A Palavra encarnada no projeto de Deus
Sabemos que o Evangelho de João é teológico. Não se trata de uma biografia de Jesus, mas de uma interpretação da sua pessoa e obra, feita por uma comunidade através da sua experiência de fé. Podemos dizer que suas linhas mestras são duas: o tema da criação e o da Páscoa-aliança. Tendo esta compreensão, analisemos a declaração de João (1, 19-28) tendo por base o livro “Evangelho de João” de Juan Barreto e Juan Mateos.
O prólogo (1,1-18) é um hino a Jesus, a Palavra que mostra à humanidade quem é Deus. Ele inicia mostrando a Palavra junto de Deus, desde sempre, e conclui que essa Palavra, encarnada em nosso meio, dá a conhecer plenamente o projeto de Deus.
No primeiro dia da semana, temos o testemunho de João Batista. Testemunho que acontece em meio a conflitos, pois “as autoridades dos judeus enviaram de Jerusalém sacerdotes e levitas para perguntarem a João: Quem é você?” (v.19). João está diante de uma comitiva investigadora, ou seja, diante do poder econômico, político, religioso e ideológico. Esse fato mostra que a atividade de João provocava as suspeitas das autoridades judaica, que já sentia insegurança dos movimentos populares. Como se sabe, um dos principais objetivos do Messias seria a reforma das instituições e a deposição da hierarquia, considerada indigna.
João testemunha que ele não é o Messias. A expressão “eu não sou” deixa aberto o espaço para a grande revelação que Jesus fará ao longo do evangelho: EU SOU.
A comissão investigadora quer saber se ele é Elias, o profeta que deveria restaurar Israel, restabelecendo as tribos de Jacó. Elias que prega a fidelidade à Lei. João nega, portanto, ser Elias e está anunciando alguém que trará algo totalmente novo, como consta no prólogo: “A Lei foi da por Moisés, mas o amor e a fidelidade vieram através de Jesus Cristo” (1,17). O batismo de João é sinal de ruptura com as instituições da Lei.
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Os representantes do poder central querem saber se ele é Profeta. O título de “o Profeta” alude a Dt 18,15.18, porque chegou-se a postular que apareceria um segundo Moisés. João nega ser alguém que vai defender a prática da Lei. Aqui, percebe-se a tríplice negação de João, porque as três figuras vão ser representadas por Jesus. O Messias, Elias e o Profeta encarnavam diversos aspectos da salvação esperada como instrumentos do Espírito.
João Batista se define como mera voz, anunciada desde tempos remotos. Uma voz que grita no deserto. Deserto que recorda a caminhada do povo de Deus rumo à liberdade e à vida. João é alguém que prepara o povo para a libertação que vai acontecer em Jesus, uma vez que as autoridades judaicas mantém o povo na escravidão. Opõem-se à luz-vida de que João dá testemunho, eles são as trevas (1,5).
Jesus é o inaugurador de um tempo novo para o povo.
Na comissão de inquérito há fariseus, que são observantes e guardiões da Lei. Para os fariseus, batizar-se era sinônimo de adesão à Lei. João Batista afirma que seu batismo não vincula as pessoas à prática da Lei. Ao contrário, seu batismo é o sinal pelo qual as pessoas se dispõem a acolher a novidade libertadora de Jesus. Jesus já está presente, mas ele será conhecido através do testemunho dos que o aceitam.
João afirma sua inferioridade com respeito ao que vem, declarando que não tem gabarito para ocupar o seu lugar. Afirmando que não é digno de desatar as correias da sandália (Lei judaica do levirato), João anuncia Jesus como Esposo, que anuncia a inauguração da aliança nova.
A sua localização (v. 28 do outro lado do Jordão) confirma a interpretação do seu batismo: ruptura e adesão à esperança do libertador que chega. Portanto, João agora vai desaparecendo e Jesus vai assumindo o protagonismo. Jesus é o inaugurador de um tempo novo para o povo.
Ricardo Cordeiro
Seminarista da Comunidade Canção Nova