“O meu Reino não é deste mundo!” (Jo 18, 36). Essa célebre declaração de Nosso Senhor a Pôncio Pilatos nos põe a refletir sobre do que, realmente, se trata o Reino ao qual Jesus se refere.
Reconhecer Cristo como o centro de nossa vida, o Rei e Senhor de tudo o que somos, fazemos e temos, é declarar a aderência ao Seu Reino. Porém, trata-se de um “andar na contramão”, e foi isso que escandalizou aqueles que estavam presos à antiga mentalidade.
O seguimento a Cristo exige duas realidades: o desapego e a aceitação da Cruz. Não há outro meio para compreender e viver a lógica do Reino de Deus se não estivermos dispostos a assumir essa condição para o seguimento de Cristo.
O Reino de Deus está entre vós
Neste mês de novembro, mais exatamente no dia 24, celebramos a solenidade de Cristo Rei do Universo. A liturgia deste dia nos declara o Rei e seu Reino. O verdadeiro e pleno Rei do Universo, com o seu Reino que vai além dos reinos da terra, e inclusive, do modo que nós conhecemos ou o mundo valoriza. O livro de Daniel nos aponta que tipo de Reino é este:
“Foram-lhe dados poder, glória e realeza, e todos os povos, nações e línguas o serviam; seu poder é um poder eterno que não lhe será tirado, e seu reino, um reino que não se dissolverá.” (Dn 7,14)
Essa profecia se faz concreta a partir da vinda do Cristo, o Messias prometido. No entanto, tanto o seu reinado quanto o Reino anunciado por Ele, não foi compreendido por muitos. Isso porque a lógica do Reino anunciado por Jesus corria como na “contramão” daquilo que os judeus esperavam. Verdadeiramente, esperavam um rei e um reino glorioso, capaz de libertá-los com mão forte do poder de seus opressores, de modo a particular do poder de Roma, e não foi exatamente da forma que esperavam.
Prova disso foi o modo que arquitetaram a prisão de Jesus e, consequentemente, a sua morte. Voltando à profecia de Daniel citada anteriormente, o próprio Jesus a confirma quando é interrogado por Pôncio Pilatos:
“O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus guardas lutariam para que eu não fosse entregue aos judeus. Mas o meu reino não é daqui.” (Jo 18, 36)
Quando Jesus inicia seu ministério público, de modo específico, quando Ele anuncia o kairos, o tempo da graça na sinagoga em Nazaré, ali se inaugura o novo tempo em meio aos homens. O anúncio de um tempo de alegria, de felicidade, pois o Reino tão esperado havia chegado. No entanto, o que talvez Jesus não esperava, seria a tão grande dureza dos corações. Sim, o Reino de Deus havia chegado para todos, de modo concreto na Pessoa do próprio Cristo:
“Os fariseus perguntaram a Jesus sobre o momento em que chegaria o Reino de Deus. Jesus respondeu: O Reino de Deus não vem ostensivamente. Nem se poderá dizer: Está aqui, ou está ali, porque o Reino de Deus está entre vós.” (Lc 17, 20-21)
Nada foi maior que o empenho de Jesus em anunciar a todos esse tempo de graça. Muito mais do que a libertação do poder de Roma ou até mesmo uma ideia equivocada de como viria o Messias e seu Reino. Ali, diante dos olhos de todos, estava a presença do Reino de Deus esperado. São João declara em suas palavras no prólogo de seu Evangelho:
“Esta era a luz verdadeira, que vindo ao mundo a todos ilumina. Ela estava no mundo, e o mundo foi feito por meio dela, mas o mundo não a reconheceu. Ela veio para o que era seu, mas os seus não a acolheram. A quantos, porém, a acolheram, deu-lhes poder de se tornarem filhos de Deus: são os que creem no seu nome. Estes foram gerados não do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus.” (Jo 1, 9-13)
Essa era a proposta anunciada por Jesus: o Reino que nos acolhe como filhos. Um Reino para todos, não mais como a mentalidade antiga dos judeus. Não mais uma mentalidade exclusivista, pois o Reino de Deus chegou para todos. Essa era a grande novidade, a Boa Nova trazida por Jesus aos homens, e que nem todos compreenderam e acolheram. “Este Reino manifesta-se lucidamente aos homens na palavra, nas obras e na presença de Cristo. Acolher a palavra de Jesus é acolher o próprio Reino.” (CIC 764)
