Este versículo expressa a beleza do mistério da salvação. Deus, em sua providência, escolheu chorar com lágrimas humanas, a perda do amigo, a incompreensão do seu povo. Suas lágrimas são o sacramento de um amor incondicional e gratuito, que o levou à experiência do “esvaziamento” para preencher a vida daqueles que o esqueceram.
O luto não está exclusivamente ligado à morte, pode ser vivenciado também quando do fim de um relacionamento, numa situação de doença grave, a perda de um emprego, A perda de um animal ou objeto de estimação, uma situação extrema ou, ainda, em casos de acidentes graves que resultam em alguma forma de incapacidade. São situações nas quais, no primeiro momento, parece, para a pessoa que sofre, como se fosse o “fim do mundo”.
Esse estado de sofrimento extremo, na maior parte das vezes, não perdura no tempo. A superação do luto ocorre gradativamente; o luto é um processo e não um evento. Vamos recuperando a energia, e o nosso Eu vai voltando a se organizar e se fortalecer.
Cada pessoa lida de uma forma diferente com seus sentimentos, e cada um tem seu jeito de reagir ao luto, tentarmos nos enganar, driblar o luto, sermos ‘fortes’, fingir que não é nada não é o mais adequado; é melhor aprendermos com a dor da perda, buscarmos nossas estratégias de superação e consideramos que a maioria de nós passa pelo luto, sem necessidade de apoio de especialista.
Há sim quem, aparentemente, não é afetado pelo impacto do luto, são pessoas que não choram no velório ou funeral, mostram-se fortes, resilientes, com retorno à vida cotidiana em pouco tempo. Dentre esses, porém, há um outro grupo que, depois de um tempo, passam a apresentar sintomas emocionais e físicos que podem evoluir para a depressão.
Tanto a pessoa enlutada, que perdeu uma pessoa próxima, quanto seus familiares e amigos e profissionais da saúde devem estar atentos para os sinais, pois o luto pode se desenvolver para uma depressão, ou seja, de um transtorno que precisa de tratamento especializado.
Vários autores trataram do tema, mas foi a psiquiatra suíça Elizabeth Kübler-Ross, que, em seu livro de 1969, apontou os possíveis cinco estágios da morte, do luto, da perda:
1- Negação e isolamento, quando temos a sensação de que aquela pessoa que perdemos pode entrar a qualquer momento pela porta. É um mecanismo de defesa, momento em que temos dificuldade em aceitar, acreditar que realmente aconteceu. Nessa fase, são comuns frases como: “Isso não pode estar acontecendo!”
2- Cólera ou raiva, quando a inconformidade dá lugar à revolta, a sentimentos como raiva e ressentimento, quase sempre projetados no ambiente externo, como se o mundo, os outros, Deus, fossem causadores do sofrimento. Nesse momento são comuns frases como: “Por que eu? Não é justo!”
3- Negociação, fase em que faríamos tudo que as coisas voltassem a ser como eram antes, sem perda, sem dor. Fazemos aqui um tipo de negociação, muitas vezes apenas interna, algumas vezes de cunho religiosa. As frases mais comuns da negociação são do tipo: “Me deixe viver apenas até meus filhos crescerem”, “Vou mudar, vou parar de beber e fazer tudo certo agora”.
4- Depressão, o momento de tristeza profunda, desolação, desesperança, medo. Ocorre aqui um período de introspecção e necessidade de isolamento. O choro constante muitas vezes vem acompanhado de pensamentos como: “Nada mais vale à pena”, ou “Não consigo lidar com isso”.
5- Aceitação, quando o sofrimento não é tão debilitante, e aprendemos com a dor, nos preparamos para seguir em frente, para voltarmos às nossas atividades. A mente, mais clara, abre espaço para pensamentos como “tudo vai acabar bem”.
Essas cinco fases fazem parte do luto, mas a duração e intensidade de cada fase variam. É que, além do jeito pessoal de cada um lidar com seus sentimentos, a morte não traz apenas a perda de uma pessoa querida, mas de todo o contexto, como suas funções dentro de uma casa, suas atividades, e isso influencia na adaptação do enlutado.
Cada um com seu tempo
No período do luto, é desaconselhável tomar qualquer decisão importante. Mas é importante que haja espaço para cada um. Podemos falar, ler, trocar experiências e, principalmente, não termos vergonha de nossa dor. Ela não é exagerada, ela é do nosso tamanho! E é transitória. A sombra do luto pode ficar em nós, mas a dor pode ser amenizada. As pessoas próximas podem acolher, procurar compreender, sem negar a condição do luto; devem ser tolerantes, permanecendo ao lado, em condição de apoio ou disponibilidade à pessoa enlutada, permitindo que essa pessoa possa falar e se abrir e não se sentir sozinha. Será preciso tomar novos rumos, reelaborar a vida. É necessário respeitar o tempo de cada um. O tempo é a fé em Cristo Ressuscitado são garantias desta reelaboração.
Padre Lício de Araújo Vale
Diocese de São Miguel Paulista (SP)
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* Pe. Lício Vale, que é especialista em luto, e o missionário da Comunidade Canção Nova, Rodrigo Luiz, participam da live “Como viver o luto à luz da fé” nesta terça-feira, Dia de Finados, às 20h, pelo Instagram do Santuário (@santuariodopaidasmisericordias). Participe!