Entramos em julho, mês em que a piedade dos cristãos se volta para o Sangue Preciosíssimo de Nosso Senhor Jesus Cristo. Para iniciar esse artigo, usamos as palavras de São Tomás de Aquino, Doutor da Igreja, que compôs um hino que nos ajuda a meditar mais profundamente sobre este tema:
Em latim…
Pie pellicane, Ihesu domine,
me immundum munda tuo sanguine.
Cuius una stilla sluum facere, totum mundum posset omni scelere.
Bom pelicano, Senhor Jesus!
Limpai-me a mim, imundo, com o vosso Sangue, Sangue do qual uma só gota
pode salvar do pecado o mundo inteiro.
O convite que lhe faço é mergulhar em uma devoção viva e cotidiana “a se volverem com ardente fervor para a expressão divina da misericórdia do Senhor sobre as almas individuais, sobre a sua Igreja santa e sobre o mundo inteiro, dos quais todos Jesus continua sendo o Redentor e o Salvador (João XXIII, Carta Apost. Inde a primis, em AAS, 52 [1960] 545-550): o Sangue de Cristo, preço do nosso resgate, penhor de salvação e de vida eterna” (idem, 9). Pois, este Sangue caiu sobre todos nós; “derramado por muitos em remissão dos pecados” (cf. Mt 26,28).
A nossa história é regida pela Providência de Deus e, ao falar desta antiga devoção que nos traz inúmeros frutos para a vida espiritual, é bom recordar que a devoção ao Preciosíssimo Sangue de Jesus, da qual foi propagador admirável no século passado o Padre romano, São Gaspar del Bufalo, teve o merecido consentimento e o favor da Sé Apostólica. Com efeito, importa recordar que, por ordem de Bento XIV, foram compostos a Missa e o ofício em honra do Sangue adorável do divino Salvador; e que Pio IX, em cumprimento de um voto feito em Gaeta, quis que a festa litúrgica fosse estendida à Igreja universal. Ou seja, os Papas “ligaram no céu”, com as chaves que Jesus deu a São Pedro, esta grande devoção! Assim como está na Palavra Revelada: “Em verdade vos digo: tudo o que ligardes sobre a terra será ligado no céu, e tudo o que desligardes sobre a terra será desligado no céu” (Mt 18,18). Essa mesma grande promessa que Ele já tinha feito a Pedro, como Cabeça visível da Igreja (cf. Mt 16,18), estende para todo o Colégio Apostólico unido e submisso a Pedro. Por isso, ao entramos no mês dedicado ao Sangue de Cristo, preço do nosso resgate, penhor de salvação e de vida eterna, como os fiéis façamos ainda mais meditações e orações mais profundas acerca deste tema tão rico. Iluminados pelos salutares ensinamentos que promanam dos Livros sagrados e da doutrina dos padres e doutores da Igreja, reflitam no valor superabundante, infinito desse Sangue verdadeiramente preciosíssimo, do qual uma só gota pode salvar o mundo todo de toda culpa”, como canta a Igreja com o Angélico Doutor no hino que citamos acima, e como sabiamente confirmou o Papa Clemente VI na Bula Unigenitus Dei Filius (1843) (Cf. Carta Apostólica Inde a Primis, São João XXIII).
Biblicamente comprovamos nas Cartas de S. Pedro, S. Paulo uma grande eloquência ao pregarem até a morte sobre o Sangue de Jesus, como exemplo: “Portai-vos com temor durante o tempo do vosso exílio. Pois sabeis que não foi com coisas perecíveis, isto é, com prata ou ouro que fostes resgatados…, mas pelo sangue precioso de Cristo, como de um cordeiro sem defeito e sem mácula” (1 Pd 1,1719); ou ainda: “Alguém pagou alto preço pelo vosso resgate; glorificai, portanto, a Deus em vosso corpo” (l Cor 6,20).
Quanto mais dignos, mais edificantes seriam os seus costumes, quanto mais salutar para a humanidade inteira seria a presença, no mundo, da Igreja de Cristo! E, se todos os homens secundassem os convites da graça de Deus, que os quer todos salvos (cf. 1 Tm 2,4), porque ele quis que todos fossem remidos pelo Sangue de seu Unigênito, e chama todos a serem membros de um só corpo místico, do qual Cristo é a Cabeça, então quanto mais fraternas se tornariam as relações entre os indivíduos, os povos, as nações, e quanto mais pacífica, quanto mais digna de Deus e da natureza humana, criada a imagem e semelhança do Altíssimo (cf. Gn 1,26), se tornaria a convivência social! Portanto, sempre e em tudo, nosso amor a Jesus nos leva também ao amor ao próximo.
O Sangue de Cristo, puríssimo e preciosíssimo, que foi derramado não só no Sagrado Lenho, mas, gota a gota, desde de Quinta-feira Santa, “quando chega a hora marcada por Deus para salvar a humanidade da escravidão do pecado, contemplamos em Getsêmani Jesus Cristo que sofre dolorosamente, até derramar um suor de sangue (cfr. Lc 22,47) São Josemaría Escrivá, em sua obra “Amigos de Deus”. Porque estava convencido de que cada alma é um tesouro maravilhoso; com efeito, cada homem vale todo o Sangue de Cristo, assim São João Paulo II se referiu a S. Josemaría, na praça de São Pedro, 7 de outubro 2002. Por isso devemos ouvir a voz dos Santos, nos livros que eles escreveram e na vida tão rica em testemunho que deram. Os Santos já descobriram o grande valor que cada alma tem diante de Deus. Nós custamos o Sangue Santíssimo de Jesus Cristo!
E São Paulo na carta aos Hebreus eleva o povo que o escutava a não voltar para a antiga aliança, uma vez que ela foi o prelúdio da nova aliança, assinada com o Sangue de Cristo: “Mas vós vos aproximastes do monte Sião e da cidade de Deus vivo, a Jerusalém celestial, e de milhões de anjos reunidos em festa, e da assembleia dos primogênitos cujos nomes estão inscritos nos céus, e de Deus o juiz de todos, e dos espíritos dos justos que chegaram à perfeição, e de Jesus, mediador de uma nova aliança, e do sangue da aspersão mais eloqeente que o de Abel” (Hebreus 12,22-24). Tenha certeza de que todos nós fomos aspergidos com o seu Sangue (cf. 1 Pd 1, 2).
O jorrar do sangue de Cristo constitui a nascente da vida da Igreja. Como sabemos, São João vê na água e no sangue que jorram do corpo de nosso Senhor o manancial daquela vida divina que é conferida pelo Espírito Santo e que nos é comunicada nos sacramentos (cf. Jo 19, 34; cf. 1 Jo 1, 7; 5, 6-7). A Carta aos Hebreus extrai, poderíamos dizer, as implicações litúrgicas deste mistério. Através do seu sofrimento e da sua morte, da sua auto-entrega no Espírito eterno, Jesus tornou-se o nosso sumo Sacerdote e «o mediador de uma nova aliança» (9, 15). Estas palavras evocam as mesmas palavras proferidas pelo Senhor na última Ceia, quando Ele instituiu a Eucaristia como sacramento do seu corpo, oferecido por nós, e do seu sangue, o sangue da nova e eterna aliança derramado pela remissão dos pecados (cf. Mc 14, 24; Mt 26, 28; Lc 22, 20).
Fiel ao mandato de Cristo: «Fazei isto em memória de mim» (Lc 22, 19), a Igreja em todos os tempos e lugares celebra a Eucaristia, até que o Senhor volte na glória, alegrando-se na sua presença sacramental e haurindo da força do seu sacrifício de salvação para a redenção do mundo inteiro. A realidade do Sacrifício eucarístico esteve sempre no âmago da fé católica; posta em discussão no século XVI, ela foi solenemente confirmada durante o Concílio de Trento, no contexto da nossa justificação em Cristo (BENTO XVI, Homilia, 2010).
Jesus, naquela fatídica Quinta-Feira Santa, institui o Sacerdócio e a Santíssima Eucaristia, suas ordens são explícitas: “Fazei isto em memória de Mim” (1 Cor 11, 24.25), São João Paulo II ratifica que disse duas vezes, distribuindo o pão que se tornou o seu Corpo e o vinho que se tornou o seu Sangue. “Dei-vos exemplo para que, assim como Eu fiz, vós façais também” (Jo 13, 15) recomendara pouco antes, depois de ter lavado os pés aos Apóstolos. Por conseguinte, os cristãos sabem que devem “fazer memória” do seu Mestre ao prestar-se reciprocamente o serviço da caridade: “lavar os pés uns aos outros”. Em particular, eles sabem que devem recordar Jesus repetindo o “memorial” da Ceia com o pão e o vinho consagrados pelo ministro que repete sobre eles as palavras então pronunciadas por Cristo. A comunidade cristã começou a fazer isto desde os primeiros tempos, como ouvimos afirmar por São Paulo: “Todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, anunciais a morte do Senhor até que Ele venha”
(1 Cor 11, 26).
Por conseguinte, memorial em sentido pleno é a Eucaristia: o Pão e o Vinho, por ação do Espírito Santo, tornam-se realmente o Corpo e o Sangue de Cristo, que se oferece como alimento para o homem no seu caminho na terra. É a mesma lógica de amor que preside à encarnação do Verbo no seio de Maria e ao seu tornar-se presente na Eucaristia. É o ágape, caritas, o amor no sentido mais belo e puro. Jesus pediu insistentemente aos seus discípulos que permanecessem nesse amor. Ademais, por isso, enquanto fixamos o olhar em Jesus que institui a Eucaristia (Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo), tomemos de novo consciência da importância dos presbíteros na Igreja e do seu vínculo com o Sacramento eucarístico. Na Carta que escrevi aos Sacerdotes para este dia santo, quis repetir que dom e mistério é o Sacramento do altar, dom e mistério é o Sacerdócio, tendo surgido os dois do Coração de Cristo durante a Última Ceia. Só uma Igreja enamorada da Eucaristia gera, por sua vez, vocações sacerdotais santas e numerosas. E faz isto através da oração e do testemunho da santidade, oferecida de modo especial às novas gerações. (cf. Jo 15. 9). (cf. Homilia da Santa Missa “In Cena Domini”, 8 de Abril de 2004).
E concluímos com a figura emblemática de José de Arimateia, homem que aparece nos quatro Evangelhos, que o mencionam no contexto da Paixão e da morte de Cristo. Era oriundo de Arimateia (Armathahim, em hebreu), um povoado de Judá — a atual Rentis — situado a 10 km a nordeste de Lida, que por sua vez é o provável lugar de nascimento de Samuel (1Sam. 1,1). Homem rico (Mt. 25,57) e membro ilustre do Sinédrio (Mc. 15,47).
Era discípulo de Jesus, mas guardava esta amizade em segredo, era discípulo de Jesus. Assim como, Nicodemos, por temor às autoridades judaicas daquela época (João 15,38). Há uma lenda, ou seja, não possui fundamento históricos, de que ele teria lavado o corpo de Cristo, recolheu a água e o sangue num recipiente e depois dividiu o conteúdo com Nicodemos. Uma lenda que foi difundida na França e nas Ilhas britânicas e que ganhou novos coloridos ao longo dos séculos XI a XIII, inserindo-se no ciclo do Santo Graal e do Rei Arthur (cf. G. D. GORDINI, “Giuseppe di Arimatea”, in Biblioteca Sanctorum VI (Roma, 1965) pp. 1292‑1295). Portanto, apenas uma lenda.
E aproveitando deste relato, imagine que grande Graça ser um discípulo de Cristo e ter a honra de ajudar a depositar o seu Santíssimo Corpo no Sepulcro. Aquele lugar que era considerado um túmulo, foi testemunha da ressurreição daquele que disse aos discípulos: “A este Jesus, Deus o ressuscitou: do que todos nós somos testemunhas” (At 2,32). “Vós o matastes crucificando-o por mãos de ímpios. Mas Deus o ressuscitou, rompendo os grilhões da morte” (At 2,23b-24a). Na casa de Cornélio, Pedro repetiu: “Eles o mataram, suspendendo-o num madeiro. Mas Deus o ressuscitou ao terceiro dia, e permitiu que aparecesse (…) às testemunhas que Deus havia predestinado, a nós que comemos e bebemos com ele, depois que ressuscitou” (At 10, 39b-41). O primeiro acontecimento da manhã do Domingo de Páscoa foi a descoberta do sepulcro vazio (cf. Mc 16, 1-8). E nestes tempos, nós, que comungamos o Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo na Eucaristia, tornamo-nos homens e mulheres unidos a Jesus! Cada dia mais perfeitamente pela imitação de Cristo, nas Virtudes e Bem-Aventuranças. Tudo isso deve ser levado em conta, porque “Se Cristo não ressuscitou, vazia é a nossa esperança, vazia também é a vossa fé” (1Cor 15,14). O Sangue de Cristo foi derramado por nós! De maneira dolorosíssima no Madeiro. E agora vem até nós, presentificado e incruento (sem dor) na Santíssima Eucaristia, a cada Missa. E como “José de Arimateia”, somos “Josés”, porque guardamos o Corpo de Cristo em nós a cada Santa Missa. E nós que antes éramos “sepulcros” pela vida depravada ou inconscientes da presença de Deus, tornamo-nos Sacrários vivos de Amor! E assim cada vez mais: “Deus será tudo em todos” (1 Cor 15,28).
Bendito seja o Santíssimo Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo!
Guilherme Razuk/ @guilhermerazuk
Seminarista comunidade Canção Nova
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