Tudo isso estava ao alcance de todos aqueles aos quais Jesus se dirigia, seja com as palavras, com os gestos e os milagres. A única condição era o crer. Crer na lógica do Reino que se inaugurava: “Pois o Reino de Deus não é comida e bebida, mas é justiça e paz e alegria no Espírito Santo.” (Rm 14,17)
O centro de nossa vida
O Reino de Deus é justiça, alegria, paz. Porém, traz as suas exigências. As exigências que confrontam uma vida de conforto, conformismos e regalias. O Reino de Deus se apresenta na contramão do que o mundo apresenta como prioridade. A Lei do Reino é o Amor, que traz em seu centro o próprio Senhor, de tudo o que somos, o que temos e o que fazemos. Na lógica do mundo, o centro é o homem, a Sua vontade, as conquistas e glórias. Por isso Jesus declara:
“Entrai pela porta estreita! Pois larga é a porta e espaçoso o caminho que leva à perdição, e são muitos os que entram! Como é estreita a porta e apertado o caminho que leva à vida, e poucos são os que o encontram!” (Mt 7, 13-14)
Não podemos perder de vista que o Reino de Deus é destinado para todos, e que esta é a Boa Nova anunciada por Jesus. Mas trata-se de um convite; jamais o Senhor nos invadirá, e de modo algum foi assim na vida daqueles narrados nos Evangelhos. Jesus passou na vida dos Seus discípulos, na vida de Maria Madalena, Zaqueu, da Samaritana e de tantos outros. No entanto, o seguimento foi a partir de uma experiência livre. Uma experiência que parte sim de Nosso Senhor, que convida, que chama, e a resposta fica por nossa conta.
Nesse sentido, não podemos nos iludir, pois o Senhor deixa claro o critério para acolher o Reino, e a Ele como o centro de nossas vidas: por amor e renúncia. Se em nossos corações não alimentarmos o amor devido a nosso Senhor, e que por este amor, nos dispomos a viver tudo, não conseguiremos corresponder:
“Grandes multidões acompanhavam Jesus. Voltando-se, ele lhes disse: Se alguém vem a mim, mas não prefere a seu pai e sua mãe, sua mulher e seus filhos, seus irmãos e suas irmãs, e até a sua própria vida, não pode ser meu discípulo. Quem não carrega a sua cruz e não caminha após mim, não pode ser meu discípulo. De fato, se algum de vós quer construir uma torre, não se senta primeiro para calcular os gastos, para ver se tem o suficiente para terminar? Caso contrário, ele vai pôr o alicerce e não será capaz de acabar. E todos os que virem isso começarão a zombar: este homem começou a construir e não foi capaz de acabar!” (Lc 14, 25-30)
A proposta do seguimento a Cristo e o acolhimento do Reino é clara e real. Nada nem ninguém pode estar acima do Senhor. É um caminho de renúncias, de sofrimento muitas vezes, mas na certeza de que Ele está ao nosso lado, e Ele é a nossa força e esperança. É preciso, contudo, fazer as contas, para que, no percurso, não voltemos atrás.
Ao refletir esse trecho do Evangelho de Lucas, somos provocados a pensar o que realmente nos leva a seguir Jesus. Aquele povo O seguia, quem sabe, pelas palavras do Mestre, pelo Seu discurso. Ou pelos milagres, curas, prodígios, ou seja, por aquilo que eles estavam recebendo de Jesus. Por vezes, também podemos cair no mesmo erro. Viver uma relação com Jesus por aquilo que somos beneficiados, como troca, escambo. Seguimos por aquilo que o Senhor pode nos dar, e não por aquilo que, de fato, Ele é. E assim vamos colocando coisas, pessoas e tudo o mais no lugar que é devido ao Senhor. O autêntico discípulo compreendeu que nada nem ninguém pode estar acima do Mestre. Por isso Jesus declara a necessidade do desapego a tudo e a todos para o seguimento a Ele.
