UNIDADE

Sacerdote, um outro Cristo

O sacramento da Ordem comunica ‘um poder sagrado’, que é o próprio poder de Cristo. O exercício desta autoridade deve, pois, ser medido pelo modelo de Cristo que, por amor, se fez o último e servo de todos.” (CAT 1551)

No mês de agosto, a Igreja nos motiva à reflexão sobre as vocações. Vocação é um chamado de amor, que parte da iniciativa amorosa de Deus em favor dos homens. O primeiro chamado é a vocação à santidade e, a partir desta, a vocação específica que precisamos assumir a fim de alcançarmos a perfeição cristã: “Sede perfeitos como vosso Pai Celeste é perfeito (Mt 5,4-8).”

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Sendo um chamado de amor de Deus para conosco, é preciso abertura, escuta, sensibilidade e coragem para acolher e assumir a vontade de Deus a nosso respeito. Porque nada mais devemos ansiar do que permitir que a vontade de Deus se realize em nossas vidas, e assim sermos, de fato, plenamente felizes.

“Todos nós, sendo batizados, fazemos parte do sacerdócio de Cristo, e de forma especial os ministros ordenados são convidados a viver e testemunhar o próprio Cristo.” | Foto ilustrativa: cancaonova.com

Nesse sentido, quando assumimos verdadeiramente o compromisso de trilhar o caminho de santidade a partir da nossa vocação acolhida com amor e ardor, tomamos consciência sobre a perfeição que devemos alcançar. Perfeição que se traduz no seguimento a Cristo, a fim de alcançarmos a estatura do Homem Perfeito, o próprio Senhor. Desse modo, todo cristão batizado participa do sacerdócio de Cristo, e, de maneira especial, os ministros ordenados, que, por meio do Sacramento da Ordem assumem a Pessoa de Cristo, agem in Persona Christi.

Sede santos, porque Eu Sou Santo

A palavra vocação é oriunda do latim vocare, ou seja, significa chamado, apelo, convite. Na raiz está “vox”, “vocis”, “voz”. No contexto da história da salvação, principalmente quando refletimos o Pentateuco, ou seja, os cinco primeiros livros da Bíblia, vemos a persistência de Deus em se dirigir ao seu povo, para que voltassem a viver uma vida coerente, de fidelidade, pois haviam se corrompido a toda espécie de pecados.

A ordem do Senhor dada a Moisés é clara: “Fala a toda a comunidade dos israelitas e dize-lhes: Sede santos, porque eu, o Senhor vosso Deus, sou santo.” (Lv 19, 2) Este é o desejo do profundo do coração de Nosso Deus: que sejamos santos. Porque a nossa natureza é santa, pois somos obras de suas mãos, e a busca pela santidade corresponde ao nosso desejo sincero de romper com as obras do pecado que, infelizmente, manchou a nossa natureza.

Sabemos que se trata de uma luta diária. Porém, o que deve alimentar o nosso coração é o desejo ardente de voltar o nosso olhar, a nossa mente, nossas atitudes, todo nosso ser para Aquele que nos ama e nos dá forças. E a partir da consciência de nossa vocação primária, que é a busca pela santidade, Deus nos chama a uma vocação específica. Vocação esta que será um meio para que, de fato, consigamos caminhar em direção à meta, que é a santidade. Aqui, adentramos na beleza das vocações. Todas elas, seja o matrimônio, a vida consagrada ou o sacerdócio, todas precisam revelar a alegria de sermos pertença de Deus, e que, com o testemunho de vida dentro do estado de vida específico, o mundo contemple e ateste que é possível ser de Deus, alegres e realizados.

Nesse contexto, voltemos nosso olhar para o chamado ao sacerdócio. Todos nós, sendo batizados, fazemos parte do sacerdócio de Cristo, e de forma especial os ministros ordenados são convidados a viver e testemunhar o próprio Cristo.

Povo santo, povo sacerdotal

Importante compreender a beleza de que todo o povo de Deus é verdadeiramente um povo sacerdotal, ou seja, somos participantes no sacerdócio único de Cristo. O Catecismo da Igreja Católica, no parágrafo 1546, nos fala: “Toda a comunidade dos fiéis é, como tal, sacerdotal. Os fiéis exercem seu sacerdócio batismal por meio de sua participação, cada qual segundo sua própria vocação, na missão de Cristo, Sacerdote, Profeta e Rei. É pelos sacramentos do Batismo e da Confirmação que os fiéis são consagrados para ser um sacerdócio santo.”

Ou seja, pela graça do sacramento do Batismo e da Confirmação, todos nós, povo de Deus, somos parte do Corpo Místico de Cristo. Compomos a Igreja, cada um em sua vocação específica, em sua realidade particular, somos convidados a testemunhar com a nossa vida concreta o sacerdócio de Cristo. O Catecismo continua, pois, a esclarecer a nossa participação do sacerdócio de Cristo, com as devidas realidades especificas no parágrafo 1547: “O sacerdócio ministerial ou hierárquico dos bispos e dos presbíteros e sacerdócio comum de todos os fiéis, embora ambos participem, cada qual a seu modo, do único sacerdócio de Cristo, diferem, entretanto, essencialmente, mesmo sendo ordenados um ao outro. Em que sentido? Enquanto o sacerdócio comum dos fiéis se realiza no desenvolvimento da graça batismal, vida de fé, de esperança e de caridade, vida segundo o Espírito, o sacerdócio ministerial está a serviço do sacerdócio comum. […] É um dos meios pelos quais Cristo não cessa de construir e de conduzir sua Igreja. Por isso é transmitido por um sacramento próprio, o sacramento da Ordem.”

Dessa forma, podemos compreender que todos fazemos parte do sacerdócio de Cristo, porém, aos sacerdotes é concedida esta graça de uma forma mais específica e de grande responsabilidade. Por meio do sacramento da Ordem, o sacerdote deve estar inteiramente a serviço do povo, e por meio deste mesmo sacramento, ser um sinal concreto de unidade e condução ao rebanho de Cristo.

In Persona Christi

Desde o Antigo Testamento, vemos a importância do consagrado, ou seja, da pessoa que era escolhida e “separada” para viver exclusivamente as realidades sagradas. Assim era, por exemplo, com os sacerdotes da Antiga Aliança. Eram homens que se dedicavam e viviam em função do serviço a Deus.

O Catecismo, no parágrafo 1539, afirma: “O povo eleito foi constituído por Deus como um reino de sacerdotes e uma nação santa (Ex 19,6). Mas, dentro do povo de Israel, Deus escolheu uma das doze tribos, a de Levi, reservando-a para o serviço litúrgico; Deus mesmo é sua herança. […] Os sacerdotes são aí constituídos para intervir em favor dos homens em suas relações com Deus, a fim de oferecer dons e sacrifícios pelos pecados.”
Em todas as prefigurações sacerdotais do Antigo Testamento, podemos dizer que encontram pleno cumprimento em Jesus Cristo, Aquele que ofereceu, de uma vez por todas, o pleno e verdadeiro sacrifício. “O sacrifício redentor de Cristo é único, realizado uma vez por todas. Não obstante, torna-se presente no sacrifício eucarístico da Igreja. O mesmo acontece com o único sacerdócio de Cristo: torna-se presente pelo sacerdócio ministerial, sem diminuir em nada a unicidade do sacerdócio de Cristo. Por isso, somente Cristo é o verdadeiro sacerdote; os outros são seus ministros.” (CAT 1545)

Tomemos o episódio da Última Ceia, quando Jesus declara que desejou ardentemente estar com seus amigos, e ali instituir os Sacramentos da Eucaristia e da Ordem. Ali, naquele momento em que Jesus entrega para nós seu Corpo e Sangue para nossa salvação, e deixa a ordem para seus discípulos e para nós: “Fazei isto em memória de mim. (Lc 22, 19)” Naquela noite, Jesus entrega aos seus a missão que hoje é estendida aos sacerdotes, ou seja, fazer as vezes do Mestre. Trata-se de uma vocação de amor e serviço, de doação e entrega total. Inclusive, não confiada aos melhores e mais capacitados, pois sabemos quem eram os discípulos.

