Ao refletir sobre a maternidade divina da Virgem Maria, podemos lançar o olhar sobre os Evangelhos que afirmam que Maria é a Mãe de Jesus (Jo 2,1; 19,25); no Evangelho de São Lucas Maria é aclamada por Isabel como a Mãe do Salvador, sob o impulso do Espírito Santo, antes mesmo do nascimento do seu Filho: “Como mereço que a mãe do meu Senhor venha me visitar?” (Lc 1,43). Este título, é confirmado pelo Magistério da Igreja:
Com efeito, Aquele que ela concebeu do Espírito Santo como homem e que se tornou verdadeiramente seu Filho segundo a carne não é outro que o Filho eterno do Pai, a segunda Pessoa da Santíssima Trindade. A Igreja confessa que Maria é verdadeiramente Mãe de Deus (Theotókos)” (CIC 495).
:: Somos Senhor tua Igreja que aguarda e apressa Sua vinda gloriosa
Sabemos que cabe ao Magistério da Igreja interpretar com autenticidade a Palavra de Deus escrita ou transmitida. Essa autoridade confiada à Igreja é exercida em nome de Jesus Cristo e “foi confiado aos bispos em comunhão com o sucessor de Pedro, o bispo de Roma” (CIC 85). Sendo assim, a Igreja se lança, desde os primeiros séculos, no ofício de ensinar o que foi transmitido pela Palavra de Deus. A Igreja desempenha este papel com a consciência de que é conduzida por um mandato divino, onde sempre é auxiliada pela assistência do Espírito Santo.
Para garantir que a essência da fé Católica seja preservada, o Magistério da Igreja se empenha na definição dos dogmas: “os dogmas são luzes no caminho da nossa fé que o iluminam e o tornam seguro” (CIC 89); eles garantem que o depósito da fé seja preservado no coração dos fiéis. Já nos primeiros séculos, na defesa da fé, a Igreja precisa combater as primeiras heresias que nesta época, mais do que a divindade de Cristo, negavam sua humanidade verdadeira. Neste contexto, define-se no Concílio de Éfeso, o primeiro dogma mariano: Maria é verdadeiramente Mãe de Deus (Theotókos).
Esta solenidade que proclama “Santa Maria Mãe de Deus” é comemorada pela Igreja no dia primeiro de janeiro. É a primeira festa mariana que apareceu na igreja Ocidental. O título “Mãe de Deus” é atribuído oficialmente a Maria no século V, no Concílio de Éfeso ocorrido, no ano de 431. Nesta época, havia intensos debates em que se questionavam sobre a pessoa de Cristo – negavam que Jesus Cristo é Verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Dessa forma, surgiram várias heresias e, dentre elas, a heresia nestoriana, que via em Cristo uma pessoa humana unida à pessoa divina do Filho de Deus. Diante desta heresia, a Igreja se levanta na defesa da fé e São Cirilo de Alexandria e o III Concílio Ecumênico, reunido em Éfeso em 431, confessaram que:
O Verbo, unindo a si em sua pessoa uma carne animada por uma alma racional, se tornou homem”. A humanidade de Cristo não tem outro sujeito senão a pessoa divina do Filho de Deus, que a assumiu e a fez sua desde a concepção. Por isso o Concílio de Éfeso proclamou em 431, que Maria se tornou de verdade Mãe de Deus pela concepção humana do Filho de Deus em seu seio: “Mãe de Deus não porque o Verbo de Deus tirou dela sua natureza divina, mas porque é dela que ele tem o corpo sagrado dotado de uma alma racional, unido ao qual, na sua pessoa, se diz que o Verbo nasceu segundo a carne. (CIC 466)
Segundo o Papa Bento XVI (2008), o título “Mãe de Deus”, Theotókos, confirma a devoção do povo cristão já a partir do século III. Com este título “foi solenemente confirmada, por um lado, a unidade das duas naturezas, a divina e a humana, na pessoa do Filho de Deus (cf. DS, n. 250) e, por outro, a legitimidade da atribuição à Virgem do título de Theotókos, Mãe de Deus”. A partir de então, houve uma verdadeira explosão de devoção mariana e foram construídas várias igrejas dedicadas à Mãe de Deus, dentre elas, a Basílica de Santa Maria Maior, em Roma. Além disso, no Concílio de Calcedónia (451) Cristo foi declarado “verdadeiro Deus e verdadeiro homem, nascido de Maria Virgem e Mãe de Deus, na sua humanidade, para nós e para a nossa salvação”.
