Em que consiste a ascese?
A vida de todo cristão é marcada pelo desejo de se unir cada vez mais a Deus e, por isso, busca meios para realizá-los. É uma busca incansável de progredir como discípulos, eleitos e chamados para uma vivência de santidade e de integridade diante de Deus e seu amor por todos nós.
É necessário um esforço de nossa parte na autoconstrução de nossa personalidade, imagem e semelhança de Deus. O cristão, que busca esta autenticidade, deve corroborar a obrigação de uma disciplina de vida que liberte, em nós, a caridade para com Deus e para com os outros.
Há na essência da vida cristã uma exigência em dar uma resposta ao apelo evangélico e nisso há a necessidade de uma ascese, ou seja, exercitar o autodomínio e buscar a graça de Deus. Todo ser humano deve procurar o mínimo possível de ascese visando o desenvolvimento de suas potencialidades, ou seja, chegar à sua plenitude, à santidade.
Tudo é dom e graça de Deus, por isso, todo cristão necessita se aperfeiçoar e só no céu alcançaremos a perfeição absoluta. A experiência tem mostrado que nada se alcança sem esforço e disciplina. A graça está vinculada a uma assídua prática de oração, que, por sua vez, somente é possível quando se assume um mínimo de ascese.
A ascese é esta via que irá nos aproximar desse objetivo beatífico, ou seja, de ver Deus face a face, de O ver tal como Ele é
No entanto, o termo ascese parece ser algo tão duro para aqueles que estão desavisados e acomodados.
Segundo Tanquerey, na terra não podemos adquirir senão uma perfeição relativa, aproximando-nos sem cessar desta união íntima com Deus que nos dispõe para a visão beatifica.
Qual é a importância da ascese na vida do cristão? A ascese tem por finalidade recolocar o homem em sua verdade primeira, identificar-se com Deus. O termo ascese deriva do grego “áskesis”, que é definido como exercício ou treinamento esportivo. Para os autores cristãos, o termo ascese é um treinamento da alma fundamentado na busca das virtudes e fuga dos vícios ou tentação. Já os Padres Apostólicos entendem o termo como sentido filosófico (prática da paciência) e também de martírio.
Em que consiste então a ascese cristã? Treinar-se em vista de um fim: a perfeição cristã, assim, sem uma vida ascética, não se chegará a este fim. São Tomás de Aquino tem por convicção que a ascese não são somente fenômenos sobrenaturais, mas está pautada numa vida de comprometimento, seriedade, domínio da vontade, correção, retidão das paixões e abertura à ação da graça.
A graça, segundo São Tomás, colabora para animar a prática da ascese, ou seja, vida de união com Deus. Para o santo, enquanto estivermos nesta terra, a ascese será necessária e todos estão obrigados a ela. Para ele é tão importante uma vida de ascese, pois exige do homem uma busca rigorosa de intimidade com Deus e ao seu serviço. Tanquerey, ao falar de ascese, determina que é a “ciência dos santos”, pois estes ensinam a buscar com grande apreço e como viver a santidade e os meios para alcançá-la. Segundo ele, a ascese forma homens de vida interior ou espirituais que se deixam animar pelo Espírito Santo.
O objetivo da ascese é instruir as almas na vivência das virtudes que conduzem à perfeição cristã, à vida sobrenatural. É por meio da ascese que o cristão ocupa-se em dar seus primeiros passos para uma vida espiritual. A ascese cristã visa como o maior dos mandamentos o amor, a misericórdia como bem perfeito, que excede todos os bens e, assim, encontra–se um motivo válido para a prática das mortificações em nossa vida.
Tendo em vista que a boa vontade é insuficiente para a realização da caridade, que exige o domínio do corpo, faz-se necessário o uso de tais práticas para afugentar a inércia, a preguiça, o medo do esforço, o prazer da comodidade. Assim, a ascese está para a caridade assim como o relógio está para marcar as horas e seu objetivo é aperfeiçoar o homem na relação com Deus.
