"Bem-aventurados os misericordiosos"

Eterna é a felicidade daqueles que têm coragem de lançar o próprio coração na miséria alheia! Confesso que, dentre tantas significâncias sobre a misericórdia, essa última citada pareceu-me tão certeira como a que lemos e entendemos nas Sagradas Escrituras: a misericórdia do Cristo.

Entenda a grandeza disto: lançar diz de mergulhar, atirar, derramar. O coração é o seio, a alma. A miséria é a limitação, a dor, a dureza, a fraqueza. Ser, então, misericordioso é devotar-se com o âmago do próprio ser à pobreza do outro.

Constantemente, o que fazemos é correr na direção oposta. A tendência é, literalmente, fugir daquilo que é pobre, indigente, penoso, acreditando que a felicidade jaz na riqueza, na abundância, na ausência de males. Quanta insensatez! É o próprio Filho de Deus quem nos exorta e nos ensina que a nossa felicidade está em nos encontrarmos com a fraqueza do outro.

E não é alcançar a miséria alheia e ali permanecer, e sim ser o consolo e a força que devolve a humanidade àqueles que não se sentem mais na dignidade de ser humano. Feliz é quem volve o olhar, a alma e o íntimo de si ao olhar, à alma e ao íntimo de um miserável. Só a intimidade de um ser pode, verdadeiramente, tocar um outro. É a arte do encontro e da comunhão profunda, cuja origem está no seio da Trindade Santa.

Imagem: mosaico no Santuário do Pai das Misericórdias/ Foto: cancaonova.com

“Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia”. Quantas vezes somos nós os pobres, senão todos os dias? Sempre gosto de dizer que, na lógica divina, não é uma troca, como num escambo material; é uma consequência natural de uma vida que se vive, com reta e amorosa intenção.

Diante de Deus, não há improvisos. Não existe misericórdia de improviso. Ser misericordioso não é agir por dó ou por obrigação. É agir pelo coração, por um impulso da alma de levar ao outro Àquele que, dia a dia, nos alcança. É nesta misericórdia cristã, à semelhança de Jesus, que se encontra a bem-aventurança.

Quanto mais me doo e me entrego ao próximo, mais me devolvo a mim mesmo(a) e à minha essência, que está no Criador. Deus em si é esse constante dar-se, entregar-se e permanecer sendo aquilo que se é: o Todo Poderoso. Como poderia ser diferente com as suas criaturas? Dou-me em misericórdia e a recebo. Vivo a plenificação da Lei, de ser para Deus e para os outros, santifico-me e alcanço o que, de fato, é o significado de ser “bem-aventurado”: entrar na vida eterna.

Catarina Xavier
Comunidade Canção Nova