E se eu ler a Bíblia, o que acontece? Quais são os frutos em minha vida?

Setembro é um mês dedicado às Sagradas Escrituras na Igreja Católica no Brasil. Essa particularidade, que existe somente em nosso país (na forma e maneira como vivemos, eu não tenho conhecimento de que ela exista em outros países), proporciona a toda a Igreja brasileira a oportunidade de redescobrir ou entrar em contato, pela primeira vez, com a Palavra de Deus. Deixando de lado possíveis erros e exageros litúrgicos ou teológicos que são fruto da criatividade do homem, a Igreja do Brasil nos concede um verdadeiro presente, ao qual, por vezes, não damos o devido valor.

Enquanto eu escrevo este artigo, lembro-me, com saudade, dos momentos e as homenagens que fazíamos na comunidade paroquial em que eu cresci. Confesso que, algumas vezes, elas eram bem artísticas, criativas, mas refletiam o desejo de tornar a Bíblia acessível a todos. Porém, eu também me lembro do esforço do nosso pároco e do coordenador da comunidade paroquial (com toda sua simplicidade) para promover momentos de formação e de contato com a Palavra de Deus. O que fez muitas pessoas entenderem que, justamente por ser um Texto Sagrado, não é preciso ter medo dele, mas respeito, uma relação de amor e cuidado.

Hoje, eu consigo perceber o quanto isso foi importante para meu crescimento na fé e na vida da Igreja. Posso dizer que sinto falta de um mês inteiramente dedicado à Bíblia (Na França, existe um mês dedicado à Bíblia, mas de origem evangélica, e não é seguido por muitas dioceses ), pois, sendo missionário na França, percebo o quanto seria maravilhoso para muitos católicos franceses a descoberta das Sagradas Escrituras como Palavra de Deus, como um diálogo entre Deus e a pessoa que lê, e não como um livro que fala de Deus.

São Jerônimo, doutor da Igreja

Neste mês de setembro, no dia 30, celebramos a memória de São Jerônimo – foi ele quem realizou a primeira tradução oficial da Bíblia para o latim (Vulgata) ,- aproveitando da sabedoria deste “doutor eminente na interpretação das Sagradas Escrituras” (Bento XV), encontrada em suas inúmeras cartas, podemos tocar, de maneira concreta, no bem que a leitura da Sagrada Escritura produz.

São Jerônimo, ao escrever a uma jovem nobre de Roma, declarou: “Se rezas, falas com o Esposo; se lês, é Ele quem te fala” (Ep 22,25). Deixando claro que um dos frutos da leitura da Palavra de Deus é escutar o próprio Deus que nos fala. Neste diálogo entre Deus e o homem, São Jerônimo gostava de afirmar que a Bíblia é o instrumento “com o qual todos os dias Deus fala aos fiéis” (Ep. 133,13). Por isso a importância de estar em contato com a Sagrada Escritura diariamente.

Isto me faz lembrar um outro grande homem de Deus, Padre Jonas Abib, que escreveu um livro sobre este tema (a Bíblia no meu dia-a-dia) e que transformou a vida de muitos; inclusive, eu mesmo colhi e colho os frutos do “método” de leitura da Bíblia criado pelo padre Jonas. Muito obrigado, Padre Jonas! (Recomendo-lhe deste livro e as orientações que ele contém como meio de descobrir a Sagrada Escritura.)

Voltando a São Jerônimo, um outro fruto desta intimidade com a Palavra de Deus é “manter o equilíbrio da alma” (Ad Eph., prol.). Para o santo, amar a Sagrada Escritura é uma arma poderosíssima para combater as tentações e os vícios. Ele dizia: “Ama a ciência da Escritura, e não amarás os vícios da carne” (Ep. 125,11).

Força e equilíbrio na vida espiritual

Somos e seremos tentados das mais variadas formas possíveis, e assim como Nosso Senhor respondeu às tentações feita pelo demônio no deserto (São Marcos 4, 1-11), também nós podemos utilizar essa arma para lutar contra as tentações pessoais e comunitárias. A Sagrada Escritura é capaz de nos ajudar a lutar e a encontrar o equilíbrio em nossa vida espiritual.

A Palavra de Deus deve ser um bem preciosa para nós. Não podemos tratá-la de qualquer forma, temos que a amar e ter zelo por ela. Não pode se tornar um livro comum para nós, pois isso diminuiria o valor que damos a ela em nossa vida. Outro conselho de São Jerônimo é: “Ama a Sagrada Escritura e a sabedoria amar-te-á; ama-a ternamente e ela guardar-te-á; honra-a e receberás as suas carícias. Que ela seja para ti como os teus colares e brincos” (Ep. 130, 20). Portanto, o amor à Bíblia gera em nós amor, segurança e consolo.

Outra frase deste santo que nos ajuda a entender a importância da Palavra de Deus em nossa vida é a célebre frase que encontramos na Constituição Dogmática Dei Verbum: “Ignorar a Escritura é ignorar Cristo” (n. 25). Outro fruto é o conhecimento e a comunhão com Nosso Senhor Jesus Cristo. Não podemos ignorar a Palavra de Deus. Ela é viva e eficaz. Existem outros meios que nos ajudam na busca e na comunhão com Nosso Senhor (filmes, séries, livros, artigos, etc.), todos possuem sua eficácia, mas nenhum será tão forte e poderoso como a Palavra de Deus.

Padre Jonas sempre recomendou termos a versão em papel, pois com ela é possível fazer anotações, sublinhar o que for importante. Não precisamos ter medo de ler e “usar” sua Bíblia, devemos tê-la como um livro do cotidiano, São Jerônimo recomendava a Nepociano: “Lê com muita frequência as divinas Escrituras; aliás, que o Livro sagrado nunca seja deposto das tuas mãos.” (Ep. 52, 7).

Porém, São Jerônimo sempre deixou claro a necessidade de viver esta experiência pessoal e íntima com a Sagrada Escritura acompanhado de três condições: a leitura deve ser feita sempre em espírito de oração; com a ajuda do Espírito Santo e um ponto fundamental em comunhão com o magistério da Igreja.

Para terminar este texto vou usar uma outra frase de São Jerônimo: “Procuremos aprender, na terra, aquelas verdades cuja consistência persistirá também no céu” (Ep. 53, 10).

Te desejo uma boa leitura, ou melhor ! Um bom diálogo com a Sagrada Escritura.
Deus abençoe

Referência
BENTO XVI, Papa. Audiência Geral: 14 de Novembro de 2007. Disponível em: <https://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/audiences/2007/documents/hf_ben-xvi_aud_20071107.html>. Acesso em: 28 out. 2024.