VOCAÇÃO

Vida e missão: missionário da Canção Nova no Paraguai

“Nunca havia colocado meus pés em outras terras, mas quis Deus que eu fosse em nome d’Ele, por Ele e para Ele…”

É difícil começar uma história sem mostrar seu início e seu meio, ou ainda, sem tender a um fim. Contar algo, por contar, não faz parte do meu perfil. Inclusive, se você lesse os artigos que escrevi até aqui, no site da Canção Nova, nunca foi proposto a mim escrever algo tão particular e espero que você aproveite e reflita sobre sua vida, sua história, sua originalidade, sua retidão, a ação da Graça em sua vida… Sobre o mais simples e essencial: Deus

Aos meus 14 anos, meu coração foi inundado por algo tão transcendente e essencial, que eu tive apenas uma reação e uma decisão. A reação foi a prontidão e a decisão que eram maior que qualquer sentimento, emoção ou arrepio;  minha razão e minha alma foram alcançadas e, ali, eu soube que minha vida já não me pertencia e eu era: “d’Ele, por Ele e para Ele (…)” (Romanos 11,36). Diante de tudo aquilo que eu já tinha vivido, mesmo tão jovem, não tinha chegado nem ao menos aos 18 anos. Porém, eu sabia que, naquele momento, eu tinha recebido de Deus “dons irrevogáveis” (cf. Romanos 11, 29). 

A profundidade do mistério divino, por pura misericórdia e graça, tornou-se perceptível no silêncio da contemplação daquele momento que tive com Ele. Por fim, diria que minha vida poderia ter terminado ali; porque eu tinha tudo… A alegria que o mundo buscava eu a encontrei, ou melhor, Ele me encontrou, pois a iniciativa é d’Ele. Uma das mais excelentes traduções desses momentos sublimes que vivemos com Deus é uma frase que foi atribuída a São Francisco de Assis: “O que temer? Nada. A quem temer? Ninguém. Por quê? Porque aqueles que se unem a Deus obtêm três grandes privilégios: Onipotência sem poder; Embriaguez sem vinho; Vida sem morte”. Eu já tinha tudo o que eu precisava, mas Deus não nos toca para simplesmente permanecermos estáticos, e sim para nos colocar em movimento até Ele. Realmente, isso afeta todos os ambientes. E isso aconteceu de uma maneira muito interessante porque eu não sabia para onde Ele me conduziria, mas bastava ter a ciência de que era Ele estava à minha frente; que meu coração descansou e se abandonou na misteriosa Providência, engrenagem principal do Carisma Canção Nova

“Oh, Senhor, dá-me tudo o que me conduz a Ti. Oh Senhor, tira-me tudo o que me afasta de Ti. Oh, Senhor, livra-me de mim mesma e entrega-me inteiramente a Ti. Estas são três graças, a última a maior de todas e inclui as outras duas; mas, (…) há que pedi-las com insistência.” (Santa Teresa Benedita da Cruz ou Edith Stein (1891 – 1942): Carta 242. Obras Completas. Escritos autobiográficos e Cartas, p. 883)

Depois dessa experiência, a mim coube ser cauteloso e esperar. E, neste ínterim, meu coração foi provado e, com os anos que passam tão rápido, eu cresci. E, ao mesmo tempo, meus olhos e pensamentos se abriram ao mundo, às inovações e à tradição, os confrontos normais da idade etc. Digo isso porque o tempo é um mestre, e tive de ser amigo do tempo, confiando na promessa de que eu não me pertencia. De verdade, isso não foi uma dificuldade porque a marca que Deus deixou no meu coração foi a de um encontro profundo com a minha própria verdade e, com Ele, “a Verdade” (João 14, 6). E, mesmo que o mundo, pessoas, situações se apresentassem a mim como verdades que eu deveria buscar, elas não me enganaram. Porque a pedra fundamental do altar do meu coração já havia sido posta. Nada alcançava a profundidade de onde essa pedra estava, tudo era fraco e puramente humano demais. Quem sou eu para te dizer isso, mas creio que este é o sinal de uma vocação autêntica, de um verdadeiro encontro pessoal com Cristo. 

