Recordo-me de um retiro inaciano que fiz certa vez: em uma determinada colocação, o padre que conduzia o retiro levou-nos a mergulhar e a demorarmo-nos na passagem de Bartimeu, o cego de Jericó. Lembro que, até então, eu não havia ouvido uma reflexão como a que ele fez e essa me marcou profundamente. Na época eu estava prestes a ingressar na Comunidade Canção Nova, como missionária e, consequentemente, a deixar tudo que me era caro.
“E ele, lançando de si a sua capa, levantou-se, e foi ter com Jesus” (Marcos 10:50).
O cego era desprezado pela sociedade. Ele não tinha “nada” nem mesmo o pleno funcionamento de todos os seus sentidos. O que poderia ser-lhe caro senão a única coisa que ele carregava consigo? E não no sentido de um apego material como alguém que não se desfaz de nenhum bem sequer. A mendicância era o seu dia a dia e única coisa que o acompanhava, que lhe pertencia, que permanecia nas vexações que ele sofria era a sua capa.
Uma capa? Sim, uma capa; a sua capa era o que lhe era valoroso. O seu tudo. O que o faria deixar o seu tudo? Ou melhor, lançar?
Veja, os meus tesouros foi difícil deixar quando entrei. E ainda o é. Aquele homem lançou o que tinha de mais precioso. Jogou. Ou como São Paulo: “Mas tudo isso, que para mim eram vantagens, considerei perda por Cristo. Na verdade, julgo como perda todas as coisas, em comparação com este bem supremo: o conhecimento de Jesus Cristo, meu Senhor. Por ele tudo desprezei e tenho em conta de esterco, a fim de ganhar Cristo” (Fl 3,7-8).
A vida de Jesus fez com que Bartimeu considerasse a sua capa como lixo. Ele já sabia do Messias. Não estava naquele local por um acaso. Tudo o que Cristo já havia feito com certeza o tinha alcançado, mas no momento que Ele parou e o chamou individualmente, o cego se encontrou com a misericórdia divina.
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A misericórdia de Deus é assim: individual. Particularmente, especial e amorosa. O Senhor olha a cada um, perscruta até as profundezas da alma do homem. E Jesus assim vivia. Bartimeu é só um dos exemplos da Bíblia de tantos escritos e de milhares não registrados. Como diz São João no fim de seu Evangelho: “Há, porém, ainda muitas outras coisas que Jesus fez; e se cada uma das quais fosse escrita, cuido que nem ainda o mundo todo poderia conter os livros que se escrevessem” (Jo 21,25).
O padre, neste mesmo retiro, dizia ainda de outros personagens bíblicos e do olhar de Cristo para cada um. Lembro da expressão que sempre permaneceu viva em meus pensamentos: “olhar ‘humanizante’ de Jesus”. De fato, Ele devolve a cada um de nós a integridade de ser
humano que perdemos, pouco a pouco, em nossos pecados. E bem, não é isso o que a misericórdia nos faz? Devolve-nos a dignidade de sermos filhos de Deus.
Acolha a misericórdia de Deus pelo olhar de Jesus que nos alcança em cada Eucaristia. Deus te abençoe!
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Catarina Xavier Santos
Comunidade Canção Nova
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