O “tema bíblico de homem imagem de Deus é tratado por Santo Tomás em contexto teológico. No entanto, ele supõe uma filosofia do homem na relação com Deus que tem como tema fundamental a ideia da perfeição relativa do homem, principalmente da perfeição absoluta de Deus, da qual decorre a capacidade de conhecer a verdade e de agir moralmente segundo o bem”. Deus disse: “façamos o homem a nossa imagem e semelhança” (cf. Gn 1,26).
Desta forma, fica evidente que o conceito de pessoa para a filosofia cristã está diretamente ligado às três pessoas da trindade. Deste ponto de vista, entende-se que, para compreender a pessoa, antes é necessário conhecer as pessoas Divinas. É olhando para Deus que entendemos o valor que cada ser humano possui. Por isso mesmo, para quem não crê, fica mais difícil compreender o valor incalculável da pessoa humana. Não se entende a pessoa sem antes entender sua origem.
:: Dignidade humana: uma responsabilidade pessoal
Deus criou o ser humano olhando para dentro de si mesmo. A perfeição do homem é singular, não poderia ele trazer outra maior, uma vez que é gerado do amor do Criador, Deus o criou olhando para Ele mesmo. Ao criar o ser humano como sua própria imagem, a dignidade do homem foi elevada acima de todas as coisas existentes no mundo, assumindo, assim, a pessoa um lugar de honra na criação.
O salmista faz a seguinte pergunta: “que é, pois, o homem, para que dele te lembres? (…) Fizeste dele pouco menos que um anjo, coroando-o de glória e de esplendor. Estabeleceste-o sobre a obra de tuas mãos, tudo puseste sob os seus pés” (cf. Sl 8,5-7). Esta é uma forma de dizer do destaque que o ser humano tem em relação à criação. O Catecismo da Igreja Católica afirma que, pelo fato de o homem ter sido criado à imagem e semelhança de Deus, ele “ocupa um lugar único na criação: ele é ‘a imagem de Deus’. Em sua própria natureza, une o mundo espiritual e o mundo material; é criado ‘homem e mulher’; Deus o estabeleceu em sua amizade”. Cada pessoa humana, “criada à imagem de Deus, é um ser ao mesmo tempo corporal e espiritual. O relato bíblico exprime esta realidade com uma linguagem simbólica, ao afirmar que ‘o Senhor Deus modelou o homem com a argila do solo, soprou em suas narinas um hálito de vida, e o homem se tornou um ser vivente’ (Gn 2,7). Portanto, o homem em sua totalidade é querido por Deus”. A igreja entende que “(…) o corpo do homem participa da dignidade da imagem de Deus: ele é corpo humano precisamente porque é animado pela alma espiritual, e é a pessoa humana inteira que está destinada a tornar-se, no Corpo de Cristo, o Templo do Espírito”.
Homem: ser social
Todo discurso que trata sobre a pessoa humana, necessariamente, deve confrontar com todas as duas dimensões do homem: espiritual e corporal. Ambas devem estar interligadas, caso contrário, cairão no reducionismo. Nietzsche, filósofo alemão, na obra ‘Assim falava Zaratustra’, fez a seguinte afirmação: “tudo é corpo, e nada mais; a alma é apenas nome de qualquer coisa do corpo”. Comte e Marx descrevem o ser humano completo como simplesmente um ser social. Freud estuda o homem como um complexo de instintos. O homem, de fato, é um ser social, um ser carregado de instintos, porém não é só isso, o homem é bem mais.
O homem é filho de Deus, imagem e semelhança de seu Criador. Para Kierkegaard, homem angustiado; para Bloch, homem utópico; para Heidegger, homem existente; para Ricoeur, homem falível; para Gadamer, homem hermenêutico; para Marcel, homem problemático; para Gehlen, homem cultural; e para Luckmann, homem religioso. Todos estes filósofos caíram no reducionismo do ser humano. Excluir a dimensão espiritual da pessoa é dizer que ela é somente um amontoado de células vivas e tem tempo marcado para morrer. A visão desses filósofos em relação ao ser humano é reducionista ao extremo. Não é diferente de muitos pensadores nos dias atuais. Para muitos, o ser humano se restringe somente ao corpo, como que se tratasse de um amontoado de células somente. Somos corpo, mas não só. Em cada pessoa humana existe uma alma espiritual e, portanto, imortal. Alguns filósofos “coisificaram” o homem, tornando-o uma peça a mais na natureza. Perderam-se quando excluíram a dimensão espiritual, como se o homem fosse simplesmente matéria. A filosofia do Ser é a única capaz de resgatar a dignidade do homem tal como ele é.
(Texto extraído do livro “Ser humano: obra-prima nas mãos de Deus”)
Padre Elenido Pereira
Assessor Pastoral da Reitoria do Santuário do Pai das Misericórdias
Fontes:
– Ibidem, p. 13. p. 62 e n. 362.
– Cf. Constituição Pastoral Gaudim et Spes. Documentos do Concílio Vaticano II. São Paulo: Paulus, 1997, n. 22.
– CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. (CEC). São Paulo: Loyola, 2000, n. 355.
– CEC, op cit., n. 364