Especial Tudo Deixei por Ti
Ordenação 2024
Parte 4
Rafael Vitto partilha, nos episódios 7, 8 e 9, sua entrada para o seminário e uma grande visita de Deus em sua vida, o câncer. Veja como foi esse tempo de luta e superação. Ele também partilha a experiência que viveu durante esse tempo com Santa Teresinha e a Pequena Via. Um certeza nasce em meio à doença, o seu sacerdócio é para a salvação das almas.
07 – Canção Nova e Seminário
Depois do chamado ao sacerdócio, voltei para o padre Bruno e disse, imaginando que ele já esperasse por isso: “Padre, eu voltei do retiro e eu sinto o chamado para o sacerdócio, mas eu não quero”. Ele falou: “Tudo na nossa vida é com calma; fica tranquilo”. Padre Bruno sempre soube me conduzir bem. Ele me falou assim: “Olha, vamos fazer o seguinte, você vai vivendo mais próximo de mim, das missões que eu for. Eu vou para um batizado, eu te levo; vou para uma missa, eu te levo. A gente vai vivendo próximo, você vai conhecendo a minha vida, vai vendo como é ser padre dentro da Canção Nova e vai fazendo esse discernimento”.
Então, eu fui me aproximando, me aproximando, vendo o padre Bruno. Claro que ele é diferente de mim, mas eu via o jeito da vida dele, o amor dele com as pessoas, com a evangelização, a dedicação dele, o testemunho dele mesmo em meio ao seu temperamento, aos seus pecados. Mas eu vi um testemunho de muita verdade nele, de busca de santidade. E aquilo foi me encantando, encantava-me nele a vida carismática, o ser carismático, as pregações. Encantava-me também, que era uma das minhas maiores fragilidades, a vida sadia com as mulheres, com os casais, com os jovens, a paternidade que ele revelava. E na minha vida, sempre a sexualidade pesou muito, e eu queria ser tão puro assim como ele.
Então, por isso também fui me aproximando dele, vendo aquele caminho e acreditando que aquilo era possível para mim. Eu me lembro de que, um dia, o padre falou para mim: “Olha, faz uma lista dos motivos pelos quais você não quer ser padre”.
Eu coloquei na lista: não casar, não ter filhos, ser sozinho… Enfim, fiz toda uma lista. Com o tempo, foi interessante, pois Deus foi me convencendo ponto por ponto, até chegar o momento de entrar na Canção Nova, viver o meu primeiro ano em Lavrinhas, em Queluz e ter que dar a resposta. E mais uma vez, voltou aquele mesmo questionamento da capela: “E agora, Rafael, qual é a sua desculpa? Já experimentou o mundo e já colocou as suas posições. Aquilo, aquela lorota toda. E agora, qual é a sua desculpa para assumir o sacerdócio?” E não tinha desculpa. Jesus, eu vou ter que seguir. Não tem desculpa. O Senhor me convence, dia após dia, e vão passando os dias, eu vou vendo que é isso mesmo.
Saí de Queluz e fui direto para o Seminário da Canção Nova. Lá, comecei meu processo já bem convencido daquilo. E, claro, não esperava também pelas provações que viriam dentro do seminário.
O primeiro ano foi bem conturbado, porque foi após o acidente do padre William e a perda do Tiago. O processo de saúde num acidente também do Padre Felipe. Eu entrei nesse contexto. Nós cuidávamos do padre Willian – na época seminarista William – e do seminarista Felipe. A casa toda, no seminário, naquele processo de choque, se reestruturando. Foi um ano de muito trabalho.
Só eu que dirigia no seminário, então, eu cuidava deles, andava pra cima e pra baixo com o carro, levando ao médico etc. Foi um tempo muito bom de seminário, de muito trabalho.
08 – Visita de Deus
Leia a transcrição do vídeo:
No final de 2017, eu fui visitado. Vivi um tempo forte, como dizemos aqui na Canção Nova, de doença. No final de 2017 para 2018, eu descobri o câncer. Então, já tive que ir às pressas para São Paulo, para me tratar do cancro do câncer.
Em 2018, fiz todo o tratamento e, durante o processo da doença, também foi muito bonito, porque a minha vocação sacerdotal ficou mais aflorada ainda. Primeiro, por entender que o sacerdote é essa vítima que se entrega pelas almas. E, muitas vezes, eu meditava: “Meu Deus no céu, agora que eu decidi ser padre, que eu aceitei, então vou morrer na praia? Não é possível que eu vá nadar, nadar e morrer na praia, morrer nesse leito de hospital”. Mas ali eu fui entendendo que, de fato, fazia parte do processo da minha formação. O câncer era um processo formativo. Para mim é um processo, um processo de purificação da minha alma.
Diante de tantas realidades, eu me lembro de que eu me questionava: será que eu vou morrer? Será que eu não vou morrer? Mas e se eu ficar vivo? Por que eu deveria ficar vivo? E tantas pessoas morreram com câncer, por que eu também não posso morrer com câncer? E por que ficar vivo? Foi interessante, porque todos os meus sentimentos, tudo caia por terra, e a única coisa que ficava no meu coração era, realmente, a vocação ao sacerdócio.
