O mistério do sofrimento à luz da fé
Toda criatura, pelo fato mesmo de ser criatura, é limitada, finita, por isso pode cometer falhas e erros. Somente Deus é infalível. Essa é a razão primeira de, no mundo, haver tantas falhas, acidentes, catástrofes geradas por erros humanos.
Deus quis fazer o ser humano livre, pois a liberdade é um dom de grande valor, que diferencia o homem dos robôs e drones teleguiados; o homem pode escolher espontaneamente o rumo de sua vida e o teor de suas ações. A liberdade que Deus nos deu é a maior qualidade, é a que mais nos faz imagem e semelhança d’Ele. Ele disse a Santa Catarina de Sena, doutora da Igreja, que nem Deus nem o demônio podem tirar a liberdade da pessoa humana.
Assim, todo sofrimento que há no mundo é fruto dos pecados da humanidade, desde o pecado original. Uma pessoa não sofre por causa apenas dos seus pecados, mas pelos pecados de toda a humanidade, pois ela é unida e solidária.
Jesus disse aos discípulos: “Pensais vós que esses galileus que Pilatos matou entre o altar e o tempo foram maiores pecadores do que todos os outros galileus, por terem sido tratados desse modo? Não, digo-vos… Ou cuidais que aqueles dezoito homens, sobre os quais caiu a torre de Siloé e os matou, foram mais culpados do que todos os demais habitantes de Jerusalém? Não, digo-vos. Mas se não vos arrependerdes, perecereis todos do mesmo modo” (Lc 13,2-5). Vemos, então, que cada um sofre não somente por seus pecados.
Qual é o papel de Deus diante de tal realidade? O Criador poderia estar constantemente policiando o mundo, de modo que nunca houvesse algum desastre, algum mal. Contudo, Deus é Pai, mas não é paternalista. Ele deseja dar ao homem a oportunidade de se realizar com liberdade e nobreza, para isso recebeu de Deus inteligência, liberdade, vontade, consciência em memória, e devem usar tudo isso para o bem e não para a libetinagem. Deus não quer retirar do homem o precioso dom da livre opção; deixa o homem agir.
Mas como diz Santo Agostinho, Ele nunca permitiria o mal se não tivesse recursos, em sua sabedoria, para tirar do mal bens ainda maiores. Com outras palavras: Ele escreve direito por linhas tortas. Nem sempre vemos o bem que o Senhor tira dos males do homem, mas, em alguns casos, isto aparece: pensemos em alguém que leva uma vida no pecado e, um belo dia, quebra uma perna – como aconteceu com Santo Inácio de Loyola. Ele fica imobilizado, faz um retiro forçado que lhe dá a feliz ocasião de repensar a sua vida e reajustá-la segundo a vontade de Deus! Na verdade, o sofrimento tem um valor pedagógico, que os próprios gregos, antes de Cristo, professavam dizendo: “Páthos máthos”, isto é, o sofrimento é escola, é educação.
São Paulo diz: “Tudo concorre para o bem dos que amam a Deus” (Rom 8,28). E ainda: “Em todas as circunstâncias, dai glória a Deus, pois esta é a vontade de Deus a vosso respeito em Cristo Jesus” (1 Ts 5,17). Isso não quer dizer que eu devo dar glória a Deus por causa do sofrimento que eu estou passando; eu dou graças pelo bem que Deus vai tirar desse sofrimento, e que nós não sabemos o que é.
Penso que você já leu a história de José do Egito, filho de Jacó, que está no livro do Gênesis (caps 37 a 47). Uma história triste e alegre. José, ainda menino, foi vendido ao Egito como escravo por seus irmãos, por inveja. Mas lá ele se tornou o governador do Egito, porque, por visão, interpretou o sonho do Faraó, de que haveria 7 anos de fartura e, depois, 7 anos de fome. Tornou-se o governador e preparou o Egito para a fome. Então, o povo de Deus, de onde nasceria o Salvador, passava fome na Palestina, e foi para o Egito para se livrar da morte. Quando José se revelou a seus irmãos, estes ficaram com medo de serem presos e mortos pelo que lhe fizeram, mas José disse a eles:
“Não vos entristeçais, nem tenhais remorsos de me terdes vendido para ser conduzido aqui. É para vos conservar a vida que Deus me enviou adiante de vós… Deus enviou-me adiante de vós para que subsista um resto de vossa raça na terra, e para vos conservar a vida por uma grande libertação. Não sois vós, pois, que me haveis mandado para aqui, mas Deus mesmo. Ele tornou-me como o pai do faraó, chefe de toda a sua casa e governador de todo o Egito” (Gen 45,3-8).
Assim, frente aos males que nos afligem e afligem a humanidade, a atitude correta não está em blasfemar contra Deus, mas em procurar conscientizar o ser humano de suas responsabilidades. Certa vez, num sermão proferido para os fiéis em Hipona, exclamava S. Agostinho: “Não digais que os tempos são maus! Este é um chavão muito antigo. Quem faz os tempos são os homens. Quais formos nós, tais serão os tempos. Sede bons e os tempos serão bons. Não espereis que os outros comecem a ser bons. Sede bons desde já e vereis que o bem aparecerá em torno de vós!”.
Santo Agostinho ainda diz que: “Deus, às vezes, permite um mal hoje, para evitar outro mal pior amanhã”. Quem sabe o dia de amanhã? No livro “Diálogos”, em que Deus fala a Santa Catarina de Sena, Ele lhe diz que, às vezes, permite a uma pessoa morrer em um acidente para salvar a sua alma.
Diante de tudo isso, sejamos ainda melhores do que somos. Em consequência, o nosso ambiente se transformará com a graça de Deus.
São Paulo disse: “Eu completo, na minha carne, o que falta à paixão de Cristo, pelo Seu Corpo que é a Igreja” (Col 1,24). Assim, é um grande mérito para nós diante de Deus, oferecer cada sofrimento a Deus pela edificação da Igreja e salvação das almas.