Muitas vezes, a piedade é traduzida como um sentimento de compaixão ou até mesmo é comparada e igualada ao termo misericórdia. Gostaria, porém, de trazer um outro sentido, saindo do senso comum e adentrando na realidade cristã. Sentido esse que é utilizado quando nos referimos ao dom infuso do Espírito Santo e que aprofunda a nossa relação com o Senhor. Acolher, aceitar e assumir a misericórdia de Deus parte do pressuposto do reconhecimento de si como filho. Seria absurdo viver a abundância divina, devolvendo-lhe nada ou entregando-lhe misérias sem fim. Isto só se torna aceitável e, por conseguinte, salvífico, imprescindível e maravilhoso quando se vive o amor de Deus, como de Pai para filho – que é o modo como, na realidade, deve ser.
Sendo assim, e num desejo ardente de experimentar essa vivência mergulhada no coração de Deus, resta-nos a pergunta: como reconhecer-me como filho? Bem, a piedade é esse dom.
É uma graça de devoção. Não qualquer devoção, mas de uma entrega filial. Uma confiança plena e uma reverência sincera de um filho para com seu pai no desejo de agradá-lo e de permanecer unido a ele.
Como quando uma criança faz um desenho e se empenha unicamente para que no fim o seu pai possa ver. Já viu isso acontecer? Às vezes, se o pai se encontra numa conversa, o filho se coloca a chamá-lo insistentemente. E o simples olhar do pai é o suficiente para que haja a recepção do amor – como a única coisa que importa na vida – por parte da criança. O contrário, inclusive, é extremamente doloroso porque “retira” esse sentido de filiação.
Nos pequenos é possível enxergar isso de forma mais explícita. Mas, enquanto vivemos, existe um querer profundo, sincero e muito digno de aprazer os nossos pais como expressão de gratidão e de louvor ao amor que recebemos.
E isto tudo considerando os limites e as fraquezas humanas.
Transcendamos agora.
A piedade é uma ligação filial com Deus: “Esta ligação com o Senhor não deve ser entendida como um dever ou uma imposição. É uma ligação que vem de dentro. Trata-se de uma relação vivida com coração: é a nossa amizade com Deus, dada a nós por Jesus, uma amizade que muda a nossa vida e nos enche de entusiasmo, de alegria. Por isso, o dom da piedade suscita em nós antes de tudo a gratidão e o louvor”, diz Papa Francisco.
Desta forma, a piedade se torna manifestação da misericórdia. Primeiro, porque Deus quer que o reconheçamos como Pai e, sabendo que não somos capaz de fazê-lo por nós mesmos, concede-nos dom celestial, do Seu próprio Espírito que nos capacita a viver tamanho amor que nos quer salvar. Segundo, porque nesta piedade debruçamo-nos na intimidade e na busca de Deus que é, em si, o nosso princípio e o nosso fim: uma relação profunda ao ponto de tornarmo-nos um com Ele. Piedade é devoção. É fé, crença e religiosidade que nos permite enxergar as prerrogativas do Amor para nos alcançar.
E no fim, após vivermos esse sentido primeiro do dom: a filiação, o amor ao outro e a tudo o que nos aproxima do Pai acontece em nós.
Termino com São Francisco de Sales: “É um erro querer medir a nossa devoção através das consolações que experimentamos. A verdadeira piedade no caminho de Deus consiste em ter uma vontade resoluta de fazer tudo que Lhe agrada”.
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Catarina Xavier Santos
Comunidade Canção Nova