É próprio da ascese cristã à escuta e à submissão à vontade do próprio Deus, que pede a prática do amor ao próximo como sinal e expressão do amor que se tem por Ele. Dessa forma, a ascese se justifica por conta do fim de santificação: é para viver em profundidade o mandamento do amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo. Dos passos para iniciar este caminho ascético, segundo os Padres do Deserto, a meditação das Sagradas Escrituras é o primeiro para se chegar a uma vida de ascese, pois eles tinham consciência que, por meio desta assídua prática, podiam encontrar-se com Deus; e o objetivo da ascese é promover este encontro. O próprio Senhor Jesus ensinou aos seus discípulos tal prática.
A forma que os Padres do Deserto procediam era justamente levar um conselho, um ensinamento de vida que pretende levar as Sagradas Escrituras para o quotidiano dos homens, como luz para clarear o caminho de todos os cristãos. Agindo assim, eles marcavam suas reflexões pela prática assídua de uma ascese que exigia deles árduo esforço.
Conta-se que os monges de São Pacômio decoravam os Textos Sagrados, o que não é possível sem ascese. E, por isso, a experiência tem mostrado que nada se alcança sem esforço e disciplina. A ascese cristã tem na ascese de Cristo seu fundamento. Passando pela cruz com o Cristo, o asceta encontra a justificação de sua ascese, o servo não é maior do que o seu Senhor e em tudo o imita. É um contínuo morrer com Cristo (1 Cor 15,31; 2Cor 4,10-12), que tem no batismo seu símbolo.
Todos que buscam viver a ascese dizem que pela prática da ascese de Cristo cresce-se em virtude da caridade. A ascese cristã tem, por finalidade, erradicar o amor próprio e o egoísmo do coração do homem, levá-lo à superação de si e nele fazer progredir o amor divino: levar o homem a amar com o coração de Deus.
A via da ascese é a do sofrimento; a renúncia e as superações diárias tornam-se, na fé, eventos Pascais, ou seja, libertação da morte e do pecado, passagem da morte para a vida. A vida do Cristo no homem o exercita a viver aqui o que viverá na eternidade. A ascese é importante para os que querem avançar na senda espiritual porque permite um caminhar em direção a seu fim, que é a participação na vida divina.
A alma que se permite tal disciplina livra-se de suas imperfeições, apesar das barreiras que poderá encontrar dentro ou fora de si. Atento às moções do Espírito Santo em seu interior, o homem encontra o sentido profundo de sua submissão a Deus, porque se une à Pessoa de Jesus Cristo, assumindo-o como Salvador e Senhor. Paulo enfatiza que a vida em Cristo comporta o abandono do velho homem que faz as obras da carne, a qual obscurece a inteligência, guiando-a para o que é falso, isto é, as faltas contra a caridade, contra a temperança e contra a modéstia. O homem penitente ou o asceta tem no mártir o seu modelo, fundamentado no Cristo na Cruz, cruz essa que, como mistério escondido, expressa a mais sublime totalidade de entrega a si, Cristo crucificado na fidelidade até a morte, o asceta, abraça o martírio da cruz e atesta o seu poder salvífico.
João Batista aparece nas Sagradas Escrituras como o grande asceta, que, de forma pedagógica, insere seus discípulos no mistério ascético de Cristo, o qual, por sua vez, não dispensa a ascese, que terá sua expressão máxima na opção pela cruz. Trilhando este caminho de abnegação de si é que o cristão chegará às vias mais elevadas de união com Deus. O próprio Catecismo da Igreja Católica mostra a importância da ascese na vida cristã e como faz manter o vínculo com Cristo e a fidelidade à promessa do Batismo: “todo aquele que permanecer fiel às promessas de seu batismo e resistir às tentações cuidará em tomar os meios: o conhecimento de si, a prática de uma ascese adaptada às situações em que se encontra, a obediência aos mandamentos divinos, a prática das virtudes morais e a fidelidade à oração”.
Por fim, o Evangelho ensina que de nada adianta a um homem ter muitos bens materiais, grande conhecimento das ciências, belíssimo corpo, se sua alma estiver privada das virtudes e carcomidas pelos vícios. Por isso, a vida de ascese deve ser alimentada por uma assídua vida de meditação, leitura das Sagradas Escrituras e o Cristo como centro de nossa subida espiritual.