O caminho que Jesus nos propõe deve ser motivo de alegria e realização, pois se trata da oportunidade de nos configurar ao Mestre. Foi isso que moveu e alegrou o coração dos apóstolos ao serem perseguidos, flagelados e presos, pois, desse modo, estavam sendo configurados ao Senhor. Do mesmo modo, foi assim na vida dos santos. Tudo aceitaram, sofreram, renunciaram por amor a Jesus Cristo.
Sequela Christi
“Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas as coisas vos serão dadas por acréscimo. Portanto, não vos preocupeis com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã terá sua própria preocupação.” (Mt 6, 33-34)
Essa Palavra precisa trazer conforto ao nosso coração. Quando Jesus passa por nossa vida e nos convida a segui-Lo, a acolher a Sua proposta de vida, nos promete o cêntuplo. São João Paulo II, no seu pontificado, mais exatamente no ano de 1993, nos presenteou com a belíssima Carta Encíclica Veritais Splendor, o Esplendor da Verdade. Um dos pontos tratados pelo Pontífice foi justamente a importância do seguimento a Jesus, o Sequela Christi, e tudo aquilo que comporta esse seguimento em nossa vida. O Papa se utiliza do encontro com o jovem rico e Jesus para demonstrar a importância de tudo deixar para ganhar o Tudo, o próprio Cristo:
“O caminho e, simultaneamente, o conteúdo dessa perfeição consiste na sequela Christi, no seguir Jesus depois de ter renunciado aos próprios bens e a si mesmo. Essa é precisamente a conclusão do diálogo de Jesus com o jovem rico: “Depois, vem e segue-Me” (Mt 19, 21). É um convite, cuja maravilhosa profundidade será plenamente compreendida pelos discípulos só depois da ressurreição de Cristo, quando o Espírito Santo os guiar para a verdade total (Jo 16,13). É o próprio Jesus que toma a iniciativa, chamando para O seguir. O apelo é feito, antes de mais, àqueles a quem Ele confia uma missão particular, a começar pelos Doze; mas vê-se claramente também que ser discípulo de Cristo é a condição de todo o crente (At 6, 1).” (Veritatis Splendor, 19)
Aqui está a chave para o seguimento de Cristo, para que sejamos formados como autênticos discípulos. Reconhecer o senhorio de Jesus, acolher o Reino de Deus, não nos garante uma vida confortável, mas uma vida de total desapego de tudo, de todos, em especial o desapego de nós mesmos. O seguimento a Cristo requer uma resposta livre de amor, que, infelizmente, o jovem rico, naquele momento, não conseguiu corresponder:
“Ao chamar o jovem para segui-Lo pelo caminho da perfeição, Jesus pede-lhe para ser perfeito no mandamento do amor, no “Seu” mandamento: para inserir-se no movimento da Sua doação total, para imitar e reviver o próprio amor do Mestre “bom”, d’Aquele que amou “até ao fim”. É o que Jesus pede a cada homem que quer segui-lo: “Se alguém quiser vir após Mim, renegue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me”. (Mt 16, 24).” (Veritatis Splendor, 20)
Como vimos, trata-se de um caminho que exige de nossa parte unicamente amor. Amor pelo Senhor, disposição, abertura e clareza que somos convidados a segui-Lo em nossa liberdade e gratidão. Não seremos poupados das tribulações, das provações. Mas seremos plenamente felizes, por ter a certeza de que seremos configurados ao Senhor, e a nossa recompensa será na eternidade. Que o Senhor nos conceda um coração aberto, livre e generoso ao chamado do Senhor. Amém!
Deus abençoe você!
Fontes:
BÍBLIA Sagrada CNBB. 10ª ed. São Paulo: Edições CNBB/ Editora Canção Nova, 2010.
CATECISMO da Igreja Católica. São Paulo: Loyola, 2000.
JOÃO PAULO II. Carta encíclica Veritatis Splendor sobre algumas questões fundamentais do ensinamento moral da Igreja. 5ª ed. São Paulo: Loyola, 2006.