? Devoção

O apelo à vida de plena consagração a Deus na Mensagem de Fátima

O décimo oitavo apelo descrito na obra “Apelos da Mensagem de Fátima” diz respeito à vida de plena consagração a Deus na vida religiosa. Essa vocação se expressa na vida monástica contemplativa e ativa, nos institutos seculares, naqueles que se inserem nas sociedades de vida apostólica e em todas as formas de consagração a Deus aprovadas pela Santa Igreja. O Santuário do Pai das Misericórdias, por ocasião da Devoção Reparadora dos Cinco Primeiros Sábados, tem proporcionado uma série acerca de cada apelo contido nestes escritos da autoria da Irmã Lúcia – uma das videntes de Fátima – motivo pelo qual se trata de uma fonte segura, onde haurir substancial sustento para a salvação de nossas almas.

Para explicitar esse apelo, a Irmã Lúcia parte da aparição de outubro, em que, após a Santíssima Virgem lhes ter revelado a mensagem enviada por Deus, apresentou-se com a Sagrada Família, em seguida como a Mãe das Dores junto com Jesus e, por fim, como Nossa Senhora do Carmo. Pode-se verificar que, nos dois últimos artigos desta série, tratou-se sobre o sentido das duas primeiras manifestações, sendo esta, a complementação das primeiras. Acerca desta última manifestação ela assim se expressou:

A aparição de Nossa Senhora do Carmo tem, a meu ver, o significado de uma plena consagração a Deus. Mostrando-Se revestida de um hábito religioso, Ela quis representar todos os outros hábitos pelos quais se distinguem as pessoas inteiramente consagradas a Deus, dos simples cristãos seculares. (IRMÃ LÚCIA, 2007, p. 180).

Assim sendo, evoca o testemunho que a pessoa consagrada deve dar da presença de Cristo a partir do estado de vida que abraçou, uma vez que para isto foi chamada e escolhida. Ao considerar a importância da Palavra de Jesus Cristo e de toda a Sua vida como o supremo modelo de consagração ao Pai, a Irmã Lúcia evidencia o Seu ensinamento tão claro a respeito da vida consagrada, narrado no evangelho de são João com os seguintes dizeres: “Não fostes vós que me escolhestes, mas eu vos escolhi e vos constituí para que vades e produzais fruto, e o vosso fruto permaneça” (Jo 15,16).

Então, mostra que, esse permanecer alude à perseverança na fidelidade ao chamado de Deus e à promessa a Ele feita acerca da aceitação deste dom. Para exprimir a beleza da vida consagrada, que se reflete na pessoa escolhida por Deus para manifestar o Seu Reino no mundo, coloca em relevo as seguintes Palavras de Jesus:

Vós sois o sal da terra. Se o sal perde o sabor, com que lhe será restituído o sabor? Para nada mais serve senão para ser lançado fora e calcado pelos homens. Vós sois a luz do mundo. […] Assim, brilhe vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai que está nos céus” (Mt 5,13-14.16).

Seguidamente, a Irmã Lúcia mostra que o próprio Jesus Cristo – celibatário por excelência – ao passar por este mundo instituiu este estado de vida quando a ele se reportou do seguinte modo: “Nem todos são capazes de compreender o sentido desta palavra, mas somente aqueles a quem foi dado. Porque há eunucos que o são desde o ventre de suas mães, há eunucos tornados tais pelas mãos dos homens e há eunucos que a si mesmos se fizeram eunucos por amor do Reino dos céus” (Mt 19,11-12). Isto posto, coloca em relevo a exigência inerente à vocação celibatária também por Cristo salientada: “Se alguém me quer seguir, renuncie-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Porque o que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas o que perder a sua vida por amor de mim e do Evangelho, salvá-la-á. Pois que aproveitará ao homem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder a sua vida?” (Mc 8,34-37). Ainda nesta perspectiva da renúncia por amor ao Reino de Deus reforça o que Jesus disse:

Se alguém vem a mim e se não me ama mais que seu pai, sua mãe, sua mulher, seus filhos, seus irmãos, suas irmãs e até a sua própria vida, não pode ser meu discípulo. […] Assim, pois, qualquer um de vós que não renuncia a tudo o que possui não pode ser meu discípulo. (Lc 14, 26.33).