Era interessante que, eu na cama, muitas vezes e muito anêmico, com as taxas de ferro no sangue todas baixas, tomando quimioterapias atrás de quimioterapias, porque eu ficava internado no hospital por volta de 25 a 30 dias. Eu tomava três, quatro quimioterapias em um dia. E no outro dia de novo, mais uma, duas. Então eram dias muito intensos e eu ficava realmente bem desfalecido, na cama e só.
Eu só conseguia pensar. Conseguia falar muito pouco. Tinha dias que mal conseguia ver as coisas. Às vezes, colocava um filme para assistir ou tentavam conversar comigo. Aquilo me cansava muito, e então eu não conseguia fazer muita coisa. Nossa, não existe outro motivo para me manter vivo do que viver para as almas, viver para ser padre. Então isso me afirmou muito, e eu fui percebendo que, realmente, a vocação primordial do sacerdote é oferecer-se pelas almas.
Oferecer-se na pregação, oferecer-se na oração, mas, antes de tudo, ser intercessor, oferecer o sofrimento. Eu acredito que Jesus salvou cada um de nós não pregando, curando, libertando, mas salvou sofrendo, entregando-se na cruz. Então, ali no canto, eu fui me entregando. A salvação que Deus pedia para mim vinha pelo sofrimento e, claro, rezando no hospital e me entregando no silêncio das minhas dores, procurando também não fazer os dramas da doença. “Ai meu Deus, coitadinho!” Nunca gostei disso. Mas, ali, no hospital, eu ia vendo a ação de Deus acontecendo, as pessoas se confessando, enfermeiras se convertendo, os médicos foram se tornando meus amigos. Muita gente ia também morrendo ao meu redor, e os padres que estavam comigo iam dando a unção dos enfermos, e as pessoas iam morrendo, salvas.
Então, foi uma experiência muito bonita mesmo, que me fez afirmar na vocação e, realmente, me tornar convicto de que esse era o meu chamado. E não tinha mais para onde eu justificar. Melhorei e voltei para casa, voltei para o seminário e continuei meu processo de formação. Também outros tantos desafios, vida fraterna, estudos, enfim, toda formação, um sacerdócio na liturgia. Agora, esses últimos dois anos também. Esse desafio bonito da paróquia de viver diante de uma realidade diocesana.
Então, em tudo Deus foi conduzindo a minha formação. Pela Sua Providência, eu Rafael não escolheria viver esse tipo de formação. Nunca, claro que nunca. Mas Deus tem um propósito muito maior para nossa vida. Ele mesmo vai moldando a nossa alma. Ele mesmo vai moldando, com a Sua providência, o nosso modo de ser formado. Ele sabe o para quê, para aquilo eu eu devo ser. Ele me põe ali dentro da fôrma.
O meu papel e o seu papel não é só seguir vivendo. Conforme a Providência, aceitando tudo aquilo que Deus nos dá com muita gratidão, muito carinho. Às vezes, podemos dizer que queremos ser santos, então fazemos um mês de jejum. Mas, às vezes, Deus coloca uma pessoa ao seu lado e você não aceita essa pessoa. Na verdade, seu verdadeiro processo de santificação não está em fazer um mês de jejum, mas está em acolher e amar aquela pessoa que está do seu lado.
Jesus sabe bem onde tocar nas feridas, onde nos curar, onde nos libertar. Por isso eu vejo que a Canção Nova é esse instrumento maravilhoso da Providência na minha vida, na minha vocação.
09 – O Câncer e Santa Teresinha
https://youtu.be/aZkkJW5brKs
Leia a transcrição do vídeo:
Diante da doença, foram muitas as situações de Deus. Nós sempre rezando muito no hospital em São Paulo. Eu, no leito, muito fraco, muito desfalecido. Interessante as quimioterapias, cada quimioterapia surtia em mim um efeito colateral. Teve um dia que eu acordei, estava meio com a visão turva, e eu me assustei muito. Pensei: nossa, agora já era, vou ficar cego. E liguei pra médica. Demorou um pouco para a médica vir, e aí depois ela falou: Não, calma, sua visão vai voltar, são as células dos olhos que estão morrendo para se regenerar, mas você não vai ficar cego. Enfim, então era uma série de efeitos colaterais.
Um desses efeitos era a insônia. Certa noite, eu estava com muita insônia e rezando. Não tinha o que fazer. Rezando, com insônia, desfalecido e fraco, eu lembro que tive a sensação muito forte da presença de Santa Teresinha, assim do meu lado no leito. Eu achei engraçado quando senti a presença dela. Em vez de eu ficar contente, eu comecei a rir e pensar assim: ‘Meu Deus, por que Santa Teresinha aqui? Eu não sou devoto de Santa Teresinha, nem nada! O que ela está fazendo aqui?’. Na minha sinceridade, eu fui pensando isso. E,naquela sensação, eu escutei Santa Teresinha me dizendo que muitas pessoas queriam me visitar no hospital, mas não podiam – e, realmente, as visitas eram restritas; então, essas pessoas rezavam com Santa Teresinha pedindo a minha cura, a cura da minha vida, da minha vocação.
