Tudo converge para a experiência de comunhão e participação, em vista da grande tarefa da Missão evangelizadora.
Os atuais desafios nos recordam magistrais ensinamentos de São João Paulo II: “Fazer da Igreja a casa e a escola da comunhão: eis o grande desafio que nos espera se quisermos ser fiéis ao desígnio de Deus e corresponder às expectativas mais profundas do mundo. Antes de programar iniciativas concretas, é preciso promover uma espiritualidade da comunhão. Espiritualidade de comunhão significa em primeiro lugar ter o olhar do coração voltado para o mistério da Trindade, que habita em nós e cuja luz há de ser percebida também no rosto dos irmãos que estão ao nosso redor. Espiritualidade da comunhão significa a capacidade de sentir o irmão de fé na unidade profunda do Corpo Místico, isto é, como um que faz parte de mim, para saber partilhar as suas alegrias e os seus sofrimentos, para intuir os seus anseios e dar remédio às suas necessidades, para oferecer-lhe uma verdadeira e profunda amizade. Espiritualidade da comunhão é ainda a capacidade de ver antes de tudo o que há de positivo no outro, para acolhê-lo e valorizá-lo como dom de Deus: um dom para mim, como o é para o irmão que diretamente o recebeu. Por fim, espiritualidade da comunhão é saber criar espaço para o irmão, levando os fardos uns dos outros (Gl 6,2) e rejeitando as tentações egoístas que sempre nos insidiam e geram competição, arrivismo, suspeitas, ciúmes. Não haja ilusões! Sem esta caminhada espiritual, de pouco servirão os instrumentos exteriores da comunhão. Revelar-se-iam mais como estruturas sem alma, máscaras de comunhão, do que como vias para a sua expressão e crescimento” (Cf. São João Paulo II, Novo Millenio ineunte,43).
Fixemo-nos na primeira proposta de São João Paulo II, a saber, ter o coração voltado para o mistério da Trindade! A Igreja não se organiza a modo de um parlamento, mas precisa olhar continuamente para o alto! O Pai das luzes e Criador, quando, digamos assim, abre a boca, nos Evangelhos, volta-se para o Filho amado, como acontece no Batismo de Jesus no Rio Jordão na Transfiguração e uma terceira vez: “Pai, glorifica o teu nome! Veio, então, uma voz do céu: Eu já o glorifiquei, e o glorificarei de novo” (Jo 12,28). O Filho amado sempre se volta para o Pai, sua vontade e o Reino de Deus. Ele veio para revelar que Deus é Pai e que Deus é família, Comunhão, também quando anuncia o Espírito Santo de amor a ser derramado sobre a Igreja. O Espírito Santo, por sua vez, vem para explicar tudo e dar à Igreja a força necessária à Evangelização. O Pai ama o Filho, o Filho é o amado e o Espírito Santo é amor! Na Solenidade da Santíssima Trindade, assim reza a Igreja na Liturgia das Horas: “O Pai é amor, o Filho é graça, o Espírito Santo é comum união: Ó Trindade Feliz! O Pai é veraz, o Filho é verdade, o Espírito Santo é verdade também: Ó Trindade Feliz!”.
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Desçamos ao terreno da prática eclesial, como temos aprendido ao fazer as escutas no estilo sinodal em que somos iniciados nesse tempo. Ao nos reunirmos, temos o desafio de “pensar grande”, olhar a Igreja como um todo e não realizar reuniões e assembleias em competição entre grupos ou setores de atividade. Quem transformar sua participação em reinvindicação de tais grupos apenas prejudicará a caminhada da Igreja como um todo!
Outro passo será justamente a escuta recíproca, criando condições para que todas as pessoas se expressem e mostrem suas razões e seus legítimos anseios, especialmente os mais frágeis. A escuta exige o esvaziamento de nós mesmos, para que os outros consigam se expressar. Quando já estamos preparando interiormente a contestação de quem fala, já começamos a introduzir um “ruído” na comunicação! Será excelente se criarmos as condições para que se manifestem os mais jovens, os mais pobres e os mais simples. Voltamos à sabedoria de São João Paulo II: “É preciso assumir aquela antiga sabedoria que, sem prejudicar em nada o papel categorizado dos Pastores, procurava incentivá-los à mais ampla escuta de todo o povo de Deus. É significativo o que São Bento lembra ao abade do mosteiro, ao convidá-lo a consultar também os mais novos: ‘É frequente o Senhor inspirar a um mais jovem um parecer melhor’. E São Paulino de Nola exorta: ‘Dependemos dos lábios de todos os fiéis, porque, em cada fiel, sopra o Espírito de Deus’” (Novo Millenio ineunte 45).
A escuta exige o esvaziamento de nós mesmos, para que os outros consigam se expressar.
A Trindade é feliz! Nela circula apenas o amor! Em nossa vida de Igreja, a alegria e a felicidade virão à tona não quando a pessoa mais falante ou capaz de influenciar os outros for vitoriosa nas decisões. Será melhor o menos perfeito em comunhão do que o aparentemente mais perfeito no isolamento ou na imposição. E teremos a coragem para assumir os pequenos passos, aceitando a aparente lentidão, que expressa a gradualidade necessária e formativa, para chegarmos ao mais perfeito, cujo modelo está no Céu e não na terra. Certamente será exigente fazer este percurso, especialmente em tempos correntes de competição e de rivalidade na sociedade, mormente no contexto de campanha eleitoral!
Haveremos de ter a coragem de ser diferentes para melhor, pois a Igreja permanece e tem a garantia da presença de seu Senhor, que está conosco até o fim dos tempos! Continua verdadeira a palavra do Evangelho: “Depois de falar com os discípulos, o Senhor Jesus foi elevado ao céu e sentou-se à direita de Deus. Então, os discípulos foram anunciar a Boa Nova por toda parte. O Senhor os ajudava e confirmava sua palavra pelos sinais que a acompanhavam” (Mc 16,19-20). A nós, cabe atualizá-la, agindo em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo!
DOM ALBERTO TAVEIRA CORRÊA
Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará