Estamos no tempo quaresmal, período no qual, a exemplo de Cristo, conduzidos pelo Espírito, adentramos num deserto espiritual.
O deserto se torna para nós o lugar favorável de interiorização, e não nos assustemos se, em algum dia deste trajeto, nos depararmos com nossas fraquezas, misérias, vícios e pecados. Diferente do Éden, no deserto não há arbustos para nos escondermos de Deus. Estaremos frente a frente com Ele e, iluminados pelo Seu amor misericordioso, poderemos enxergar com clareza e transparência tudo o que em nós clama por conversão, purificação e transformação, seja no âmbito pessoal ou comunitário.
Na Sagrada Escritura, encontramos o relato de uma mulher que, reconhecendo-se pecadora, vai ao encontro de Jesus e se prostra aos seus pés. Todos os que estavam presentes naquela sala julgavam-na em seus pensamentos, pois não era segredo os seus pecados.
Ainda assim, frente aos olhares de acusação, a mulher se colocou diante de Jesus como Aquele que aliviaria a sua alma e libertaria o seu coração de toda condenação. Ela não negou sua condição, pelo contrário, assumiu seus pecados e se derramou em lágrimas diante da Misericórdia Encarnada.
Eram lágrimas sinceras de arrependimento e de alívio, pois, finalmente, ela encontrou o sentido da sua vida: Jesus Cristo. Se por um lado acontecia o derramamento de uma vida cheia de pecados, por outro, o Coração de Jesus se derramava em misericórdia e compaixão.
E Ele simplesmente a perdoou, porque ela muito o amou. Aquela mulher lavou apenas os pés de Jesus, mas em proporção muito maior, o Senhor lavou toda a sua alma, purificando-a de todos os seus pecados.
A misericórdia a transformou: o coração que antes era pesado e abatido pelo pecado, estando agora leve e perdoado, sentia a necessidade de sair pelas ruas e dividir com os demais o mesmo amor que recebera de Jesus. Talvez você, assim como eu, tenha se identificado com aquela mulher pecadora, que se encontrou com Jesus e recebeu somente amor e perdão de sua parte.
Quanta bondade de Deus em nossa vida!
Porém, o fato de um dia termos sido alcançados e purificados pela Misericórdia do Pai, nos “obriga” a também agirmos com misericórdia para com os nossos irmãos. Lembremos que este tempo favorável que a Igreja vive, a Quaresma, é propício para nos exercitarmos na caridade, além do jejum e da oração. Sendo assim, o Senhor nos convida a termos para com o próximo a mesma sensibilidade e docilidade que Ele teve conosco.
Poderíamos até mesmo fazer a seguinte oração: “Senhor, dai-me um olhar atento e dócil às necessidades dos meus irmãos e coloca em meu peito um coração sensível, capaz de ter compaixão daquele que sofre, que sente fome e sede, que não tem o que vestir, que não tem onde dormir e que se encontra sozinho neste mundo. Como o Senhor me amou, me ensine a amar concretamente aos meus irmãos. Amém.” Isto é Quaresma; isto é misericórdia; isto é viver o Evangelho.
Que, nesta Quaresma, à convite do Pai das Misericórdias e Deus de toda consolação, possamos viver com profundidade e generosidade essa via-dupla da Misericórdia: sendo purificados e perdoados de nossos pecados, nos tornemos instrumentos e sinais concretos do amor misericordioso de Jesus na vida daqueles que mais necessitam, ofertando muito mais do que bens materiais, mas doando a nossa vida, o nosso tempo, a nossa presença física, a nossa oração. “Então, o Rei lhes responderá: ‘Em verdade eu vos digo, que todas as vezes que fizestes isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizestes!” (Mateus 25,40)