DIA MUNDIAL DOS ENFERMOS

Estive doente e visitastes-Me

Vinde benditos de meu Pai! Recebei como herança o Reino que meu Pai vos preparou desde a criação do mundo! Estive doente e visitastes-Me”

Comecemos por uma palavra que é dita muitas vezes pelo Papa Francisco: Misericórdia. Se traçássemos uma linha histórica, veríamos que, no seu pontificado até o presente momento, muito do que é Misericórdia foi dito, vivido e incentivado pelo Romano Pontífice. Tanto é que seu lema pontifício, também conhecido como “mote” diz de “misericórdia”: “miserando atque eligendo”, retirado das homilias de São Beda, o venerável:

“[…] (Hom. 21; CCL 1, 22, 149-151): o qual, comentando o episódio evangélico da vocação de São Mateus, escreve: «Vidit ergo Iesus publicanum et quia miserando atque eligendo vidit, ait illi Sequere me» (Viu Jesus um publicano e dado que olhou para ele com sentimento de amor e o escolheu, disse-lhe: Segue-me)” (Explicação do brasão. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/elezione/stemma-papa-francesco.html. Acesso 28/01/2022). 

“Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso” | Foto ilustrativa

E, neste ano, em que o Papa nos mostra que o enfermo é mais importante que a doença, e que a verdadeira caridade está em se colocar ao lado destas pessoas, vem à tona o tema para o XXX Dia Mundial dos Enfermos: “Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso” (Lucas 6,36). Que riqueza seria se obedecêssemos as palavras do vigário de Cristo! O Papa, como uma seta que aponta para o caminho correto, ratifica sempre em suas palavras que devemos seguir Cristo. Deixar-se inebriar com os sentimentos do Cristo é uma grande conversão, pois seu desejo maior está em fazer com que nosso olhar se cruze com o olhar do Cristo naquele enfermo. E de maneira forte e insistente, o Papa declara:  

“Voltar o olhar para Deus, «rico em misericórdia» (Ef 2, 4), que olha sempre para os seus filhos com amor de pai, mesmo quando se afastam d’Ele. Com efeito, a misericórdia é, por excelência, o nome de Deus, que expressa a sua natureza não como um sentimento ocasional, mas como força presente em tudo o que Ele faz”.  (FRANCISCO, Papa. Mensagem de sua santidade Papa Francisco, para o XXX Dia Mundial dos Enfermos (11 de fevereiro de 2022). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/messages/sick/documents/20211210_30-giornata-malato.html. Acesso 28/01/2022. 

Que este artigo abra os seus olhos para os que sofrem, não só o sensibilize, emocione ou fique na superfície dos seus sentimentos. Não! O mundo prega a fantasia e a ilusão de que devemos excluir os fracos, abandonar o ineficientes e até mesmo descartá-los. Vale a pena lembrar as palavras da obra Imitação de Cristo: “Somente os servidores da Cruz encontram o caminho da felicidade e da verdadeira luz” (Liv. 3, cap. 56). O Cirineu carregou a própria cruz e ainda carregou a Cruz de Jesus. No começo, deve ter sido muito difícil, até pela humilhação de estar perto do “ladrão”, porém, depois, aquele homem não queria mais se afastar do Cristo crucificado. Assim, também nós devemos nos colocar com caridade, autossacrifício e reta intenção, pois estamos ajudando o outro a carregar a cruz. E no sentido ainda mais místico, ajudamos o Cristo que padece no corpo daquele enfermo. São Josemaría Escrivá costumava dizer: “A alegria tem as raízes em forma de cruz” (Forja, n. 28), esta é a sabedoria dos santos.

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O Papa faz uma citação interessante, de um grande pensador do século XX, e sugere-nos uma razão: “A dor isola duma forma absoluta, e é deste isolamento absoluto que nasce o apelo ao outro, a invocação ao outro” (E. Levinas, «Une éthique de la souffrance», in: J.-M. von Kaenel (ed.), Souffrances. Corps et âme, épreuves partagées (Autrement, Paris 1994), 133-135). Quando vivemos a prostração, por causa de uma doença ou de um acidente, ou talvez até advinda de raízes emocionais, o meu e o seu coração desejam a companhia de um outro. O Papa continua sua mensagem dizendo que quando uma pessoa experimenta na própria carne a fragilidade e o sofrimento por causa da doença, também o seu coração se sente acabrunhado, cresce o medo, multiplicam-se as dúvidas, torna-se mais impelente a questão sobre o sentido de tudo o que está a acontecer. A propósito, como não recordar os numerosos enfermos que, durante este tempo de pandemia, viveram a última parte da sua existência na solidão duma Unidade de Terapia Intensiva, certamente cuidados por generosos profissionais de saúde, mas longe dos afetos mais queridos e das pessoas mais importantes da sua vida terrena? Daqui, vemos a importância de se ter ao lado testemunhas da caridade de Deus, que, a exemplo de Jesus, misericórdia do Pai, derramem sobre as feridas dos enfermos o óleo da consolação e o vinho da esperança (Cf. Missal Romano, Prefácio Comum VIII “Cristo, o bom samaritano” e n.2 da “Mensagem para o XXX Dia Mundial do Doente”).

