Na espiritualidade católica, é difícil encontrar um símbolo maior de pureza e docilidade que o Menino Jesus. O segundo degrau dessa escala seria a Virgem Maria que, apesar de estar insuperavelmente acima de qualquer outro santo, ainda assim não se compara ao seu próprio filho.
Alguns santos tiveram uma especial afeição por Nosso Salvador enquanto criança, embora tenhamos tão poucas notícias sobre a infância de Jesus nesta terra. Santa Teresa de Jesus, que nos referimos mais comumente no Brasil como Teresa D’Ávila, foi um deles.
É terna e encantadora sua poesia, inspirada em uma conversa real, em que Jesus se apresenta a ela como criança e lhe pergunta: Como você se chama?
Encantada com tanta beleza, embora sem entender a pergunta, pois tinha certeza que ele sabia quem ela era, responde: “Sou Teresa de Jesus. E você?”. Ao que o menino diz: “O meu nome é parecido com o teu, sou Jesus de Teresa!”.
Certamente inspirada nos escritos de Santa Teresa D’Ávila, mas também na sua vivência pessoal como menina encantada com a família e o Natal nos “buissonnets“, é que Santa Teresinha adota em seu nome carmelita o “do Menino Jesus”. Não esqueçamos que ela também acrescentou “e da Sagrada Face”, mas isso é um tema para aprofundar outras questões em outro momento.
Em Santa Teresinha, a mística e a espiritualidade baseada no Menino Jesus adquire dois aspectos fundamentais: o de ser (e querer ser, e se oferecer para isso) um brinquedinho nas mãos do Menino Jesus e o de buscar, inspirada no Divino Menino, ser como uma criança nos braços do Pai.
Obviamente, para cumprir a advertência que Cristo fez no Evangelho: “Em verdade vos declaro: se não vos transformardes e vos tornardes como criancinhas, não entrareis no Reino dos Céus” (Mt 18,3).
Esses aspectos são, na realidade, duas faces de uma mesma moeda: o abandono total nas mãos de Deus!
Ser “um brinquedinho” que está sujeito aos caprichos do Menino é um esforço constante de espiritualidade ascética: não somos nós que escolhemos, é Ele quem escolhe, é Ele quem decide e realiza. Abandonar esse protagonismo de nossa própria espiritualidade é um passo difícil e exigente.
Nesse caso, não tem meio termo, não há como ficar em cima do muro. Ou dizemos “serviam”: eu obedeço, eu sirvo! Ou, automaticamente, faremos coro com Lúcifer no seu “non serviam”: eu não servirei! Não me sujeitarei à Sua Divina Vontade.
Infelizmente, entre essas duas respostas, existe uma enorme escala de gradações suspeitas onde podemos nos enganar e dizer que fazemos a vontade de Deus. Isso porque, na prática, enquanto agimos, também rezamos e pedimos que seja Ele quem confie em nós e que siga o que Lhe dissermos, pois sabemos bem o que é melhor para nós e os nossos.
Se já é um grande esforço este sujeitar-se ao nível de um objeto na mãos de Deus, o que dizer então da verdadeira mística do abandono? Santa Teresinha dizia que, como brinquedo, aceitava até mesmo o de ser abandonada em um canto, ser desprezada e esquecida pelo Divino Menino.
Eis a vivência da experiência máxima da mística cristã: Deus assume o protagonismo e Ele define o que é feito de nós. A sensação ou certeza interior é de abandono, desprezo, esquecimento… acrescida da impressão intelectual de que a causa de tudo isso é nossa indignidade, nossos pecados e faltas.
Neste momento, sabemos que Deus não nos quer e estamos certos de que Ele tem bons motivos para isso. Abre-se a noite escura da alma, momento máximo de purificação mística. Aqueles que procuram ensinar a essa alma que Deus está mais próximo do que nunca, não são ouvidos por ela.
Embora esse caminho do abandono total em Deus pareça tão distante de nossa realidade cotidiana, o Menino na manjedoura nos ajuda a atualizá-lo e refletir sobre ele:
O Rei dos Reis, ignorado por todos, em um estábulo colocado sobre uma caminha de palha!
O pão da vida, verdadeiro alimento dos homens, servido em um comedouro de animais!
O Senhor do Universo, origem, fonte e fim de todas as coisas, abandonado indefeso nas mãos de suas criaturas!
Que Nosso Senhor Jesus Cristo nos ajude a trilhar o caminho de imitá-lo em tudo, inclusive na pequenez da própria criança que somos e, por vezes, esquecemos ou tentamos esconder.