As obras de misericórdia espirituais
Ensinar os ignorantes é a segunda obra de misericórdia espiritual vinculada de maneira singular às Verdades eternas, sobretudo, ao seu núcleo fundamental, que é o amor salvífico de Deus manifestado em Jesus Cristo morto e ressuscitado.
O testemunho de Filipe, descrito nos Atos dos Apóstolos, serve como exemplo de quem se põe como instrumento nas mãos de Deus para ensinar a Verdade suprema: “Filipe aproximou-se e ouviu que o eunuco lia o profeta Isaías, e perguntou-lhe: Porventura, entendes o que estás lendo? Respondeu-lhe: Como é que posso se não há alguém que me explique? […] Começou então Filipe a falar, e […] anunciou-lhe Jesus” (8, 30-31.35). Esta perícope ilustra a beleza do dom de ensinar os mistérios do Reino de Deus e faz-nos compreender que esta obra de misericórdia espiritual aduz a Nosso Senhor Jesus Cristo, como o Mestre do ensino por excelência, uma vez que, sendo Deus, encarnou-se para salvar a humanidade das trevas do pecado e da ignorância. Logo, todo cristão vocacionado ao ensino deve colocar-se como instrumento em Suas mãos a exemplo de Filipe, tendo na mente e no coração as palavras que o próprio Jesus proferiu: “Não vos façais chamar de mestres, porque só tendes um Mestre, o Cristo” (Mt 23,10). Nesse sentido, num momento muito solene da sua vida, diante de Pilatos, Jesus afirma: “Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz.” (Jo 18,37).
Antes mesmo de sofrer Sua paixão e morte pela remissão dos pecados do gênero humano, em sua vida pública Jesus ensinava constantemente, conforme Ele mesmo disse quando foi preso no horto das oliveiras pelos soldados do templo: “Todos os dias estava eu sentado entre vós ensinando no templo e não me prendestes” (Mt 26,55). De fato, a vida de Jesus consistiu em ensinar os caminhos de Deus, em iluminar nossa inteligência e abrir-nos a via para chegar ao Pai com a ajuda do Paráclito. Como Mestre, Ele ensinou-nos a via da humildade quando disse: “Aprendei de mim que sou tolerante e humilde de coração, e vos sentirei aliviados” (Mt 11,29); e ainda: “O que quiser tornar-se entre vós o primeiro se faça vosso escravo. Assim como o Filho do Homem veio, não para ser servido, mas para servir e dar sua vida em resgate por uma multidão” (Mt 20,27-28). Ensinou com suas palavras e vida o caminho mais elevado que é o do amor, quando disse: “Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, como eu vos amo. Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida por seus amigos” (Jo 15,12-13). Ele deixou como maior ensinamento o testemunho de Sua paixão e morte de cruz por amor à humanidade, para salvá-la das trevas do pecado e reconciliá-la com o Pai. Maravilha-nos de igual modo, a força de seu discurso na montanha (Mt 5, 6 e 7), as parábolas que descrevem o Reino dos céus (Mt 13,1-52) e também os seus diálogos com diversos personagens em que o Mestre transmite a todos – também aos que agora caminham – modos diversos de percorrer os caminhos da salvação. Neste sentido, o Papa Francisco em sua bula Misericordiae Vultus afirma: “Para ser capazes de misericórdia, devemos primeiro pôr-nos à escuta da Palavra de Deus. Isso significa recuperar o valor do silêncio, para meditar a Palavra que nos é dirigida. Deste modo, é possível contemplar a misericórdia de Deus e assumi-la como próprio estilo de vida”.
A tarefa de ensinar dando razões da esperança que existe em nós (1 Pd 3,15) é uma das mais belas e importantes que a pessoa humana pode realizar. São João Paulo II na Encíclica Fides et ratio evidenciou a importância desta decisiva tarefa para o mundo hodierno com os seguintes dizeres:
É ilusório pensar que, tendo pela frente uma razão débil, a fé goze de maior incidência; pelo contrário, cai no grave perigo de ser reduzida a um mito ou superstição.[…] O mais urgente hoje é levar os homens à descoberta da sua capacidade de conhecer a verdade e do seu anseio pelo sentido último e definitivo da existência. À luz destas exigências profundas, inscritas por Deus na natureza humana, aparece mais claro também o significado humano e humanizante da Palavra de Deus. […] O homem contemporâneo chegará a reconhecer que será tanto mais homem quanto mais se abrir a Cristo, acreditando no Evangelho. (N. 48. 102).
Com efeito, pode-se afirmar que a Verdade se encontra na Sagrada Escritura e que “os Evangelhos têm o primeiro lugar, enquanto são o principal testemunho da vida e doutrina do Verbo encarnado, nosso salvador” (Dei Verbum, 18). Por este motivo, os cristãos, mediante as diversas dimensões do ensino, devem ter os Evangelhos como o fundamento primário por se tratar da Palavra de Deus, fonte de princípios éticos, morais e espirituais e, portanto, basilares para a comunidade humana. Nesta perspectiva, destacam-se o trabalho educativo das mães, que, com muita paciência, alegria e generosidade demonstram atenção aos filhos para ajudá-los a alcançar a maturidade humana e espiritual. De igual modo, os pais de família são chamados a aprender todos os dias com o coração reto a ser bons esposos e bons pais, dedicando-se cotidianamente como fazem suas esposas. Na categoria de educadores também merecem relevo os professores – formadores de consciência – quando se deixam imbuir do amor pela Verdade e a todo custo buscam transmiti-la a seus alunos. Os ministros ordenados, que agem in Persona Christi dotados de uma especial unção para ensinar de acordo com o Mestre Jesus, são igualmente louvados por tão grande e necessário ministério; bem como todos os homens de boa vontade, quando se deixam guiar pela reta razão para “ensinar os ignorantes” a escolher o bem.
Em suma, pode-se afirmar que agir com o “coração” é o segredo para se praticar as obras de misericórdias, visto que nascem da caridade e movem a vontade. O amor de Deus sempre alcança as pessoas necessitadas através dos que se colocam ao seu serviço e para isso são auxiliadas pela sabedoria de Jesus. Que Ele nos ajude a compreender a importância do ensino para a edificação do Reino de Deus e a colocá-lo em prática!
Áurea Maria
Comunidade Canção Nova
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Referências
CONSELHO PONTIFÍCIO PARA A PROMOÇÃO DA NOVA EVANGELIZAÇÃO. As obras de Misericórdia Corporais e Espirituais. Tradução de Mário José dos Santos. São Paulo: Paulinas, 2016.
CONSTITUIÇÃO DOGMÁTICA Dei Verbum sobre a Revelação divina. In: COMPÊNDIO DO VATICANO II: constituições, decretos, declarações. 31. ed. Petrópolis: Vozes, 2016. p. 119-140.
JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Fides et Ratio. 8. ed. São Paulo: Paulinas,1998.
PAPA FRANCISCO. Bula do jubileu extraordinário da Misericórdia Misericordiae Vultus. 11 abr 2015. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/apost_letters/documents/papa-francesco_bolla_20150411_misericordiae-vultus.html. Acesso em: 29 de jul. 2020.
SCHOKEL, Luís Alonso. Bíblia do Peregrino. Tradução de Ivo Storniolo, José Bortolini e José Raimundo Vidigal. São Paulo: Paulus, 2002.