Ressalta-se que o doente é o mais importante, por isso a nós caberia escutar, ter paciência. E quem já cuidou de um pai ou de uma mãe sabe que é difícil, mas aí está a prova. Por que nenhuma virtude cresce sem contradição. É a oportunidade única de passar o tempo com o Cristo sofredor. Para o que sofre, o enfermo, é a chance de se unir a cruz de Cristo de maneira mais excelente e frutífera, ainda mais se o enfermo vive em estado de graça. São João Paulo II, que fez seu doutorado em São João da Cruz, ou seja, um homem que não só viveu as dores da segunda Guerra Mundial, como também buscou a transcendência das dores: 

“No decorrer dos séculos e das gerações, tem-se comprovado que no sofrimento se esconde uma força particular que aproxima interiormente o homem de Cristo, uma graça particular. A esta ficaram a dever a sua profunda conversão muitos Santos como, por exemplo, São Francisco de Assis, Santo Inácio de Loiola etc. O fruto de semelhante conversão é não apenas o fato de que o homem descobre o sentido salvífico do sofrimento, mas sobretudo que no sofrimento ele se torna um homem totalmente novo. Encontra como que uma maneira nova para avaliar toda a sua vida e a própria vocação. Esta descoberta constitui uma confirmação particular da grandeza espiritual que no homem supera o corpo de um modo totalmente incomparável. Quando este corpo está gravemente doente, ou mesmo completamente inutilizado, e o homem se sente como que incapaz de viver e agir, é então que se põem mais em evidência a sua maturidade interior e grandeza espiritual; e estas constituem uma lição comovedora para as pessoas sãs e normais”. (Carta Apostólica – Salvifici Doloris, n.26). 

Cristo desceu aos nossos abismos e por isso conhece as nossas dores mais profundas. São João Paulo II, na mesma carta apostólica, aprofunda-nos no mistério do sofrimento do homem e discorre que o sofrimento é, em si mesmo, experimentar o mal, mas Cristo fez dele a base mais sólida do bem definitivo, ou seja, do bem da salvação eterna. Com o seu sofrimento na Cruz, Cristo atingiu as próprias raízes do mal: as raízes do pecado e da morte. Ele venceu o autor do mal, que é Satanás, com a sua permanente rebelião contra o Criador. Perante o irmão ou a irmã que sofrem, Cristo abre e descobre gradualmente os horizontes do reino de Deus: os horizontes de um mundo convertido ao Criador, de um mundo liberto do pecado, que se vai edificando, alicerçado no poder salvífico do amor. E lenta, mas eficazmente, Cristo introduz, neste mundo, neste reino do Pai, o homem que sofre através, em certo sentido, do coração do seu sofrimento. De fato, o sofrimento não pode ser transformado e mudado por uma graça que aja do exterior, mas sim por uma graça interior. Cristo, mediante o seu próprio sofrimento salvífico, encontra-se bem dentro de cada sofrimento humano, e pode assim atuar a partir do interior do mesmo, pelo poder do seu Espírito de Verdade, do seu Espírito Consolador (cf. idem, n.26). Por isso existe tanta graça com aquele que sofre e com aquele que ajuda o sofredor. 

Eu, quando morrer, não quero escutar de Jesus: “´[…] em verdade eu vos digo, todas as vezes que não fizestes isso a um desses pequeninos, foi a mim que não o fizestes!’ Portanto, estes irão para o castigo eterno, enquanto os justos irão para a vida eterna” (Mt. 25, 31-46). São João da Cruz dizia que o ocaso desta vida seremos julgados pelo Amor. E seremos mesmo, mas eu e você devemos levar uma vida de cristãos exemplares. Para que um dia, eternamente, gozemos da presença de Jesus, e antes de entrarmos no paraíso, que Ele nos diga: Vinde benditos de meu Pai! Recebei como herança o Reino que meu Pai vos preparou desde a criação do mundo! Estive doente e visitastes-Me”.

Guilherme Razuk
Seminarista da Com. Canção Nova

 

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