicitou ao Papa Leão XII que São Pedro de Alcântara fosse declarado Padroeiro do Brasil. Com a proclamação da República, em 1889, entretanto, a devoção passou a ser mal vista no Brasil, por fazer referência à monarquia. Além disso, a devoção a Nossa Senhora Aparecida estava muito mais ligada à história do Brasil: o que motivou o pedido do Cardeal Leme ao Papa Pio XI.

Foi após o Congresso Mariano, ocorrido em Aparecida/SP em 1929, pelas comemorações do jubileu de prata da coroação da imagem (1904), que surgiu o desejo de solicitar ao Santo Padre o Papa Pio XI, de declarar Nossa Senhora da Conceição Aparecida, então Rainha, agora Padroeira do Brasil. O pedido fora enviado pelo Arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro, o Cardeal Dom Sebastião Leme da Silveira Cintra, e foi acolhido pelo Romano Pontífice em 16 de julho de 1930, com a missiva contendo os seguintes dizeres: “Constituímos e declaramos a Beatíssima Virgem Maria, concebida sem mancha, conhecida sob o título de ‘Aparecida’ Padroeira principal de todo o Brasil diante de Deus”.

“Senhora Aparecida, o Brasil é vosso! Rainha do Brasil, abençoai a nossa gente!

No dia 30 de maio de 1931 no largo da Basílica de Aparecida foi preparada a procissão que levaria a Imagem até a estação ferroviária. Tratava-se da primeira viagem oficial da Imagem de Nossa Senhora Aparecida à então capital do Brasil, Rio de Janeiro. As 22h30 o trem começou a se movimentar. E chegou no dia seguinte, 31 de maio, às 07h na Estação D. Pedro II. De lá foi em procissão até a Igreja de São Francisco de Paula, chegando às 09h. Na igreja tinha sido colocada a inscrição “Senhora Aparecida, protegei o Brasil”. Ali aconteceu a Missa campal. 

À capital do país acorreram cerca de um milhão de pessoas. Estiveram presentes no ato de Proclamação Patronal o então Presidente da República, o Sr. Getúlio Dornelles Vargas, seus ministros e autoridades civis e militares, que aos pés da Virgem, prestaram a reverência do Estado.

Neste dia solene e festivo, em seu discurso, o Cardeal Leme, ajoelhado aos pés da imagem, asseverou: “Senhora Aparecida, o Brasil é vosso! Rainha do Brasil, abençoai a nossa gente! (…) Senhora Aparecida, o Brasil vos ama, o Brasil em vós confia! Senhora Aparecida, o Brasil vos aclama! Salve, Rainha!”.

Já não era mais o catolicismo a religião oficial do Estado, mas, o apreço à religião Católica era significativo. Posteriormente, em 30 de junho de 1980, o então Presidente João Figueiredo, sancionou a Lei Nº 6.802, na qual ficava “declarado feriado nacional o dia 12 de outubro, para culto público e oficial a Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil”.

Vamos terminar com as primeiras palavras do AVE de Aparecida: uma composição na letra e na música da irmã Maria Cecília do Coração Imaculado e S. José, do Carmelo de Aparecida, falecida no ano de 2000.

‘Ao trono acorrendo da Virgem Maria, exulta o Brasil de amor e alegria.

Ave, Ave, Ave, Maria! Nossa Senhora Aparecida!

Três séculos faz, à terra Ela vinha, dos nossos afetos ser doce Rainha’.

Referências

IWASHITA, Pedro. A realeza de Maria na devoção da Igreja: fundamentos bíblico-teológicos. In: DELGADO, José Luiz Majella (coord.). A Realeza de Maria: I Congresso Mariológico de Aparecida. Aparecida: Santuário, 2004. p. 10-16.

MACHADO, João Corrêa. Aparecida na História e na Literatura. Campinas: edição do autor, 1983.

MEO, Salvatore; DE FIORES, Stefano (org.). Dicionário de Mariologia. Tradução de Álvaro A. Cunha et al. São Paulo: Paulus, 1986.

PASIN, Tereza Galvão. História de Nossa Senhora Aparecida. Aparecida: Santuário, 2022.

SODERO TOLEDO, Francisco. O acontecimento histórico da Coroação de N. Sra. Aparecida. In: DELGADO, José Luiz Majella (coord.). A Realeza de Maria: I Congresso Mariológico de Aparecida. Aparecida: Santuário, 2004. p. 17-32.

Lino Rampazzo
Doutor em teologia e professor no Curso de Teologia da Faculdade Canção Nova

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