Com uma simplicidade que somente os verdadeiros sábios conseguem possuir, São Tomás de Aquino nos orienta no percurso sobre a história da Salvação em sua Suma Teológica.
O ser humano seria capaz de entender Deus e seus desígnios, por meio de sua inteligência? Sim! Mas nem todos e nem tudo o que deveríamos saber sobre Deus. Os mais capazes entre nós, com a dedicação de uma vida inteira, chegariam a muitas verdades concretas, como a existência de Deus, a sua necessidade de ser único e não “muitos deuses” etc.
E, de fato, os antigos filósofos gregos chegaram a essas e outras conclusões. No entanto, nem eles e nenhum outro conseguiriam deduzir pela inteligência a intimidade de Deus e seus desígnios para a humanidade.
Por isso, São Tomás deixa claro que a teologia católica, ou o conhecimento de Deus, é uma ciência que depende, em seus pontos mais importantes, da Revelação. Em outras palavras, se Deus mesmo não nos revelasse como Ele é e Seus projetos para nós, nunca alcançaríamos clareza alguma.
Por meio da revelação nas Sagradas Escrituras, podemos compreender que Deus é Único, como os filósofos já haviam entendido, mas também é Trino, fato que nunca descobriríamos nem pelas mais elaboradas investigações humanas.
E, justamente, porque toda a verdade sobre Deus é impossível de ser abarcada pela nossa inteligência, mesmo que Ele nos revele, tudo o que dissermos sobre Ele ainda será incompleto, ainda permanecerá envolto por um véu de mistério. Deus é inesgotável, nós não. E nossa capacidade de entendimento é mais limitada que nós mesmos.
Como tão bem explicou São Paulo, “hoje conheço em parte” (1Cor 13,12). Mas até mesmo quando virmos o “todo”, este “todo” não será tudo. Será tudo aquilo que podemos compreender nem uma gota a menos. Mas também nem uma gota a mais, isso é impossível.
Além de nos revelar a Si mesmo, Deus ainda ajuda o nosso entendimento, simplificando e revestindo as Suas verdades com alegorias e metáforas. Não temos outra alternativa para seguir o raciocínio neste artigo, a não ser também utilizá-las, além de simplificações extremas. Desse modo, conto com sua paciência e misericórdia.
Simplificando, poderíamos dizer que, da perfeição do conhecimento de Si mesmo, Deus gera uma segunda Pessoa na Santíssima Trindade. Além de não ser um “ato criador”, Ele não “criou” outra Pessoa, com imagens imperfeitas, diríamos que Ele “transbordou-Se”. Além disso, também não existe aqui antes e depois, estamos falando de algo completamente fora do tempo.
Por isso São João, o Apóstolo, procura delimitar (aquilo que não pode ser delimitado) explicando que antes de qualquer coisa existir, o Filho e o Pai já existiam:
“No princípio era o Verbo, e o Verbo estava em Deus e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio junto de Deus. Tudo foi feito por meio dele, e sem ele nada foi feito” (Jo 1,1-3).
São João da Cruz, refletindo sobre essa passagem do Evangelho de São João, com sua sabedoria mística e genialidade poética, usa o verbo no passado e no futuro (do pretérito), querendo indicar que não há passado ou futuro em Deus, somente um presente fora do tempo: eternidade. Ouçamos o próprio doutor da Igreja:
No princípio morava
o Verbo, e em Deus vivia,
nele sua felicidade
infinita possuía.
O mesmo Verbo Deus era,
e o princípio se dizia.
Ele morava no princípio,
e princípio não havia.
Ele era o mesmo princípio;
por isso dele carecia.
O Verbo se chama Filho,
pois do princípio nascia.
Ele sempre o concebeu,
e sempre o conceberia.
Dá-lhe sempre sua substância
e sempre a conservaria.
E assim, a glória do Filho
é a que no Pai havia;
e toda a glória do Pai
no seu Filho a possuía.
Essa relação amorosa de geração, ao mesmo tempo, de uma igualdade repleta de diferenças e, principalmente, a linguagem dos Evangelhos é que nos obriga a utilizar os termos Pai e Filho para essas duas pessoas da Santíssima Trindade. Se houver um termo mais apropriado, está fora do nosso alcance de compreensão.
E, de novo: nem antes, nem depois, mas durante e sempre e para sempre, essa relação perfeita de filiação consubstancial é, ao mesmo tempo, revestida e produtora da perfeição do Amor. Expira (o termo teológico que melhor define esse processo) Amor, o Espírito Santo que é Deus e procede do Pai e do Filho unindo-os ainda mais. Claro, “unindo-os ainda mais” como figura de linguagem, pois seria impossível “unir ainda mais” o que já é unificado pela substância da Divindade.
Tal relação de geração, Amor e Unidade, só saberíamos pela Revelação Divina. Também só conseguimos entender e explicar de maneira imperfeitíssima. Mas como é maravilhosa e não queremos deixar de pensar nela, recorremos novamente ao doutor carmelitano na continuação de sua poesia:
Como amado no amante
um no outro residia,
e esse amor que os une,
no mesmo coincidia
com o de um e com o de outro
em igualdade e valia.
Três pessoas e um amado
entre todos três havia;
e um amor em todas elas
e um só amante as fazia,
e o amante é o amado
em que cada qual vivia;
que o ser que os três possuem,
cada qual o possuía,
e cada qual deles ama
à que este ser recebia.
Este ser é cada uma,
e este só as unia
num inefável abraço
que se dizer não podia.
Pelo qual era infinito
o amor que os unia,
porque o mesmo amor três têm,
e sua essência se dizia:
que o amor quanto mais uno,
tanto mais amor fazia.
Para que você possa reler, saborear e meditar essa verdade revelada, traduzida em forma de poesia, do princípio ao fim novamente, trago uma explicação necessária:
Diferentemente do uso que fazemos atualmente da palavra “amante”, que é pejorativa e nos remete a uma relação extraconjugal, São João da Cruz a utiliza dentro de sua raiz filosófica. Assim, aquele que recebe o amor é o amado. Aquele que doa o amor é o amante.
Essa construção ainda é mantida em nossa linguagem cotidiana como: o estudante observa o material estudado. Ou, o comandante orienta o comandado. Assim, leia novamente a poesia entendendo que o amante ama aquele que é amado e, em Deus, amante e amado se fundem!
Esse admirável mistério de comunhão plena e amor total enche-nos de alegria e nos maravilha! E o que você pensaria, então, se eu dissesse que esse universo de comunhão e amor pode habitar em nós?
Pode. Mas isso é um assunto para um futuro artigo. Até lá.
Flavio Crepaldi