Desse modo, concluímos que “o ministro faz as vezes do próprio Sacerdote, Cristo Jesus. Se, na verdade, o ministro é assimilado a Sumo Sacerdote por causa da consagração sacerdotal que recebeu, goza do poder de agir pela força do próprio Cristo que representa.” (CAT 1548) Trata-se de uma graça que, pela compreensão humana, por vezes, se torna difícil de assimilar. Sim, porque, pela vontade do Senhor, um homem comum, como qualquer um outro, é retirado por meio do povo para ser um outro Cristo. E mesmo a partir da “presença do Cristo no ministro, não deve ser compreendida como se este estivesse imune a todas as fraquezas humanas, ao espírito de dominação, aos erros e até aos pecados.” (CAT 1550)

Como já acenado anteriormente, Deus chama com uma vocação especial, a fim de que cada um a assuma como meio de santificação. Assim acontece com os sacerdotes, que, por amor, assumem o chamado, mesmo que pareça impossível viver com fidelidade por tão nobre que seja a vocação, frente às fraquezas e limites de cada um. É por graça de Deus, e “depende inteiramente de Cristo e de seu sacerdócio único, e foi instituído em favor dos homens e da comunidade da Igreja. O sacramento da Ordem comunica ‘um poder sagrado’, que é o próprio poder de Cristo. O exercício desta autoridade deve, pois, ser medido pelo modelo de Cristo que, por amor, se fez o último e servo de todos.” (CAT 1551)

A vida e o testemunho do sacerdote

Sendo toda e qualquer vocação uma iniciativa amorosa de Deus, o sacerdote deve trazer em seu coração, antes de tudo, uma profunda gratidão. Gratidão por ter sido escolhido, mesmo em meio aos limites humanos, para viver tão nobre vocação: ser o Cristo na terra em meio aos homens.
Isso requer uma total entrega, e em todos os aspectos: entrega de si, do seu tempo, das suas vontades, assim como Paulo declara, “ser tudo para todos.” (1Cor 9, 22) De fato, é somente por graça de Deus. Além disso, não se pode esquecer do grande combate espiritual que os sacerdotes são submetidos, pois estes, ao serem ordenados, declaram abertamente uma dura guerra contra o inimigo de Deus.

Quando nos referimos à esta batalha contra o demônio, Santo Afonso Maria de Ligorio, em seu livro “A selva”, assim descreve: “Quanto ao corpo místico de Jesus Cristo, que se compõe de todos os fiéis, tem o sacerdote o poder das chaves: pode livrar do inferno o pecador, torná-lo digno do Paraíso, e, de escravo do demônio, fazê-lo filho de Deus.” É verdadeiramente um grande mistério, e ao mesmo tempo uma responsabilidade que, de certa forma, exige do sacerdote uma busca sincera por uma vida reta e coerente com a vocação que abraçou. Por isso, continua Santo Afonso, “são os padres escolhidos por Deus para tratarem na terra de todos os seus negócios e interesses; é uma classe inteiramente consagrada ao serviço do Mestre. […] O sacerdote é o ministro que o próprio Deus estabeleceu como embaixador público de toda a Igreja junto dele, para honrá-lo e obter da sua bondade as graças necessárias a todos os fiéis.”

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Trata-se verdadeiramente de um tesouro em vasos de barro (2Cor 4, 7). O sacerdote é portador deste grande e valioso tesouro, porém, guardado na fragilidade de sua humanidade. Por ser um escolhido para ser um outro Cristo, deve trazer em si o desejo de viver do mesmo modo que o Mestre, ou seja, ter os mesmos sentimentos de Cristo. (Fl 2,5)

Ter os mesmos sentimentos de Cristo se traduz em um ato de amor. O sacerdote deve viver em vista do amor a Cristo e pelas suas ovelhas. No livro ‘Catecismo da vida espiritual’, o Cardeal Robert Sarah assim descreve: “O sacerdócio de Cristo traz, antes de tudo, o sinal de um amor imenso: o amor ao Pai, a cujo projeto Ele adere sem reserva, desde o primeiro momento da Encarnação até a morte de Cruz. E o amor do Pai é a fonte do seu amor para com os homens que veio salvar […]”

Não é tarefa fácil, pois exige a radicalidade própria da vida do Mestre. Uma vida que rompe com as sugestões e seduções do mundo, além de uma vida de renúncia, oração e sacrifícios. Porém, tudo isso precisa ser regado com amor e alegria, pois, do contrário, a vida sacerdotal se tornaria um fardo insuportável. É somente pelo amor a Cristo e ao povo de Deus, como continua o Cardeal Sarah: “Ao mesmo tempo, em cada sacerdote da Nova Aliança, o amor incondicional de Cristo se traduz no amor pelos homens a ele confiados”.

Louvemos a Deus pela vida desses homens de Deus, os ministros ordenados. Rezemos pela fidelidade e santificação dos sacerdotes e pelas vocações, pela intercessão da Bem-aventurada Virgem Maria e São José.

Deus abençoe você!


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