Entramos na Semana Maior! A partir de hoje, a Igreja entra no mistério da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo. Com a celebração do Domingo de Ramos ou Domingo da Paixão de Nosso Senhor, a espiritualidade do mistério pascal se atualiza na vida da Igreja, dando novo vigor ao corpo místico de Cristo, associando cada membro aos eventos finais da vida pública de Jesus em Jerusalém. Até a Solene Vigília Pascal, seguiremos os passos de Nosso Senhor, não apenas como espectadores, mas como participantes da graça salvífica.
Por isso, é preciso mergulhar na espiritualidade própria de cada uma das celebrações que viveremos nos próximos dias, a começar da do Domingo de Ramos.
O relato bíblico
A celebração de hoje faz memória da entrada messiânica triunfal de Jesus em Jerusalém. Como era comum aos judeus, todos os anos se subia à Cidade Santa para a celebração da páscoa judaica e oferecer sacrifícios e holocaustos no Templo. O Evangelho narra uma dessas subidas em que Jesus entra na cidade montado em um jumento e é aclamado pelas multidões, que o saudavam com ramos e galhos de árvores, cantando: Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor!
A fama de Jesus era crescente: seus discursos, sinais e milagres na Galiléia e na Decápole fizeram seu nome ser conhecido entre os judeus à época. Poucos dias antes, ainda a caminho de Jerusalém, ele ressuscita Lázaro em Betânia, o projetando ainda mais. Muito provavelmente, aqueles que o aplaudiam em sua entrada sabiam deste último fato e já percebiam que ali não estava um mero profeta e sim aquele que daria início à era messiânica em Israel.
Israel, subjugado por Roma, esperava que o Rei e Messias, ao entrar em Jerusalém, cidade santa, sede do Templo, libertasse o povo judeu da servidão ao poder pagão e inaugurasse tempos de júbilo. A multidão ainda não entendia o sentido mais profundo daquele gesto de Jesus. A começar do animal escolhido, um jumento, símbolo da paz e da humildade (e não montado em um cavalo, sinal de riqueza e da guerra), Cristo foi aos poucos fazendo uma ruptura com as expectativas judaicas.
Sim! Ele entra como rei, com aspectos de realeza. Porém, ali estava o príncipe da paz, cujo reino, como afirmaria dias depois, não pertencia àquele mundo; cuja adoração não se daria naquele Templo; cuja libertação não seria apenas dos poderes temporais, mas da força do pecado e da morte. Mas o povo ainda não compreendia. Às multidões não fora revelado a face de glória que era reservada ao Nazareno na Cruz. Por isso, muitas figuras que mostram essa cena apresentam Jesus sério, pois conhecia o interior dos corações e a superficialidade daqueles gritos e aclamações.
Não se pode esquecer que Jesus, logo após entrar em Jerusalém, chora pela cidade santa, por seu afastamento de Deus e sua queda, e pela futura rejeição dos seus irmãos e discípulos, expressa concretamente no plano religioso e político de sua morte e nos escárnios que sofreria em sua Paixão. Além de sofrer pelos que amava, Jesus também em seguida purifica o Templo e reage aos erros das autoridades religiosas de sua época.
Um pouco da história da celebração
Com o tempo, o início da semana santa era celebrado de duas formas: as igrejas de rito oriental imitavam a entrada de Jesus de com ramos e as saudações narradas nos relatos bíblicos; no Ocidente, a tradição romana fazia a recordação da Paixão um domingo antes da Páscoa. Daí o nome “Domingo de Ramos da Paixão de Nosso Senhor” e a própria narrativa da Paixão dentro da liturgia da Palavra. Com o tempo e as reformas litúrgicas, o rito romano uniu as duas tradições, ressaltando tanto o messianismo de Jesus, quanto sua ação salvífica por ser não apenas Messias, mas o Filho de Deus.
O rito como conhecemos hoje é estacional, ou seja, se dá em duas estações: uma remota, fora da Igreja, seguida de uma única procissão, em direção à segunda estação, dentro da Igreja.
Até hoje se mantém o costume de usar os ramos, em memória ao relato bíblico, mas também no sentido de confissão: sabemos, diferente do povo da época, que Jesus é Rei, Senhor, Messias e Filho de Deus, por isso o saudamos com nosso Hosana.
O sentido do Domingo de Ramos
Mas qual o sentido litúrgico do Domingo de Ramos?
O número 263 do Cerimonial dos Bispos ensina: “No Domingo de Ramos, da Paixão do Senhor, a Igreja entra no mistério do seu Senhor crucificado, sepulto e ressuscitado, o qual, ao entrar em Jerusalém, preanunciou a sua majestade. Os cristãos levam ramos em sinal do régio triunfo, que, sucumbindo na cruz, Cristo alcançou. De acordo com a palavra do Apóstolo: “Se com ele padecemos, com ele também seremos glorificados”, deve-se, na celebração e catequese deste dia, salientar o duplo aspecto do mistério pascal.”
Aprendemos, assim, que o Domingo de Ramos é uma espécie de porta que nos dá acesso ao centro da fé cristã: a Ressurreição de Cristo e todos os acontecimentos que a antecedem, na última ceia e no mistério redentor da Cruz. Se quisermos viver bem estes últimos, precisamos nos aplicar com igual empenho na celebração de hoje.
Com o Domingo de Ramos aprendemos que professar Jesus como Rei e Messias, significa aderir a tudo que isso implica. Assim como o Mestre, nosso reino não é deste mundo. Não podemos ficar presos às expectativas de sucesso e felicidade baseadas em bens temporais e mundanos. Com Ele entendemos que as glórias e os aplausos do mundo são passageiros. Assim como o Mestre, precisamos entender que a vida, enquanto caminho, nos proporciona momentos de alegria e exaltação, mas que nossa verdadeira felicidade se encontra na conformação com a vontade do Pai, ainda que isso nos leve aos calvários da nossa existência. Mas acima de tudo, com o Domingo de Ramos precisamos entender que a morte e toda realidade de mal que a circunda jamais terá a palavra definitiva: porque se caminharmos com Aquele que morreu e Ressuscitou, também nós, passada a morte, ressuscitaremos com Ele por toda eternidade. E lá, na eternidade, cantaremos em verdade e profunda sinceridade: Hosana! Bendito seja o Messias, o Filho do Deus vivo!
George Lima Facundo
Seminarista da Comunidade Canção Nova00