Deus, em sua infinita bondade, quis, por amor, fazer-se presença real e concreta na pessoa de Seu Filho Amado: Nosso Senhor Jesus Cristo. Em Jesus, manifestar o Seu plano salvífico de salvação, ou seja, nos salvar e libertar das amarras do pecado e da morte.
Tal plano não se concretizou tão profundamente senão por meio do amor e doação de Jesus por nós. Isso durante o percurso de Seu ministério, mas principalmente no evento da Última Ceia, quando nos comunica o novo mandamento, e na Sua entrega total na Cruz.
A partir do Mestre, somos convidados a fazer o mesmo, não com nossas palavras e discursos bem elaborados, mas na prática do amor. A vida dos santos, por exemplo, são uma excelente escola do mandamento de Cristo, e por meio desta “bússola”, devemos nos nortear. Neste mês de agosto, temos um modelo concreto ao contemplar a vida de São Maximiliano Maria Kolbe.
O Pai me ama porque dou a minha vida
“O Espírito do Senhor está sobre mim, pois ele me ungiu, para anunciar a Boa-Nova aos pobres: enviou-me para proclamar a libertação aos presos e, aos cegos, a recuperação da vista; para dar liberdade aos oprimidos e proclamar um ano aceito da parte do Senhor” (Lc 4,18-19).
Ao se apresentar na sinagoga e iniciar seu ministério, Jesus toma esta Palavra de Isaías e complementa: “Hoje, cumpriu-se essa passagem da Escritura que acabastes de ouvir” (Lc 4,21). Isso gerou escândalo para aqueles que estavam ali para ouvi-lo. Todo o percurso da vida de Jesus se traduziu neste empenho, de levar todos aqueles que Lhe eram confiados à experiência da liberdade de filhos e filhas de Deus. A libertação do maior de todos os males: o pecado, a escravidão que outrora nos levou à morte.
Os judeus esperavam o Messias libertador do poder de Roma, que naquela ocasião os assolava. Não esperavam a desconcertante proposta de Jesus: crer que n’Ele se findava a maior de todas as escravidões, mas que somente no amor e na doação seria possível. No belo discurso sobre o Bom Pastor, Jesus declara aquilo que expressa o essencial de sua identidade de missão. Para que se realizasse o que Ele mesmo assumiu da Profecia de Isaías, não haveria outro meio de dar a sua vida. O que movia seu coração era o desejo de salvar as ovelhas do rebanho pela sua entrega e amor:
“Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida por suas ovelhas. O assalariado, que não é pastor e a quem as ovelhas não pertencem, vê o lobo chegar e foge, e o lobo as ataca e dispersa. […] Eu sou o bom pastor. Conheço as minhas ovelhas, e elas me conhecem, assim como o Pai me conhece e eu conheço o Pai. Eu dou minha vida pelas ovelhas. […] É por isso que o Pai me ama: porque dou a minha vida. E assim, eu a recebo de novo. Ninguém me tira a vida, mas eu a dou por própria vontade.” (Jo 10,11-12.14-15.17-18a)
Sim, Jesus é o bom e verdadeiro pastor, que para salvar é capaz de doar sua vida. Foi o que buscou ensinar principalmente para seus discípulos. Ensinar a importância de não se preocupar com a glória, com os primeiros lugares, ou em preservar a própria vida quando as ovelhas estavam sofridas e abandonadas. São Gregório nos traz essas belas palavras ao comentar este relato do Bom Pastor:
“O Senhor explica, para que o imitemos, em que consiste a bondade do pastor, dizendo: O bom pastor expõe a sua vida por suas ovelhas. Fez o que aconselhou, mostrou o que ordenou: deu a sua vida por suas ovelhas, para fazer do seu corpo e do seu sangue um sacramento para nós e para saciar com o alimento da sua carne as ovelhas que redimiu. Mostrou para nós o caminho do desprezo da morte que devemos seguir e a forma divina que deve ser impressa em nós. A primeira coisa que devemos fazer é repartir generosamente os nossos bens exteriores entre as suas ovelhas; por último, se necessário, dar até mesmo a nossa vida por essas ovelhas. Como, porém, o que não dá seus bens às ovelhas haverá de dar por elas a própria vida?” (São Gregório, Catena Aurea, Evangelho de São João)
Também nós devemos fazer o mesmo
Partindo dessas palavras de São Gregório, remetemo-nos a dois momentos: a multiplicação dos pães e a Última Ceia. Quando Jesus é movido por compaixão ao ver a multidão com fome, logo ordena aos seus discípulos: “Dai-lhes vós mesmos de comer!” (Mt 14,16)
A ordem é clara. O seguimento de Jesus exige a doação. Doação daquilo que temos de melhor. Naquela ocasião, o milagre da multiplicação se deu a partir da doação, da generosidade expressa naqueles simples pães e peixes. Se, de fato, vivemos a generosidade de coração, contemplamos milagres.
Aqui está o essencial do “dar a vida” que Jesus nos pede que vivamos. A doação é movida pelo amor e pela generosidade.
No momento da Última Ceia, em seu belo discurso sobre o novo mandamento, Jesus expressa o auge do que movia seu coração à entrega total pelos seus ali naquele momento, mas por cada um de nós: “Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei. Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos. Vós sois meus amigos, se fizerdes o que eu vos mando.” (Jo 15,12-14)
Com o mesmo ardor e fervor que moveu o Coração Sagrado de Jesus, de se doar inteiramente aos seus amigos naquela “noite do amor”, assim devemos nos deixar inflamar. Por amor a Jesus Cristo, amar ao próximo. Por amor a Jesus Cristo, não nos poupar em nos doar àqueles que o Senhor nos confia. O próprio São João em sua Primeira Carta relata esta necessidade, tamanha foi sua experiência naquela noite:
“Nisto sabemos o que é o amor: Jesus deu a vida por nós. Portanto, também nós devemos dar a vida pelos irmãos. Se alguém possui riquezas neste mundo e vê o seu irmão passar necessidade, mas diante dele fecha o seu coração, como pode o amor de Deus permanecer nele?” (1Jo 3,16-17)
Não há possibilidade de sermos sinais do Cristo, se em nós não habitar a disposição da generosidade que nos conduz ao amor livre e disposto a nos doar pelo outro, independente daquilo que este pode nos oferecer. O amor é oferta livre, é gratuidade e liberdade. Santo Agostinho nos fala ao comentar o mandamento do amor:
“Isso é o que os mártires fizeram em seu amor ardente; e por isso, na mesa de Cristo, não evocamos a memória deles como a dos outros, para rezar por eles, mas sim para seguir seus rastros. Com efeito, não fizeram outra coisa senão dar aos irmãos o mesmo testemunho que haviam recebido da mesa do Senhor.” (Santo Agostinho, Catena Aurea, Evangelho de São João)
Modelo de São Maximiliano Kolbe
A Igreja celebra, no dia 14 de agosto, a memória de São Maximiliano Maria Kolbe, um exímio exemplo sobre tudo o que foi discorrido anteriormente. Com sua vida, pôde de modo concreto viver a doação de vida que os discípulos de Cristo precisam buscar.
Segundo o site do Vaticano, temos as seguintes informações sobre o santo: Maximiliano Kolbe nasceu em 7 de janeiro de 1894, em Zduńska-Wola, na região polonesa controlada pela Rússia. Seu pai, tecelão, e sua mãe, parteira, eram cristãos fervorosos: no Batismo, escolheram para ele o nome de Raimundo. Frequentou a escola dos franciscanos em Leópolis. Em 1910, entrou para a Ordem dos Frades Menores Conventuais, onde recebeu o nome de Maximiliano; sendo enviado primeiro à Cracóvia e, depois, para Roma, onde permaneceu seis anos, estudou Filosofia na Pontifícia Universidade Gregoriana, e Teologia no Colégio Seráfico. Foi ordenado sacerdote em 28 de abril de 1918.
O que marca a vida de São Maximiliano, sem dúvida, era o seu testemunho de caridade, principalmente com os mais pobres, os mais vulneráveis, e o amor pela Virgem Maria, que o inspirou a fundar a “Milícia da Imaculada”, uma Associação religiosa, cujo objetivo era a conversão de todos os homens por meio de Maria.
São Maximiliano vive o contexto mundial da guerra, no caso, a Segunda Guerra. Em meio aos horrores e perseguições, experimentou a prisão. Em 19 de setembro de 1939, os alemães prenderam o Padre Maximiliano Kolbe e os outros frades e os levaram para o Campo de Extermínio, de onde foram, inesperadamente, libertados no dia 8 de dezembro. No entanto, após ser preso novamente em fevereiro de 1941, foi deportado em 28 de maio, para o Campo de extermínio de Auschwitz. Foi colocado junto com os judeus, por ser sacerdote, onde foi obrigado a trabalhos forçados, como o transporte de cadáveres para os fornos crematórios.
Quando lemos a vida e história de São Maximiliano, contemplamos os relatos daqueles que ali estavam na mesma condição. Sua dignidade de sacerdote encorajava os outros prisioneiros. Uma testemunha recorda: “Kolbe era um príncipe para nós”. No final de julho, o Padre foi transferido para o Bloco 14, onde os prisioneiros trabalhavam na lavoura. Mas um deles conseguiu fugir, escapar. Por isso os nazistas pegaram dez prisioneiros para morrer. Padre Kolbe ofereceu-se para morrer no lugar de um dos “escolhidos”, pai de família e companheiro de prisão. Então, os guardas decidiram abreviar sua agonia com uma injeção letal de ácido fênico. Padre Maximiliano Kolbe estendeu seu braço, recitando a Ave-Maria! Era o dia 14 de agosto de 1941.
São Maximiliano nos ensina com o seu testemunho que o mais importante é a doação de nossa vida pela santificação das almas. Deus nos confia as pessoas para que elas vivam a experiência com Ele a partir do nosso testemunho, e passa pela nossa oferta de vida, assim como o próprio Cristo. São Maximiliano compreendeu esta missão e não mediu esforços para buscar em viver, e nos inspira a fazer o mesmo por amor a Jesus Cristo e pela salvação das almas.
“Como a glória de Deus resplandece principalmente na salvação das almas que Cristo remiu com seu próprio sangue, o desejo mais elevado da vida apostólica será procurar a salvação e santificação do maior número possível. […] Amemos por isso, irmãos, amemos sumamente o amantíssimo Pai Celeste, e deste amor seja prova a nossa obediência, exercida em grau supremo quando nos exige o sacrifício da própria vontade. Não conhecemos, para progredir no amor a Deus, livro mais sublime que Jesus Cristo crucificado.” (Das cartas de São Maximiliano Maria Kolbe, Ofício das Leituras, Liturgia das Horas)
Deus abençoe você.
Fontes:
BÍBLIA Sagrada CNBB. 10ª ed. São Paulo: Edições CNBB/ Editora Canção Nova, 2010.
LITURGIA DAS HORAS, segundo o Rito Romano. Tradução para o Brasil da segunda edição típica. Tempo Comum 18ª – 34ª semana. (Vol. 4)
TOMÁS DE AQUINO, Santo. Catena Aurea – Exposição contínua sobre os Evangelhos – Evangelho de São João. Tradução de Veríssimo Anagnostopoulos, Augusto C. Fleck e Carlos Guilherme Silveira. 1ª ed. São Paulo: CEDET, 2021. (Vol. 4)
VATICANO. S. Maximiliano M. Kolbe, presbítero da ordem dos frades menores conventuais e mártir. Disponível em: <https://www.vaticannews.va/pt/santo-do-dia/08/14/s–maximiliano-m–kolbe–presbitero-da-ordem-dos-frades-menores-.html>.