E como a vida é também movimento, a Providência dava a mim sinais para chegar onde Deus me queria. Entrei em 2016, na Comunidade Canção Nova, e, em 2018, já iniciava meu estudo de filosofia na nossa faculdade. E, para minha surpresa, em 2021, em plena pandemia, Jesus me envia para fora do Brasil. Nunca havia colocado meus pés em outras terras, mas quis Deus que eu fosse em nome d’Ele, por Ele e para Ele… 

O Carisma Canção Nova, que antes tocou o coração do meu fundador, monsenhor Jonas Abib, também me impelia a desbravar novos horizontes, a conhecer uma nova cultura, compreender a história, conhecer os santos que pisaram nesta terra americana. Jesus me enviou ao Paraguai e, como a própria Sagrada Escritura nos diz, eu não fui sozinho, pois junto estava um sacerdote, padre Carlos. A realidade que encontramos aqui, no Paraguai, não é tão distinta do mundo atual, e sim a forma com a qual os paraguaios veem o mundo. Essa é a riqueza. Cada povo, cada terra tem suas riquezas e suas misérias. Suas lutas, conquistas e derrotas. São pessoas e para nós, missionários da Canção Nova, a pessoa é muito importante. E como testemunhas de Cristo “Não podemos calar-nos” (Atos dos apóstolos 4,20), meu coração chegava às terras paraguaias com esse impulso

Aqui encontrei uma Igreja diferente daquela que conhecemos no Brasil, um povo mais homogêneo, um país que, há poucas décadas, estava sob um regime político ditatorial, pessoas marcadas por outros tipos de recordações, um país em ascensão… E como evangelizar esse povo? Como disse o São Paulo VI:

“Este problema do “como evangelizar” apresenta-se sempre atual, porque as maneiras de o fazer variam em conformidade com as diversas circunstâncias de tempo, de lugar e de cultura, e lançam, por isso mesmo, um desafio em certo modo à nossa capacidade de descobrir e de adaptar.” (Evangelii Nuntiandi, 40)

E é justamente assim que eu fiz, eu busquei e estudei, olhei para o horizonte e rezei. Vi que esta terra teria um grande santo, São Roque González de Santa Cruz. Tão grande que seu coração até os dias atuais se encontra incorrupto. Um coração que clamava pelas almas. E, por um desígnio, nós, Canção Nova, por ordem do Arcebispo de Asunción, administramos uma paróquia que tem como patrono esse grande missionário, sacerdote. É incrível quando descobrimos no futuro os laços que nos envolviam no passado. Explico melhor: no ano passado, eu tive uma grande experiência, dentro do seminário, estávamos fechados, regime de pandemia, mas para Deus não tem barreiras, nada é impossível. E eu vivi algo especial durante a Missa dos Santos Mártires paraguaios. E, de tão curioso, fui olhar o Missal (livro litúrgico que contém a liturgia da Santa Missa). E ali eu li e tive um impacto, não sabia o que era, mas Deus me chamava a atenção para os três homens que deram a vida na evangelização. Homens de fibra e modelos de Santidade.

Quando chegamos a estas terras, em pouco tempo, Deus já nos lançou! Nós, como Igreja, fomos ao Núncio Apostólico e às autoridades. E, pouco a pouco, conhecemos os irmãos da missão. Que alegria cruzar as fronteiras de um país e saber que eu pertenço a uma família tão abençoada! De fato, a vivência do Carisma ressuscita. E esse ponto é crucial. 