Diante dessas Palavras categóricas de Jesus, a vidente de Fátima explicita que Ele não pede para a pessoa consagrada a Deus deixar de amar os familiares, mas, que “Lhe sacrifiquem as consolações do convívio habitual com eles” (2007, p. 182), bem como a constituição de uma família para assim dedicar-se totalmente ao Seu serviço.
Depois de considerar a importância da Sagrada Escritura que traz por meio de Jesus o fundamento da vida consagrada, alude aos conselhos evangélicos da pobreza, da castidade e da obediência, uma vez que constituem o sacrifício oferecido a Deus através da renúncia dos bens deste mundo e de si próprio, para segui-Lo com liberdade e generosidade.

Assim sendo, mostra ser esse um caminho de especial seguimento de Cristo, para dedicar-se a Ele com coração indiviso e colocar-se a serviço de Deus e da humanidade conforme o Seu exemplo, assumindo a vida pobre, virginal, e obediente. Acerca do conselho evangélico da pobreza assegura que esta “une-nos a Cristo pobre, desprendido dos bens da terra, para poder entregar-Se plenamente à obra que o Pai Lhe confiou” (2007, p. 192). Quanto ao conselho da castidade, afirma que por ele “ficamos duplamente consagrados a Deus: Ele é o nosso templo e nós somos o lugar de sua morada” (2007, p. 192). Sobre a obediência diz: “A obediência religiosa assenta numa vontade livre: a vontade de quem fez o voto ou juramento, querendo deste modo submeter-se à vontade de Deus” (2007, p. 188).

O Papa São João Paulo II, em sua exortação apostólica Redemptionis Donum (n.11), assegura que esses conselhos evangélicos presentes na economia da redenção constituem a resposta às seguintes palavras de Jesus: “Há eunucos, que tais se fazem a si mesmos, por amor do Reino dos céus” (Mt 19,12), mostrando ao mesmo tempo que, nestas palavras de Cristo, se encerram “um apelo” à total consagração a Deus. Neste sentido, merecem relevo as afirmações do Concílio Vaticano II contidas no Decreto Perfectae Caritatis (sobre a vida religiosa) acerca dos três conselhos evangélicos, quando assim se exprime: “A castidade ‘por amor do reino dos céus’ (Mt. 19,12), que os religiosos professam, deve ser tida como exímio dom da graça. Liberta de modo singular o coração do homem […], para que mais se acenda na caridade para com Deus e para com todos os homens”. (N.12).

Neste horizonte, o Decreto mostra que a pobreza voluntária, abraçada para seguir a Cristo, é um sinal muito apreciado, sendo que “por ela é participada a pobreza de Cristo, que sendo rico, por nosso amor se fez pobre, para que nós fôssemos ricos da sua pobreza” (2 Cor 8, 9; Mt 8,20). (N.13). Quanto ao conselho da obediência, assegura que, dessa maneira, “os religiosos oferecem a plena oblação da própria vontade como sacrifício de si mesmos a Deus, e por ele se unem mais constante e seguramente à vontade divina salvífica” (N.14).


Em suma, pode-se afirmar que a Virgem Maria ao se apresentar como religiosa em Fátima demonstra que a vida consagrada é um dom inestimável do Pai, concedido por meio de Seu Filho Jesus Cristo à sua Igreja, para que deste modo possa testemunhar ao mundo a absoluta primazia de Deus e de Seu Reino.

 

Áurea Maria
Comunidade Canção Nova

Referências

DECRETO Perfectae Caritatis sobre a atualização dos Religiosos. In: COMPÊNDIO DO VATICANO II: constituições, decretos, declarações. 31. ed. Petrópolis: Vozes, 2016. p. 585-504.

IRMÃ LÚCIA. Apelos da Mensagem de Fátima. 4. ed. Fátima – Portugal: Secretariado dos Pastorinhos, 2007.

JOÃO PAULO II. Exortação apostólica Redemptionis Donum. 25 mar. 1984. Disponível em: http://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/apost_exhortations/documents/hf_jp-ii_exh_25031984_redemptionis-donum.html. Acesso em: 27 jun. 2020.

SCHOKEL, Luís Alonso. Bíblia do Peregrino. Tradução de Ivo Storniolo, José Bortolini e José Raimundo Vidigal. São Paulo: Paulus, 2002.

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