TEMPO DA MISERICÓRDIA

A misericórdia trinitária

São João disse que “Deus é amor” (1Jo 4,8). O amor e a misericórdia em Deus são dois atributos que se completam. Todas as obras de Deus trazem estas duas marcas. Toda a Criação é obra desse amor e dessa misericórdia. 

Santo Tomás diz que “aberta a Mão de Deus pela chave do amor, as criaturas surgiram”. Toda a Criação é bela, seja mineral, vegetal ou animal; e tudo foi feito para o homem. “O homem é a única criatura que Deus quis por si mesma” (GS, 24). Tudo o mais foi feito para nós, o Cosmo, as trilhões de estrelas como o Sol, os pássaros do céu, as flores, os animais, os peixes… dão glória a Deus quando servem ao homem e lhe servem de alimento. (Cat. n. 2417). Tudo é fruto da misericórdia divina: “Os Céus e a Terra proclamam a Vossa glória!”

“Tudo é dom da misericórdia divina” | Foto: Arquivo CN

Mas Deus é também Justiça. Sem a Justiça divina a Sua misericórdia fica sem sentido. A justiça é a garantia da santidade. A justiça atua por força da santidade. Por que um pai corrige um filho, dá-lhe um castigo, corta a mesada, o passeio, a internet etc.? Porque o filho não está vivendo corretamente. Não está obedecendo a justiça. Quando a sociedade pune o criminoso, o corrupto, o estuprador etc., o faz para corrigir, para levar o homem à correção, à santidade.

É como que um dever e um direito de Deus nos punir quando pecamos. Primeiro, porque o pecado ofende a Majestade Infinita de Deus; segundo, porque a Sua santidade exige a nossa santidade, pois sem ela “não podemos ver a Deus” (Hb 12,14). Por isso, disse São Paulo que após a morte “importa que todos nós compareçamos diante do tribunal de Cristo. Ali cada um receberá o que mereceu, conforme o bem ou o mal que tiver feito enquanto estava no corpo” (2Cor 5,10). E no final da história Ele “virá para julgar os vivos e os mortos” (Credo). 

Mas a misericórdia divina ainda nos dá outra oportunidade de chegar à santidade após a morte: o Purgatório. E as indulgências parciais e plenárias aliviam essas penas. Elas não são decorrentes dos méritos de Cristo, da Virgem Maria e dos santos. Tudo é dom da misericórdia divina. Alguém paga pela satisfação da Justiça divina.

A humanidade toda, nascida de Adão, estava condenada ao inferno por causa do pecado original. O Salmista fala inúmeras vezes que o reino de Deus se mantém pelo direito e pela justiça, não pela força:

“Deus ama a justiça e o direito, da bondade do Senhor está cheia a terra” (Sl 32, 5). “Como a luz, fará brilhar a tua justiça; e como o sol do meio-dia, o teu direito” (Sl 36, 6).

Ora, como foi o homem quem ofendeu a Deus – uma ofensa de magnitude infinita, porque a Majestade de Deus é infinita – então, um homem deveria fazer essa reparação à Justiça divina ferida. Mas não havia um homem capaz disso, pois todos estavam envolvidos no pecado de Adão. O Catecismo diz que “ainda que o homem mais santo morresse na cruz, seu sacrifício seria insuficiente para reparar a ofensa à Majestade Infinita de Deus (cf. n. 616). 

Era preciso que um homem, que também fosse Deus, fizesse a oblação de sua vida de valor infinito. Então, o Verbo, no seio do Pai, ofereceu-se para fazer-se homem, assumir a natureza humana, e então poder morrer, oferecendo o valor Infinito de Sua oblação para reparar a ofensa da humanidade. Foi este aniquilamento do Verbo humanado que mostra toda a misericórdia divina. A Carta aos Hebreus explica isso: “Eis por que, ao entrar no mundo, Cristo diz: Não quiseste sacrifício nem oblação, mas me formaste um corpo. Holocaustos e sacrifícios pelo pecado não te agradam. Então eu disse: Eis que venho (porque é de mim que está escrito no rolo do livro), venho, ó Deus, para fazer a tua vontade (Sl 39,7ss)… Eis que venho para fazer a tua vontade… Foi em virtude desta vontade de Deus que temos sido santificados uma vez para sempre, pela oblação do corpo de Jesus Cristo. Cristo ofereceu pelos pecados um único sacrifício, e logo em seguida tomou lugar para sempre à direita de Deus” (Hebreus 10,5-12).

Aqui está o apogeu da Misericórdia de Deus: o Verbo se fez carne, a Misericórdia se fez homem, por obra do Espírito Santo, para nos salvar da morte eterna. Ele veio como o “Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo 1,29). Foi imolado por nós, por você e por mim (cf. Gl 2,20).

Logo que ressuscitou, no domingo, Jesus apareceu aos Apóstolos e instituiu o Sacramento da Confissão, para o perdão dos pecados, cujo perdão Ele tinha então conquistado. “Assim como o Pai me enviou, Eu envio a vós, a quem perdoardes os pecados, eles serão perdoados…” (João 20,22). A humanidade tinha agora o perdão à sua disposição; basta crer e ser batizado e será salvo. É a grande obra da misericórdia divina. Quando o sacerdote absolve o pecador, é o Sangue de Cristo que lava a sua alma. É o exercício da misericórdia. 

Mas, tem mais, como Ele sabia que o pecado original adoeceu e enfraqueceu a nossa natureza, então, Ele quis ficar pessoalmente conosco, para ser o “remédio e o sustento” de nossa vida. Então, aniquilou-se, fez-se Pão e Vinho, para ser comido e bebido, e poder estar em nossa alma. Excesso de misericórdia! Está hoje em todos os Sacrários da Terra, oculto, prisioneiro, aniquilado até o fim do mundo para nosso sustento. E ainda nos deixou a Igreja, os Sacramentos, a Sua Palavra, a oração litúrgica, a Sua Mãe para ser nossa mãe espiritual, para que possamos voltar para o Paraíso do qual fomos excluídos pelo pecado.

Como pagar a Jesus tanto amor, tanta misericórdia? São João da Cruz disse que “amor só se paga com amor”. Ele disse na Santa Ceia aos Apóstolos: “Se me amais guardareis os Meus Mandamentos” (Jo 14,15). 

Que a mesma misericórdia divina se compadeça de nós e nos ajude a dar a Deus uma resposta de amor. Que nossa vida seja um hino de louvor à Sua Majestade e à Sua Misericórdia.  “Ó Sangue e água que jorrastes do Coração de Jesus como fonte de misericórdia, eu confio em vós!”

Professor Felipe Aquino

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