Em um verdadeiro passeio pelas Sagradas Escrituras podemos entender o título de Maria como Rainha! Quem nos acompanha neste percurso é o professor Lino Rampazzo, doutor em Teologia.
‘Salve, Rainha, Mãe de Misericórdia’! ‘Rainha do céu, alegrai-vos’! Eis como o povo de Deus invoca Maria! A partir disso podemos perguntar: porque os cristãos católicos chamam Maria com o título de ‘rainha’? Existe um fundamento deste título na Bíblia, na Tradição e no Magistério da Igreja? De que maneira este título dado a Maria é vivenciado na Igreja do Brasil? O ponto de partida da nossa reflexão é o Antigo Testamento.
Antigo Testamento
No Antigo Testamento era muito importante a posição e a função das rainhas mães, cujos nomes foram conservados com distinção nos livros dos Reis. Por exemplo, quando se fala do rei Roboão, filho de Salomão, nós lemos que sua mãe se chamava Naama e era amonita (1 Rs 14,21). Mais para frente, quando se fala do rei de Jerusalém Abian, indica-se o nome da mãe dele “Maaca, filha de Absalão” (1 Rs 15,2)’; e de Jeú, também rei de Jerusalém, filho de Sebia, originária de Bersabéia (2 Rs 12,2).
Muito significativa, a esse respeito, é a comparação entre 1 Reis 1,16 e 1 Reis 2,19. No primeiro caso, Betsabé se prosterna diante do rei Davi, seu esposo, mas na segunda situação Salomão, seu filho, prosterna-se diante dela e a faz assentar-se à sua direita.
Percebe-se, pois, que não contava a posição da esposa do rei, mas da mãe do rei. Assim, o Antigo Testamento dá à doutrina da realeza de Maria uma contribuição positiva, pois deixa entrevê-la como a Rainha-mãe do Rei escatológico ligada como tal à honra do seu Reinado, mesmo que isso seja considerado hoje como sendo uma elaboração posterior sobre a realeza de Maria.
As rainhas-mães tinham o título de gebirah e se achavam estreitamente ligadas à honra e à posição do monarca. Gebirah era o título oficial da Rainha Mãe e era uma posição de autoridade e honra. Seus papéis foram de assessora do rei e defensora do povo; qualquer um que tivesse uma petição ou buscasse uma audiência com o rei o fazia através dela. Foi assim quando Adonias procurou astuciosamente uma noiva de alto escalão. Veja-se, a seguir, o texto de 1 Reis 2,17-21: ‘Peço-te que digas ao rei Salomão, que nada te recusa, que me dê Abisag, a sunamita, por mulher’. ‘Está bem’, respondeu Betsabé – falarei por ti ao rei’. Betsabé foi, pois, ter com o rei para falar-lhe em favor de Adonias. O rei levantou-se e veio ao seu encontro, prostrou-se diante dela e, depois, sentou- se no trono. Mandou colocar um trono para a sua mãe e ela sentou-se à sua direita. ‘Tenho um pequeno pedido a fazer-te’ disse ela; ‘não o negues’. ‘Pede, minha mãe – respondeu o rei –, porque nada te recusarei’. Disse Betsabé: ‘Peço-te que Abisag, a sunamita, seja dada por mulher ao teu irmão Adonias’.
Veja-se, agora, um texto que apresenta a rainha-mãe, como a conselheira do rei. Prov. 31,1: “Palavras de Lamuel, rei de Massá, que lhe foram ensinadas por sua mãe”.. Os versos de 2 a 9 continuam com conselhos específicos sobre ser um bom governante.
Interessantes também analisar os outros textos seguintes. 1 Reis 15,13 – A Rainha-Mãe é uma posição poderosa na monarquia real de Israel. Aqui a rainha é removida do cargo. 2 Crônicas 22,10 – Aqui a Rainha-Mãe Athalia destrói a família real de Judá depois que ela vê seu filho, o rei Acazias, morto. Cântico dos Cânticos 3,11 – Filhas de Jerusalém, saiam e contemplem o rei Salomão. Na coroa que sua mãe o coroou, no dia de seu casamento, no dia da alegria de seu coração. Jr 13,18 “Dize ao rei e à senhora sua mãe: sentai-vos no chão pois caíram vossas cabeças, as diademas que as enfeitavam”. 1 Reis 15:13 – Ele também depôs Maaca de sua posição como rainha – mãe.
E, sempre em relação ao Antigo Testamento, há mais duas considerações. A primeira: enquanto as civilizações orientais procuram divinizar os seus reis, a antiga religião de Israel proibia isso, mas com uma exceção, a saber, o último descendente prometido a Davi receberia esta ‘divinização’. Vejam-se, a seguir, as citações neste sentido. “Vou proclamar o decreto do Senhor: Ele me disse: “Tu és o meu Filho, eu hoje te gerei” (Sal 2,7).
“Tu és príncipe desde o dia do teu nascimento, entre santos esplendores; antes da autora, como orvalho, eu te gerei” (Sal 110,3). “Pois nasceu para nós um menino. Um filho nos foi dado. O poder de governar está nos seus ombros. Seu nome serás Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai para sempre, Príncipe da Paz!” (Is 9,5). “O teu trono, ó Deus, dura para sempre, é cetro justo o cetro do teu reinado” (Sal 45,7).
A segunda: toma importância a figura da mãe, até a ideia se firmar na figura de uma virgem (em grego parthénos), que irá conceber por Javé. O texto hebraico de Isaías 7,14 fala da ‘moça’ (em hebraico almah) que conceberá e dará à luz um filho e lhe porá o nome de Emmanuel. Trata-se da dinastia de Davi que continuará através do filho do rei Acaz, através da sua esposa que ficará grávida.
Profecia
Mas, séculos mais tarde, este texto será expresso em grego, na tradução dos LXX, para os judeus que viviam no Egito e não falavam hebraico, mas grego. E o termo almah será traduzido em grego com a palavra parthenós, que significa ‘virgem’. Sucessivamente o evangelista Mateus (1,18-25) irá citar este texto grego para indicar a concepção virginal de Jesus, que realiza em plenitude a mensagem do profeta Isaías. Gn 3,15, Is 7,14 e Mq 5,1-2 apresentam, em diversos graus, uma antecipação prestigiosa da ‘jovem’, da ‘rainha’ que devia conceber nos tempos futuros o ‘filho de Davi’, que seria também misteriosamente, Filho de Deus (2 Sam 7,14; Sal 2 e 110).
Nesta perspectiva vamos ler os textos que acabamos de citar. Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar. (Gn 3,15). “Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho e lhe porá o nome de Emanuel” (Is 7,14). “Mas tu, Belém de Éfrata, pequenina entre as aldeias de Judá, de ti é que sairá para mim aquele que há de ser o governante de Israel. Sua origem é antiga, de épocas remotas. Por isso Deus os abandonará até o momento em que der à luz aquela que deve dar à luz. Então o resto de seus irmãos voltará para os filhos de Israel” (Mq 5,1-2).
Novo Testamento
Maria seria, então a rainha-mãe do Rei-messias recém-nascido: os joelhos dela são o trono natural onde se senta a majestade régia do menino.
Agora passamos para o Novo Testamento. Aqui é fundamental o texto de Mateus 2,1-12, que apresenta a homenagem manifestada pelos magos, que põe à vista o caráter de Jesus como rei do mundo e Maria como a rainha-mãe.
Com efeito “…alguns magos do Oriente chegaram a Jerusalém perguntando: ‘Onde está o rei dos judeus que acaba de nascer?’ “ (Mt 2,2). Ressalta-se que no momento da prostração de tais personagens o menino é lembrado com a mãe, nestes termos: “Quando entraram na casa, viram o menino com Maria, sua mãe. Ajoelharam-se diante dele e o adoraram” Mt 2,11).
José, que desempenha papel de primeiro plano em Mt 1-2 quase desaparece nesta cena. Talvez ressurja aqui a tradição veterotestamentária sobre a gebirah. Maria seria, então a rainha-mãe do Rei-messias recém-nascido: os joelhos dela são o trono natural onde se senta a majestade régia do menino.
Passando para o Evangelho de Lucas, em Lc 1,32b-33, o anjo Gabriel revela a Maria a missão ‘régia’ do menino que está para conceber: “O Senhor Deus lhe dará o trono de Davi, seu pai, e ele reinará para sempre na casa de Jacó e o seu reino não terá fim”. Percebe-se nesses versículos o eco da célebre profecia de Natã a Davi: “Eu (Javé) assegurarei depois de ti a descendência saída das tuas entranhas e tornarei estável o seu reino…Eu firmarei para sempre o seu trono real…Eu serei o seu pai e ele será o meu filho….A tua casa e o teu reino serão consolidados para sempre diante de mim e o teu reino se tornará estável pra sempre “( 2 Sam 7,12-4.16).
Em Lc 1,43 Isabel exclama: “Donde me vem que a mãe do meu Senhor me visite?”. Observa-se que o título ’meu Senhor’ é de natureza ‘régia’. Com muita probabilidade é uma citação do salmo 110,1: “Oráculo do Senhor ao meu senhor: ‘Senta-se à minha direita até que eu ponha teus inimigos como escabelo de teus pés’”. Este salmo 110 teve releituras escatológico-messiânicas, com referência à espera do rei-messias (cf. Mc 12,35-37; Mt 22,41-46; Lc 20,41-44). Isabel, portanto, saúda em Maria a mãe do rei-messias: o rei nascituro de quem falou o anjo a Maria.
Próximo Artigo:
Em sucessivo artigo será considerado o título de Maria Rainha na Tradição, no Magistério da Igreja e da sua vivência na Igreja do Brasil.
Lino Rampazzo
Doutor em teologia e professor no Curso de Teologia da Faculdade Canção Nova
Referências
CAVALEIROS DA IMACULADA. Rainha do Antigo Testamento prefigura Maria. 26 nov. 2018. Disponível em: https://www.facebook.com/1393506597622599/posts/1927784180861502/ .
Acesso em 10 jun. 2022.
IWASHITA, Pedro. A realeza de Maria na devoção da Igreja: fundamentos
bíblico-teológicos. In: DELGADO, José Luiz Majella (coord.). A Realeza de
Maria: I Congresso Mariológico de Aparecida. Aparecida: Santuário, 2004. p.
10-16.
MEO, Salvatore; DE FIORES, Stefano (org.). Dicionário de Mariologia.
Tradução de Álvaro A. Cunha et al. São Paulo: Paulus, 1986.