E o Concílio Vaticano II reuniu no oitavo capítulo da Constituição dogmática sobre a Igreja Lumen gentium, a doutrina sobre Maria, reafirmando a sua divina maternidade. O capítulo intitula-se: “A Bem-Aventurada Virgem, Mãe de Deus, no mistério de Cristo e da Igreja”. O Papa Bento XVI acentua a missão de Maria na história da alvação e convida-nos a concentrarmos o olhar na natividade do Filho de Deus, especialmente no presépio, quando no centro deste cenário “encontramos a Virgem Mãe que oferece o Menino Jesus à contemplação de quantos vão adorar o Salvador”. Ela nos oferece seu Filho como Mãe da Igreja, mas “também Mãe de cada um de nós, que somos membros do Corpo místico de Cristo”.
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Ao contemplar a solenidade da maternidade divina de Maria, também convém lembrar a reflexão de Santo Afonso de Ligório (2021), em sua célebre frase, quando afirma que “Deus quer que todas as graças nos venham pelas mãos de Maria”. Este santo nos diz que esta verdade é um grande consolo “para as almas ternamente afeiçoadas a Maria Santíssima e para os pobres pecadores que querem converter-se”. Por isso, afirma que o louvor a Maria é uma fonte abundante de graças: “quanto mais dela se tira, tanto mais se enche; quanto mais se enche, mais se alarga. Isso quer dizer que a Virgem bem-aventurada é tão grande e sublime que, quanto mais se louva, mais fica por louvar”. Este humilde santo, citando São Boaventura, ensina que “aqueles que se empregam em publicar as glórias de Maria têm o céu seguro”. Santo Afonso também se apropria das palavras de S. Lourenço para dizer que: “louvar a Rainha dos anjos é o mesmo que ganhar a vida eterna. […] Pois que a gratíssima Senhora, […] glorificará no século futuro os que a honram no presente. Bem se empenhará ela em honrar na outra vida quem nesta se empenhar em a honrar”. Apoiados nas sábias palavras destes santos concluímos que todos aqueles que desejarem o céu devem ser fiéis devotos da Santíssima Virgem Mãe de Deus e, ainda mais: devem, proclamar seus louvores.
Ao final desta reflexão, gostaria de propor uma meditação sobre as palavras do anjo Gabriel a São José: “José, Filho de Davi, não temas receber Maria, tua esposa; o que nela foi gerado vem do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, e tu lhe porás o nome de Jesus, pois ele vai salvar o seu povo dos seus pecados” (cf. Mt 1,20b-21).
Caro leitor, não temas receber Maria em tua casa, em teu coração, pois o que nela foi gerado vem do Espírito Santo! Verdadeiramente, a Virgem Maria é Theotókos!
Salve Maria!
Referências:
BENTO XVI, PAPA, Audiência Geral, 2 jan de 2008: https://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/audiences/2008/documents/hf_ben-xvi_aud_20080102.html Acesso: 18/dez, 22:50.
BÍBLIA. Português. Bíblia de Jerusalém. Trad. Gilberto da Silva Gorgulho; Ivo Storniolo; Ana Flora Anderson (Coord.). Nova ed. rev. amp. São Paulo: Paulus, 2002.
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. 3. ed. Petrópolis: Vozes; São Paulo: Paulinas, Loyola, Ave-Maria, 1993.
LIGÓRIO, S. Afonso. Glórias de Maria. 1° ed. – São Caetano do Sul, SP: Santa Cruz – editora e livraria, 2021.