A paróquia que estamos sofria com a falta de um pároco, era administrada por uma congregação de religiosos, mas não viviam aqui. Quando chegamos, víamos uma paróquia pouco frequentada. E, como Deus sempre nos surpreende, neste ano, vimos a mesma paróquia não só crescer no número de fiéis, muito mais do que isso, vimos uma paróquia crescer na fé e na oração. Como o meu fundador sempre nos disse: “Tudo pode ser mudado pelo poder da oração” (Monsenhor Jonas Abib). Como seminarista, esta foi uma grande graça: poder ver que o alcance da oração transforma tudo que fez e faz com o que estava parado e voltasse a se mexer, a ter nova vida. O Carisma Canção Nova tem poder de ressurreição! Os frutos do Espírito Santo se tornam visíveis. 

“Sem o Espírito Santo: Deus está longe, Cristo fica no passado, o Evangelho é letra morta, a Igreja não passa de mera organização, a autoridade é dominação, a missão é propaganda, o culto é uma evocação, o agir cristão é uma moral de escravos. Mas, com o Espírito Santo: O cosmos é elevado e geme as dores de parto do Reino, o homem luta contra a carne, Cristo está presente, o Evangelho é força que dá vida, a Igreja é sinal de comunhão trinitária, a autoridade é serviço libertador, a missão é um Pentecostes, a liturgia é memorial e antecipação, o agir humano é divinizado.” (INÁCIO DE LATAKIA, Discurso à Assembleia Mundial das Igrejas, julho 1968, em The Uppsala Report, Genebra, 1969, p. 298)

A missão Canção Nova, aqui, no Paraguai, já existia. A história da Canção Nova com o Paraguai vem de 2003, no primeiro grupo de jovens PHN. A semente cresceu, se desenvolveu; e Deus continuou a sustentar a obra que não é nossa, é de Deus. Evangelizamos sendo quem somos: Canção Nova. Nesses meses, muitas pessoas foram se abrindo à oração carismática, a uma vivência mais assídua e profunda com a Palavra de Deus, com mais adorações ao Santíssimo Sacramento, com nosso amor a Nossa Senhora, nosso trabalho santificado, com os princípios que nos regem… Características e modos essenciais da espiritualidade Canção Nova. 

Este ano, para mim, também foi bem especial porque tive a graça de ser responsável do Vocacional. Foi uma experiência gigantesca, onde vi o Carisma desabrochar em 31 pessoas. A restauração, a renovação, o acréscimo do cêntuplo foram visíveis. Ver o jardim florescer para aquele que plantou é um gozo enorme. Porque significa que as plantas foram regadas, cuidas, que a terra estava com o PH correto, que foram resistentes ao clima e às pragas… É um gozo, uma alegria que brota da alma. Pois, além de tudo isso, eu não sou nada. “Consola-me saber que o Senhor sabe trabalhar e agir também com instrumentos insuficientes.” (Bento XVI, 19 de Abril de 2005). Deus fez tudo crescer.

“Pois quem é Apolo? E quem é Paulo? Simples servos, por cujo intermédio abraçastes a fé, e isso conforme à medida que o Senhor repartiu a cada um deles: eu plantei, Apolo regou, mas Deus é quem fez crescer. Assim, nem o que planta é alguma coisa nem o que rega, mas só Deus, que faz crescer. 8.O que planta ou o que rega são iguais; cada um receberá a sua recompensa, segundo o seu trabalho. 9.Nós somos operários com Deus. Vós, o campo de Deus, o edifício de Deus.” (I Coríntios. 3, 5-9)

Eu escreveria um livro das experiências que vivi aqui e ainda estou vivendo, graças a Deus. Mas digo a vocês que agora chegaram a este ponto do texto: “Não tenhais medo de Cristo! Ele não tira nada, ele dá tudo. Quem se doa por Ele, recebe o cêntuplo. Sim, abri de par em par as portas a Cristo e encontrareis a vida verdadeira. Amém. (BENTO XVI, 24 de Abril de 2005).

Ser Canção Nova é bom demais!

Guilherme Razuk
Seminarista da Canção Nova em missão no Paraguai

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