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Como dar sentido espiritual a minha Quaresma?

Oração, caridade e penitência

Todos os anos, a Igreja Católica nos convida a viver um período de preparação especial para a data mais importante do nosso calendário litúrgico: a Semana Santa, o tríduo Pascal. Este período de preparação, que é composto de 40 dias (tradicionalmente, não se contam os domingos), é conhecido como Quaresma. Essa palavra tem sua origem no latim (quadragesima dies) – quarenta dias.

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Para muitos cristãos, a Quaresma é uma oportunidade de retomada da vida espiritual e de crescimento na vida de comunhão com Deus, ou seja, ela é uma oportunidade de crescimento na vida espiritual. Para alcançar este objetivo, muitos praticam atos de piedade, caridade e penitência, seguindo assim a orientação da Igreja que nos pede para, neste tempo, de forma especial, vivermos a oração, a caridade e a penitência.

“É preciso viver a Quaresma como uma ascese” | Foto ilustrativa: cancaonova.com

Com o passar do tempo, porém, nós podemos nos acostumar com a maneira como vivemos nossas práticas quaresmais, e corremos o risco de não tirar o devido proveito que este período pode nos oferecer. Acabamos caindo numa forma de automatismo. Não refletimos sobre o que estamos vivendo e nos “robotizamos”, agimos como máquinas e não como seres que possuem alma.

O Evangelho de São Marcos, no início do capítulo 7 (essa passagem foi proclamada na Missa da terça-feira da 5ª Semana do Tempo Comum ) conta que alguns fariseus e escribas criticaram os discípulos de Jesus pelo fato destes comerem sem terem feito a ablução antes das refeições. No versículo 3, o evangelista diz:

Com efeito, os fariseus e todos os judeus, apegando-se à tradição dos antigos, não comem sem lavar cuidadosamente as mãos.

São Marcos utiliza uma palavra para descrever a maneira, mas também o porquê de aqueles fariseus e escribas viverem a prática da ablução; ele usa um verbo em grego (kratos), que pode ser traduzido por apegar. Ou seja, eles viviam este rito, prescritos na lei mosaica, por apego.

Na vida de comunhão com Deus, na vida espiritual, o apego não é algo bom, mas ruim, pois ele diz respeito a uma dedicação exagerada a algo, e não a Àquele que é. Ficamos centrados nas coisas e não em Deus. Quando vivemos, por apego, uma realidade espiritual, o rito ou parte dele acaba sendo esvaziado, pois perde o sentido do porquê ele deve ser praticado, dando maior importância ao gesto que a finalidade do mesmo.

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Fico imaginando o caso da passagem do Evangelho que citei. É bem possível que eles tenham chegado até mesmo a melhorar a maneira como o rito se realizava, com movimentos e posturas mais piedosas, que tenham melhorado os objetos “litúrgicos“ utilizados para a prática da ablução, trazendo requinte e beleza aos objetos, adicionando ouro ou pedras preciosas etc., porém, a dimensão espiritual foi deixada de lado, e o ato se tornou um ritualismo.

Não podemos fazer o mesmo com a Quaresma, ela não pode se tornar uma forma de ritualismo, onde a vivência das práticas exteriores (que não são ruins e, portanto, devem ser vividas) não adicionam nada em nossa vida e não nos ajudam a crescer espiritualmente.

É preciso viver a Quaresma como uma ascese, ou seja, numa busca de aperfeiçoamento espiritual e de comunhão com o Senhor, numa perspectiva de crescimento, visando chegar na Semana Santa com o coração e a alma em um estado de graça maior do que antes de ter começado a preparação. É preciso amar mais a Deus após os quarenta dias vividos de forma piedosa, penitencial e oracional.

Agora, quais práticas eu devo realizar? Devo substituir as penitências clássicas? Devo, então, ser ainda mais rigoroso nas práticas que eu costumo viver? A verdade é que a vida espiritual não se trata de quantidade (maior ou mais forte), mas da qualidade e intensidade com que eu pratico o ato.
A primeira realidade que devemos ter em mente é que o meu ato tem que ser, antes de mais nada, fundado no amor em direção a Deus. Eu faço porque eu amo meu Senhor, e não para provar que eu sou capaz de resistir. A prática do jejum, por exemplo, deve me levar a pensar que a privação do alimento não é uma forma de dieta, mas que o fato de substituir a refeição material por uma comunhão espiritual deve me levar a estar mais próximo d’Aquele que me ama e eu d’Ele. Não posso praticar o jejum simplesmente para provar (para mim mesmo ou outro ser humano) que eu sou capaz de passar um dia sem comer, pois outras pessoas também fazem e, às vezes, por questões estéticas ou esportivas.

Da mesma forma, a minha vida de oração, neste tempo, deve ser acrescida de atos de amor pelo Senhor. Para isso posso utilizar de orações já escritas, de roteiros quaresmais ou ainda de outros meios como retiros e formações. Porém, não posso viver isso de forma mecânica ou vazia. Imagina a pessoa que decidiu ler um bom livro que conta a vida de um santo. Ela entra na capela, sem mesmo olhar para o sacrário, senta-se no fundo, abre seu livro, fica lendo-o por 30 minutos; após isso, levanta-se e vai embora. Essa pessoa adquiriu conhecimento, mas perdeu a oportunidade de amar o Amor.
Assim também deve ser nossa vida de caridade. Cada vez mais, ficamos desconfiados quando fazemos o bem a alguém, pois nunca sabemos qual será o destino final do que iremos dar. Aqui, eu também devo agir como alguém que faz porque ama a Deus, porque nosso Senhor me pede e não porque eu preciso encontrar mérito ou segurança no outro.

Finalizo, não caindo no mecanismo, no ritualismo, fazendo não por apego, mas por amor a Deus que nos amou primeiro.
Desejo a você uma boa e santa Quaresma!

Deus o abençoe!

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