SANTO INÁCIO DE ANTIOQUIA

O desejo de Deus é o homem, e o desejo do homem é Deus

O desejo de Deus é o homem, e o desejo do homem é Deus” (Santo Inácio de Antioquia). Nesta breve afirmação encontra-se condensada a essência da fé cristã: o encontro do Criador com a criatura. Desde o princípio da história da salvação, Deus não cessou de buscar o homem, e como lembra Santo Agostinho, “fizeste-nos para Ti, e inquieto está o nosso coração enquanto não repousa em Ti.” Eis, portanto, a vocação do homem: realizar a plenitude de sua humanidade, tornando-se, pela graça, participante da vida divina. Ser plenamente vivo significa permitir que toda a existência se transforme em espaço da glória de Deus.

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Gregório de Nissa e Máximo, o Confessor, nos introduzem ainda mais profundamente neste sublime mistério que é a vocação do homem. O homem é chamado a acolher em si o universo, a compreendê-lo com a inteligência e o amor, para expressar sua celebração secreta e marcá-lo com o seu próprio gênio. O Gênesis recorda que ele recebeu a missão de dar nome aos viventes, tornando-se, ao mesmo tempo, microcosmo e microtheos. São Gregório de Nissa aprofunda esta visão ao afirmar que o homem é síntese do universo e filho de Deus. Já Máximo, o Confessor, prefere chamá-lo de macrocosmo, pois, sendo imagem de Deus, é capaz de assumir em si o cosmos com toda a sua grandeza e, assim, vivificá-lo.

Somos conduzidos a perceber a grandeza da vocação humana: não fomos criados para viver isolados ou reduzidos ao imediato, mas para ser ponte entre o céu e a terra. Em nós, toda a criação encontra voz e consciência, pois carregamos a missão de acolher o universo, de lhe dar um nome e de oferecê-lo a Deus em atitude de louvor.

Segundo Gregório Nazianzeno, o homem é um ser de profundidade única, dotado de duas naturezas, visível e invisível, criado por Deus como um universo novo, simultaneamente pequeno e grande. Ele é colocado sobre a terra para contemplar a natureza visível, ser iniciado ao invisível, reinar sobre as criaturas, obedecer às ordens do Alto e unir em si o celeste e o terrestre, o instável e o imortal, o visível e o invisível. Assim, o homem ocupa um espaço intermediário entre a grandeza e o nada, sendo ao mesmo tempo carne e espírito, destinado a caminhar em direção a outra pátria, cúmulo do mistério, feito semelhante a Deus por consentimento à vontade divina.”

Assim a dignidade sublime do ser humano, chamado a viver na tensão entre o céu e a terra. Criado por Deus como um “universo novo”, o homem traz em si o paradoxo de ser pequeno e grande: pequeno, porque é frágil e finito; grande, porque participa do mistério de Deus e carrega em si o reflexo do Eterno.

Ser colocado na criação como contemplador do visível e iniciado ao invisível é recordar que nossa vida não se esgota no mundo material. Pelo contrário, a existência humana é convite constante a ultrapassar a superfície das coisas e a abrir-se ao mistério. O homem é mediador: reina sobre as criaturas, mas submete-se ao Senhorio divino; vive na carne, mas é animado pelo espírito; está na terra, mas caminha em direção à pátria definitiva.

O homem, para retomar a expressão vigorosa de Gregório Nazianzeno, é animado por um sopro da divindade que o conduz, o atrai, o transforma e o impede de se identificar plenamente com a terra da qual foi formado. Como observava Pascal, o homem supera infinitamente o homem. Nenhum de seus condicionamentos terrenos é capaz de satisfazê-lo ou defini-lo. Os Padres da Igreja celebraram incansavelmente a grandeza irredutível do homem, a profundidade sem fundo de seu ser, que é lugar de Deus. O homem é imagem de Deus porque, como o próprio Deus, escapa a toda definição. Ele transcende todos os dados biológicos, sociológicos e psicológicos, exatamente porque é abertura para Deus, que vem habitar nele, e também o espaço a partir do qual o próprio homem se lança em Deus.

Pode-se também afirmar que Deus é o lugar do homem. Este, por sua vez, transcende todos os dados biológicos, sociológicos e psicológicos exatamente porque é abertura para Deus, que vem habitar nele, e também espaço a partir do qual o próprio homem se lança em direção a Deus.

Os Padres da Igreja, como Gregório de Nissa, Máximo, o Confessor e Gregório Nazianzeno, nos recordam a dignidade e a missão grandiosa do homem: ser síntese da criação, unir em si o visível e o invisível, e caminhar em direção à pátria definitiva. Mas essa vocação só se cumpre plenamente em Cristo. É Ele quem revela ao homem a verdade de si mesmo e o introduz no mistério da comunhão com Deus. São João Paulo II, na encíclica Redemptor Hominis, exprime com clareza essa realidade ao afirmar:

“O homem que quer compreender-se até ao fundo, não só segundo critérios e medidas do seu próprio ser imediato, deve, com a sua inquietação, incerteza e mesmo fraqueza e pecaminosidade, com a sua vida e a sua morte, aproximar-se de Cristo. Deve, por assim dizer, entrar n’Ele com todo o seu ser, deve ‘apropriar-se’ e assimilar toda a realidade da Encarnação e da Redenção, para se encontrar a si mesmo.”

Assim, a intuição patrística encontra sua confirmação: o homem é um mistério que só se compreende na luz do Mistério de Cristo. Em Jesus, novo Adão, a fragilidade humana é assumida, transfigurada e elevada; e nele toda a criação encontra o seu caminho de plenitude e de vida.

Referências:
AGOSTINHO. Confissões. Tradução de J. Oliveira Santos e Ambrósio de Pina. 4. ed. São Paulo: Paulus, 2016. (Coleção Patrística, v. 13).

CLÉMENT, Olivier. Fontes: os místicos cristãos dos primeiros séculos: textos e comentários. Juiz de Fora: Edições Subiaco, 2003.

JOÃO PAULO II. O Redentor do Homem – 90: Carta Encíclica de João Paulo II. 11. ed. São Paulo: Paulinas, 1998.