Se Deus não muda a situação, ele muda o meu coração
À medida que avançamos na Fé, na Esperança e Caridade, o nosso coração se alimenta muito mais da voz de Deus; que se torna mais clara com o tempo e com o crescimento nos dons de santificação e carismáticos. Quando nos colocamos em obediência aos Mandamentos (decálogo), ou nos concentramos da voz de Deus. A real consequência é de uma mansa submissão, ao que nos passa nesta vida, somos mais resilientes, maleáveis, dóceis, a exemplo da Mãe de Deus. A oração nos amadurece. Hoje em dia, todos podem reconhecer que, como ensina a Lumen Gentium, “os cristãos de qualquer estado ou ordem são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade” (n. 40).
O Padre Garrigou-Lagrange, em suas obras dizia que a graça santificante, e especialmente a virtude teologal da caridade, é a semente da vida eterna, ou seja, o Céu já iniciado em nós. A razão pela qual o frade podia dizer que o cristão peregrino, mesmo como peregrino, já possui o gérmen da visão beatífica, era o que ele sustentava com Santo Tomás de Aquino, a saber: o fim sobrenatural do homem é o próprio Deus, ou seja, “uma participação na natureza divina” (STh I-II 112, 1c.).
De uma forma real, e não meramente figurativa ou poética, a Santíssima Trindade começa a viver dentro do cristão justificado e em estado de graça. Garrigou chama a isso “presença íntima”, que, “sendo quase experimental, atinge Deus, não como uma realidade distante e simplesmente representada, mas como uma realidade presente, possuída, e da qual podemos usufruir desde já”. Se essa íntima presença de Deus, ou inabitação divina, é consequência da graça santificante e de seus efeitos, então ela diz respeito a todos os cristãos, uma vez que todos os cristãos são chamados à [recepção da] graça santificante. Portanto, esse conhecimento íntimo, e mesmo experimental, de Deus, “longe de ser algo de extraordinário em si mesmo, como as visões, revelações ou estigmas, está dentro da via normal da santidade”.
[Alguns] almejam apenas as virtudes comuns e não tendem à perfeição, que consideram muito elevada. […] Não ultrapassam um certo nível de mediocridade que muitas vezes se deve, pelo menos em parte, à sua formação inicial imperfeita e a ideias inexatas sobre a união com Deus, à qual todo cristão pode e deve aspirar [Reginald Garrigou-Lagrange, As três idades da vida interior, v. I. São Paulo: Cultor de Livros, 2021, p. 124].
Em seu livro As Três Idades da Vida Interior, o Pe. Reginald Garrigou-Lagrange, ao falar da generosidade que os principiantes devem ter no início de sua vida espiritual, recorda uma multidão de santos — Santa Catarina de Sena, Santo Tomás de Aquino, Santa Teresa de Ávila, São João da Cruz — que invocam justamente este versículo do Evangelho para lembrar a necessidade que todos os homens têm de recorrer à fonte da água viva, que é Jesus. A vida de oração só vai acontecer se nós abrirmos o coração a esse dom de Deus. Além disso, a vida de oração depende fundamentalmente da virtude da humildade. Recorda o Catecismo (§ 2559): “A humildade é o fundamento da oração. ‘Nem sabemos o que seja conveniente pedir’ (Rm 8, 26). A humildade é a disposição para receber gratuitamente o dom da oração; o homem é um mendigo de Deus”. Não é possível apresentar-se diante de Deus com soberba, pois Ele “resiste aos soberbos, mas dá a sua graça aos humildes” (1Pd 5, 5).
E nos perguntamos, diante de toda esta introdução acerca de Deus em nossas vidas… e o sofrimento humano? E o mal? São João Paulo segundo, em sua encíclica Salvifici Doloris, nos propõe uma reflexão muito profunda. E que toca diretamente o tema deste artigo. Disse na ocasião que diante da abrangência do sofrer humano, há um aspecto importantíssimo:
Está profundamente arraigado em toda a Revelação da Antiga e sobretudo da Nova Aliança. O sofrimento deve servir à conversão, isto é, à reconstrução do bem no sujeito, que pode reconhecer a misericórdia divina neste chamamento à penitência. A penitência tem como finalidade superar o mal que, sob diversas formas, se encontra latente no homem, e consolidar o bem, tanto no mesmo homem, como nas relações com os outros e, sobretudo, com Deus.
13. Mas para se poder perceber a verdadeira resposta ao “porquê” do sofrimento, devemos voltar a nossa atenção para a revelação do amor divino, fonte última do sentido de tudo aquilo que existe. O amor é também a fonte mais rica do sentido do sofrimento que, não obstante, permanece sempre um mistério; estamos conscientes da insuficiência e inadequação das nossas explicações. Cristo introduz-nos no mistério e ajuda-nos a descobrir o ”porquê” do sofrimento, na medida em que nós formos capazes de compreender a sublimidade do amor divino.
Para descobrir o sentido profundo do sofrimento, seguindo a Palavra de Deus revelada, é preciso abrir-se amplamente ao sujeito humano com as suas múltiplas potencialidades. É preciso, sobretudo, acolher a luz da Revelação, não só porque ela exprime a ordem transcendente da justiça, mas também porque ilumina esta ordem com o amor, qual fonte definitiva de tudo o que existe. O Amor é ainda a fonte mais plena para a resposta à pergunta acerca do sentido do sofrimento. Esta resposta foi dada por Deus ao homem na Cruz de Jesus Cristo (n.12 e 13).
Tudo pode ser mudado pela força da oração! Assim repetimos, ouvimos em muitos lugares por aí. Mas, mesmo se Deus não muda “realidades”, Ele continua sendo Deus. Nós quando rezamos nos colocamos dentro dele, nossas situações são compartilhadas e como descriminamos acima, Ao mesmo tempo que não interfere na nossa liberdade. Nós somos responsáveis pelo que plantamos, porque sabemos o tipo do fruto que queremos colher. Todos nós podemos escolher, nos mover segundo a vontade de Deus ou não. A cura pode nos acontecer como também, por meio de uma pedagogia de Deus, não acontecer. E isso não nos deve afligir (Cf. Hebreus 10, 32ss.). Devemos sim, sermos conscientes de que podemos fazer o que está no nosso alcance e confiar em Deus tudo o que somos, “no Senhor ponho a minha esperança, espero em sua palavra” (Sl 129, 5). Como diria Santo Bento de Núrsia:
“ora e trabalha” (Regra 20;48: CSEL 75, 75-76.114-119 (PL 66, 479-480.703-704). Ou ainda, Santo Inácio de Loyola: “Orai como se tudo dependesse de Deus, e trabalhai como se tudo dependesse de vós” (Petrus de Ribadeneyra, Tractatus de modo gubernandi sancti Ignatii, c. 6, 14: MHSI 85, 631).