As obras de misericórdia corporais
Quinta: assistir aos enfermos
Em seu discurso escatológico, Jesus Cristo mostrou que o enfermo tem uma dignidade que deve ser reconhecida, já que possui uma sacramentalidade crística: “Quando foi que te vimos enfermo […] e te fomos visitar? Responderá o Rei: – Em verdade eu vos declaro: todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes” (Mt 25,39-40). Dar assistência aos enfermos é a quinta obra de misericórdia corporal evidenciada por Jesus, que assim mostrou o seu amor de predileção pelos que sofrem no corpo e na alma. Nesta perspectiva, o visitante é chamado a descobrir no encontro com o enfermo a sua semelhança com Cristo, que “sendo rico, se fez pobre” (2 Cor 8,99).
O amor compassivo que Cristo manifestou para com os doentes lhes prodigalizando numerosas curas (Mc 7,32-36; 8, 22-25; Jo 9,6-15; Lc 4,38-39; Mc 3,1-12) continua a despertar a atenção especialmente dos cristãos que são chamados as prestar-lhes alívio, seguindo assim o Seu exemplo. O evangelista Mateus, ao retomar o texto de Isaías (53,4), afirma que Jesus não só foi ao encontro dos doentes, Ele, sobretudo, “levou nossas enfermidades e carregou nossas doenças” (Mt 8,17). No entanto, as curas realizadas por Jesus anunciavam a cura mais radical, que é a Sua vitória sobre o pecado e a morte através de sua Páscoa, pois assim “Ele tirou o pecado do mundo” (Jo 1,29). Neste sentido, o Catecismo da Igreja diz: “Por sua paixão e morte na cruz, Cristo deu um novo sentido ao sofrimento, que doravante pode configurar-nos com Ele e unir-nos à sua paixão redentora” (n.1505).
O Antigo Testamento oferece um sábio conselho acerca do cuidado para com os enfermos e assim nos desperta a praticar esta obra de misericórdia: “Não temas ocupar-te dos doentes, porque serás amado por isso” (Eclo 7,35). O modelo de enfermo apresentado de maneira singular é Jó, que ao pedir aos amigos que assim o escutassem, revela que este tipo de sofrimento também atinge o inocente (Jó, 13,6; 21,2). Já o Novo Testamento apresenta uma nova forma de visitar os enfermos, dado que esta obra de misericórdia passou a ser acompanhada pela “oração” e pelo “rito” contendo este duas formas: a imposição das mãos e a unção com óleo. A título de exemplo destaca-se o testemunho de são Paulo na Ilha de Malta, narrado por são Lucas com os seguintes dizeres: “O pai de Públio achava-se acamado com febre e sofrendo de disenteria. Paulo foi visitá-lo e, orando e impondo-lhe as mãos, sarou-o” (At 28,8).
Outro exemplo é dado por são Thiago, sendo este considerado, pela tradição da Igreja, o fundamento bíblico do sacramento da unção dos enfermos: “Está alguém enfermo? Chame os sacerdotes da Igreja, e estes façam oração sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor” (Tg 5,14). Pode-se observar que o testemunho dos apóstolos de igual modo permite enxergar essa obra de misericórdia por eles praticada, pois “ungiam com óleo a muitos enfermos e os curavam” (Mc 6,13). Assim sendo, pode-se observar o apreço dispensado por Deus aos enfermos, haja vista que esta é uma realidade descrita na Antiga e na Nova Aliança.
:: O que é a Unção dos Enfermos?
De fato, a enfermidade e o sofrimento são realidades que sempre estiveram entre os problemas mais graves da vida humana. Então, pode-se afirmar que esta realidade, que assola o homem de diversas formas, serve como oportunidade para se praticar o amor de forma desinteressada em favor dos enfermos, que mediante a doença experimentam sua impotência e finitude. Nesta perspectiva, merecem relevo as palavras do Papa são João Paulo II, em sua Carta Apostólica Salvifici Doloris quando diz:
O mundo do sofrimento humano almeja sem cessar, por assim dizer, outro mundo diverso: o mundo do amor humano. […] O homem que é o ‘próximo’ não pode passar com indiferença diante do sofrimento de outrem; e isso, por motivo da solidariedade humana fundamental e em nome do amor ao próximo. Deve ‘parar’, ‘deixar-se comover’, como fez o Samaritano da parábola evangélica. Esta parábola, em si mesma, exprime uma verdade profundamente cristã e, ao mesmo tempo, muitíssimo humana universalmente. Não é sem motivo que até na linguagem corrente se designa obra de ‘bom samaritano’ qualquer atividade em favor dos homens que sofrem ou precisam de ajuda. (N. 29).
Com efeito, a misericórdia dispensada aos doentes corresponde a um apelo atual que continua a ecoar na humanidade e se impõe pela sua evidência evangélica. É, portanto, o efeito da graça de Cristo, que gera no coração humano o amor compassivo em prol do próximo, capacitando-o a uma verdadeira semelhança com o seu divino coração, fonte única do amor (Jo 4,14). Assim sendo, pode-se afirmar que a virtude da compaixão é formada por meio da oração assídua, da vida sacramental, da abertura ao Espírito Santo, da familiaridade com a vida dos santos e através da solidariedade para com os mais carentes e fragilizados. Verdadeiramente, a tentação da indiferença é superada na medida em que a compaixão é encarnada, isto é, quando se torna parte integrante da vida humana. Crendo que é o amor de Cristo que nos impele (2 Cor 5,14) a assistir os enfermos e a praticar as mais diversas obras de misericórdia, abramo-nos à experiência de aliviar os sofrimentos dos necessitados, para que desse modo eles possam descobrir que este AMOR é o fator essencial da vida humana.
A Igreja, em cujo rosto resplandece a Luz de Cristo, que é a Luz dos povos (Lumen Gentium, n. 1), todo ano celebra, no dia 11 de fevereiro, dedicado a Nossa Senhora de Lourdes, o ‘Dia Mundial dos Enfermos’. E, para essa circunstância, o Santo Padre envia uma mensagem que nos desperta para vivermos esta obra de misericórdia. Que o Espírito de amor nos leve até os enfermos!
Áurea Maria,
Comunidade Canção Nova
Referências
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. Tradução da Conferência nacional dos Bispos do Brasil. 10. ed. São Paulo: Loyola, 2000.
CONSELHO PONTIFÍCIO PARA A PROMOÇÃO DA NOVA EVANGELIZAÇÃO. As obras de Misericórdia Corporais e Espirituais. Tradução de Mário José dos Santos. São Paulo: Paulinas, 2016.
CONSTITUIÇÃO DOGMÁTICA Lumen Gentium sobre a Igreja. In: COMPÊNDIO DO VATICANO II: constituições, decretos, declarações. 31. ed. Petrópolis: Vozes, 2016. p. 37-117.
JOÃO PAULO II. Carta apostólica Salvifici Doloris. 11 fev. 1984. Disponível em: http://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/apost_letters/1984/documents/hf_jp-ii_apl_11021984_salvifici-doloris.html. Acesso em: 08 jun. 2020.
SCHOKEL, Luís Alonso. Bíblia do Peregrino. Tradução de Ivo Storniolo, José Bortolini e José Raimundo Vidigal. São Paulo: Paulus, 2002.