⛪Igreja

Série: As obras de misericórdia corporais

Quarta: vestir os nus

Vestir os nus é a quarta das seis obras de misericórdia corporais apresentadas por Jesus, quando explica que, por ocasião do juízo final, o gênero humano será julgado mediante à prática de cada uma delas: “Vinde, benditos de meu Pai, tomai posse do Reino que vos está preparado desde a criação do mundo, porque tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber; era peregrino e me acolhestes; nu e me vestistes; enfermo e me visitastes; estava na prisão e viestes a mim” (Mt 25,34-36). Assim sendo, pode-se afirmar que o exercício destas obras comunica graças a quem as exerce e é também uma maneira de ir apagando a pena que fica na alma perante os pecados já perdoados. Neste sentido, Jesus assim se expressou: “Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia” (Mt 5, 7), mostrando que esta bem-aventurança “abre o homem à vida eterna” (VERITATIS ESPLENDOR, n.16). Socorrer os mais necessitados com vestimentas corresponde a uma atitude generosa que ecoa em Suas palavras quando diz:

Não ajunteis para vós tesouros na terra, onde a ferrugem e as traças corroem, onde os ladrões furtam e roubam. Ajuntai para vós tesouros no céu, onde não os consomem nem as traças nem a ferrugem, e os ladrões não furtam nem roubam. Porque onde está o teu tesouro, lá também está teu coração. (Mt 6,19-21).

Estes ensinamentos de Jesus conduzem o homem ao centro de Sua vontade, isto é, à essência do cristianismo que é o amor-ágape, verdadeiro bem que nos faz escolher os bens eternos sem o apego aos bens terrenos, que são passageiros. Seguindo essa linha, São Tiago se exprimiu da seguinte maneira: “Se um irmão ou uma irmã estiverem nus e precisarem de alimento quotidiano, e um de vós lhes disser: ‘Ide em paz, tratai de vos aquecer e de matar a fome’, mas não lhes dais o que é necessário ao corpo, de que lhes aproveitará?” (Tg 2, 15-16). O precursor de Jesus, imbuído dos ensinamentos da tradição bíblica, também colocou em relevo a importância desta prática caritativa quando disse: “Quem tem duas túnicas dê uma ao que não tem” (Lc 3,11).

Foto Ilustrativa: Wesley Almeida/cancaonova.com

Pode-se verificar que este costume era uma prática habitual entre o povo da Antiga Aliança, visto que recomendava uma atitude de compaixão para com a nudez dos pobres desamparados: “Cobre com as tuas próprias vestes os que estiverem desprovidos delas” (Tb 4,16). Tal tradição também louva os que vestem os nus com os seguintes dizeres: “O homem justo, que procede segundo o direito e a equidade […] que cobre com vestimenta o que está nu, […] certamente viverá” (Ez 18,5.7.9). A tradição bíblica faz uma chamada de atenção para a essência da espiritualidade javista quando declara: “Sabeis qual é o jejum que eu aprecio? diz o Senhor Deus: […] É repartir seu alimento com o esfaimado, dar abrigo aos infelizes sem asilo, vestir os maltrapilhos, em lugar de desviar-se de seu semelhante” (Is 58,6-7).

Com efeito, para a Sagrada Escritura, ao contrário da nudez, as vestes são sinais da “condição espiritual do homem e, particularmente, a cor branca indica sua dimensão escatológica salvadora como marca dos seres associados a Deus (Ecl 9,8; Eclo 43,18)” (CONSELHO PONTIFÍCIO PARA A PROMOÇÃO DA NOVA EVANGELIZAÇÃO, 2015, p. 59). Neste horizonte, destaca-se de maneira peculiar o livro do Apocalipse que, ao descrever a pátria celeste, coloca em relevo esta característica: “O vencedor será assim revestido de vestes brancas” (3,5). E ainda: “Sua Esposa está preparada. Foi-lhe dado revestir-se de linho puríssimo e resplandecente. (Pois o linho são as boas obras dos santos.)” (Ap 19,7-8). Nesta perspectiva, pode-se observar que são Paulo evoca a nudez como expressão do “homem velho” que desaparece quando é “revestido do homem novo” que é Jesus Cristo, através do batismo (Cl 3,10; Gl 3,27).

O Magistério da Igreja (guardião do depósito da fé) tem recomendado a prática caritativa de vestir os nus no decurso dos séculos, tendo em conta os ensinamentos da Sagrada Escritura e da Sagrada Tradição. Assim sendo, mediante os testemunhos de diversos santos que não mediram esforços para cobrir a nudez dos necessitados, faz memória do gesto de são Martinho de Tours (Séc. IV), que certa vez, ao encontrar um homem tremendo de frio nas mediações de sua cidade, deu-lhe metade do manto, e na noite seguinte Jesus lhe apareceu com a metade do manto dado, para agradecer a sua caridade. 

O Papa Francisco, na catequese do dia 24 de outubro de 2016, assim explicou essa obra de misericórdia, mostrando quem são hoje os que não têm roupa: 

Quem está nu: o que quer dizer isso se não restituir dignidade a quem a perdeu? Certamente dando as roupas a quem não tem; mas pensemos também nas mulheres vítimas do tráfico jogadas às ruas, ou aos outros, muitos modos de usar o corpo humano como mercadoria, até mesmo menores. E assim, também não ter um trabalho, uma casa, um salário justo é uma forma de nudez, o ser discriminado pela raça, pela fé, são todas formas de ‘nudez’, diante das quais, como cristãos, somos chamados a estar atentos, vigilantes e prontos a agir.

Podemos, então, concluir que, a Igreja, na pessoa de seus fiéis, ao peregrinar rumo à pátria eterna, é chamada a sensibilizar-se com os carentes de vestuário e que sofrem também por outras carências, conforme nos ensina o Papa Francisco, vendo neles a pessoa de Cristo (Mt 25, 40). Por esse motivo, não deve ficar à espera de que se lhe manifestem seres humanos assim desprovidos. Sobretudo, deve ir ao encontro deles, na certeza de que o amor de Deus impele os fiéis a tamanha generosidade com as graças necessárias para o exercício desta boa obra. Que o Espírito Santo nos ajude!

Áurea Maria,

Comunidade Canção Nova

Referências

CONSELHO PONTIFÍCIO PARA A PROMOÇÃO DA NOVA EVANGELIZAÇÃO. As obras de Misericórdia Corporais e Espirituais. Tradução de Mário José dos Santos. São Paulo: Paulinas, 2016.

  1. FRANCISCO, Papa. Acolher os estrangeiros e vestir os nus. Vaticano, 26 out. 2016. Disponível em: https://noticias.cancaonova.com/especiais/pontificado/francisco/catequese-do-papa-acolher-os-estrangeiros-e-vestir-os-nus/. Acesso em: 01 jun. 2020.

JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Veritatis Splendor. 06 ago 1993. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_06081993_veritatis-splendor.html. Acesso em: 31 de maio de 2020.

SCHOKEL, Luís Alonso. Bíblia do Peregrino. Tradução de Ivo Storniolo, José Bortolini e José Raimundo Vidigal. São Paulo: Paulus, 2002.

 

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