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A sensação era que Santa Teresinha me dizia isso. Essas pessoas, que não podiam me visitar no hospital, pediam para que ela me visitasse, e ela estava lá me visitando em nome dessas pessoas. Tive, então, uma sensação muito boa de céu naquele momento de conforto e, ao mesmo tempo, de perplexidade. Eu estava pensando: ‘Nossa, mas quem será que está rezando tanto para Santa Teresinha assim? E eu me lembro que fiquei com aquela sensação de céu por muito tempo. Foi quase uma semana de experiência de paz muito grande dentro do meu coração. Eu tinha a certeza de que, realmente, tinha sido uma visita da santa.
Partilhei essa experiência com o padre Roger e falei: ‘Olha padre, eu acho que Santa Teresinha me visitou essa noite e me disse isso e aquilo’. Aí o padre disse: ‘Nossa, que legal!’. Por causa disso, ele comprou os livros de Santa Teresinha para mim e me deu, mas eu não conseguia ler. Eu passava mal, estava sem capacidade, sem energia mesmo para ler. Mas fiquei com aquele sentimento por um mês quase.
Uma outra situação: de novo eu, no meio da insônia, rezando. Já tinha até me esquecido de Santa Teresinha. De novo, mais uma vez, eu senti a presença forte dela no quarto. Dessa vez, eu disse pra ela: ‘Mas o que você está fazendo aqui de novo?’. Ela falou para mim: ‘Dessa vez, eu venho lhe pedir para que leia e estude a pequena via‘. Então, a partir daquele momento, também eu me tornei devoto de Santa Teresinha, e comecei a estudar, ler os livros e estudar a Pequena Via. E para mim é uma via muito bonita, muito importante, porque, de fato, foi ali, com o câncer, que eu descobri o que Santa Terezinha propunha como espiritualidade: uma espiritualidade muito parecida, muito próxima da Canção Nova.
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Primeiramente, reconhecer a minha pequenez, e era o que eu estava vivendo com o câncer. Totalmente pequeno, totalmente frágil, dependente, muitas vezes das enfermeiras, dos enfermeiros e médicos. Dependente das pessoas para colocar comida na minha boca, para me dar banho. O Rafael, que sempre foi autossuficiente, sempre proativo, sempre ativista; agora, todo desfalecido, todo entregue, todo frágil. A sensação que eu tinha, no câncer, muitas vezes, é que Deus me segurava por uma linha bem fina; e se Ele me soltasse, eu morreria. Então, uma sensação muito grande de fragilidade. E esse foi o primeiro passo.
Santa Teresinha, na pequena via, se reconhece a pequenininha. Então, eu estava vivendo aquilo com profundidade. E o segundo passo era abandonar-se todo, inteiramente na Providência Divina, sabendo que Deus é o nosso Pai que nos ama. Ali, também no câncer, eu fui aprendendo isso, e até hoje estou aprendendo. Ser pequeno, aprendendo a viver abandonado à Providência. Eu quero uma coisa, mas a Providência vem com outra; então, Senhor, eu confio na Sua Providência. Senhor, eu queria tanto uma coisa, então, eu Lhe peço isso e quero confiar na Sua Providência.
E Deus, como um Pai, vai cuidando de mim, vai me moldando muito mais do que a minha vida de esforço, de ascese, de oração. É o próprio Pai que vem ao meu encontro, e Ele quer que eu seja santo. Ele mesmo me santifica com a Sua Providência e santifica as minhas missões da Canção Nova, santifica-me através da doença, santifica-me em todas as coisas. Basta que eu esteja aberto. A partir do câncer, eu decidi ser devoto de Teresinha; e, até hoje, eu cultivo isso no meu coração com muita gratidão.
Depois de um tempo, também no processo do câncer, padre Bruno, sem saber de nada disso, visitou o Carmelo de Lisieux e deixou o meu nome para as irmãs, lá no Carmelo onde Teresinha morou. E as irmãs ficaram tão mexidas com aquela história, que me enviaram duas relíquias de segundo grau de Santa Teresinha, e são as relíquias que eu tenho. Padre Bruno voltou da peregrinação de Lisieux e trouxe para mim, e eu fiquei muito emocionado com aquilo, porque eu não tinha falado nada para ele, não tinha contado. Eu recebi duas relíquias, uma da terra, do caixão de Santa Teresinha; e a outra de um pedaço do hábito dela. Para mim, ficou aquilo de eu morrer no câncer, por isso a terra; e do hábito, que é o sinal da vida consagrada. Realmente, Teresinha tem cuidado da minha vocação e da minha consagração de vida.”
Comunicação Santuário do Pai das Misericórdias