Os encontros com Jesus narrados nos Evangelhos são sempre decisivos, geradores de um caminho de conversão e de vida. E a conversão leva à experiência inesquecível do perdão, doação continuada de vida plena, própria de Deus e proposta como estrada a ser percorrida pela humanidade. Reconhecemos que é plano de Deus, quando os discípulos de Jesus foram enviados aos confins da terra, que qualquer tempo, lugar ou situação humana podem e devem ser destinatários da novidade do Evangelho. Isso acontece mesmo e, especialmente, nos tempos conflitivos em que vivemos. Com o Papa Francisco, continuamos em prece fervorosa para que a paz, fruto de genuína reconciliação, venha a resplandecer entre as pessoas, povos, nações e blocos políticos existentes no mundo.
Mas tudo começa no coração das pessoas. O Evangelho de São João, proclamado pela Igreja no Quinto Domingo da Quaresma (Jo 8,1-11), descreve um encontro maravilhoso, onde os extremos se tocam de forma surpreendente, com a narrativa do episódio da mulher adúltera, seus acusadores, os discípulos, testemunhas abalizadas dos fatos, a multidão e o Senhor misericordioso.
A compaixão, a misericórdia e o perdão prometidos são a resposta de Deus à miséria e ao pecado humano. Parece incrível, mas o início é justamente a fragilidade, para depois ouvir do Senhor: “Não deveis ficar lembrando as coisas de outrora, nem é preciso ter saudades das coisas do passado. Eis que estou fazendo coisas novas, estão surgindo agora e vós não percebeis?” (Is 43,18-19). A mulher tinha sido surpreendida mesmo em adultério, era uma pecadora, e a lei vigente permitia que fosse apedrejada, mas depois do homem (Lv 20,10). E o adúltero nem aparece na história, pois se tratava de uma armadilha para Jesus e uma condenação arbitrária de uma pecadora.
Para receber o perdão de Deus, é necessário, primeiro, tomar consciência da própria fraqueza e reconhecer os pecados. Em nossa história de misericórdia, certamente não vamos passar por acusações públicas, ainda que estas aconteçam também em nossos dias, muitas vezes caluniosas e destruidoras da dignidade das pessoas. Podemos imaginar a mulher pecadora exposta ao ridículo, com gente armada, de pedras em punho, todos prontos a descarregar numa pessoa os traumas e, quem sabe, os pecados semelhantes ou maiores. Quando nos confessamos, a luz chega ao coração quando esclarecidos por sincero exame de consciência, tomamos a decisão de expor ao Senhor nossa pequenez e nossa vontade de recomeçar. É bom lembrar que a melhor fonte para este exercício chamado exame de consciência é a Palavra de Deus. Pode ser o texto dos mandamentos, ou o Sermão da Montanha (Mt 5 – 7), as Bem-aventuranças (Mt 5,1-12), o Sermão sobre o juízo final (Mt 25,31-46). Já experimentamos examinar a consciência com o capítulo treze da Primeira Carta aos Coríntios, sobre a caridade? Ou os capítulos quatro a seis da carta aos Efésios? Podemos acolher estas propostas
Voltando à mulher adúltera, e devemos chamá-la de irmã e modelo na estrada da conversão, penitente sincera, encontra-se agora diante de Jesus. E ele escreve na areia! O Senhor propõe que os acusadores que não tivessem pecado começassem o apedrejamento. E todos se retiraram, a partir dos mais velhos. Parece que os conselhos, naquela confissão pública, tenham sido apenas seu dedo escrevendo, quiçá os pecados dos circunstantes ou, melhor ainda, as palavras de fortalecimento a serem dadas de presente àquela mulher. Trocaram olhares, e da parte da mulher havia ali a contrição pelos seus muitos pecados. Nela aprendemos a buscar este maravilhoso Sacramento, a Penitência. O Ritual da Penitência, além de outras propostas, oferece um Ato de contrição que expressa tudo o que é necessário quando buscamos sinceramente o perdão e o banho da misericórdia: “Senhor Jesus Cristo, Filho do Deus Vivo, tem piedade de mim, que sou pecador!”
E vem a sentença solene de absolvição! “Jesus ficou sozinho com a mulher que estava no meio, em pé. Ele levantou-se e disse: ‘Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?’ Ela respondeu: ‘Ninguém, Senhor!’ Jesus, então, lhe disse: ‘Eu também não te condeno. Vai, e de agora em diante, não peques mais’” (Cf. Jo 8,9-11). No segredo de nossas confissões sacramentais, quantas coisas já ficaram para trás, no perdão de Deus, para olhar adiante e para o alto!
Jesus propõe uma vida nova àquela mulher, com a qual nos identificamos para buscar com confiança o perdão de Deus. Um dos frutos, quando nos aproximamos e recebemos o perdão de Deus, são os gestos de oração, caridade e mudança concreta, reintegrando-nos na comunidade cristã. Ouvimos o confessor propor um gesto penitencial, que acompanhe o propósito de vida nova, pois ouvimos, como a mulher do Evangelho: “Vai, e de agora em diante, não peques mais”.
Entretanto, falta-nos esclarecer que, muitas vezes, ouvimos este “Não Peques mais”! E voltamos ao Sacramento, muitas e muitas vezes. Será falta de vergonha? Não, é que Deus nos oferece o tempo propício para o arrependimento, dando-nos sempre maiores oportunidades de crescimento e amadurecimento. Deus nos conhece e sabe que ainda somos pecadores, oferecendo-nos mais oportunidades! É bom que a esta altura da Quaresma verifiquemos, com olhar do otimismo da fé, mais os passos que foram dados do que as eventuais quedas. E é até bom aproveitar para olhar para os irmãos e irmãs e fazer brotar de nossos lábios alguma palavra de elogio pelos passos dados. E com eles ficaremos mais felizes ainda! Podemos aprender a conversar e testemunhar, na edificação recíproca, sobre o crescimento de nossa vida cristã, mais do que os defeitos ou pecados! E, ao final, em nossa Páscoa pessoal da morte, ficaremos ainda surpresos, por termos sido salvos por misericórdia!
DOM ALBERTO TAVEIRA CORRÊA
Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará