Abandone-se em Deus. Deixe-se amar e ame-O de volta!
A capacidade do homem em amar a Deus e amar ao próximo é a operação da fé na vida daquele homem e daquela mulher. A lei do Espírito está sendo vivida, o dinamismo e o fluxo natural de uma vida espiritual verdadeira são provados através da operação da caridade (do amor ágape, do amor divino em nós). É sempre assim: primeiro, nós bebemos da fonte e, depois, levamos a água para outros tomarem.
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Nesta Quaresma, basicamente nós estamos no meio dela, entre o seu início e a Semana Santa. Chegamos ao meio do deserto. Se, realmente, você tem vivido uma Quaresma, como manda a Santa Mãe Igreja. É sinal de que você está se deixando conhecer, analisando suas profundezas não evangelizadas, tocando nas suas rotinas não virtuosas, na falta de arrependimento, na falta de vida interior, na ausência de intimidade com Deus etc. A Quaresma é uma grande oportunidade de corrigir a agulha da bússola, de analisar a si mesmo de maneira realista. Eu estou ocupando meu tempo com o que é “[…] verdadeiro, nobre, justo, puro, amável, honroso, virtuoso, ou que de qualquer modo mereça louvor” (Filipenses 4,8)?
Você sabe que se tornará aquilo que você adora? Se você ama qualquer coisa, se você tem foco em algo específico, logo se tornará um especialista naquilo ou naquela pessoa. É muito típico do nosso coração se apaixonar. E, quando isso acontece, absorvemos o que nos apaixona. Absorvemos o externo para o interno. Tudo sob a ótica da paixão, daquele movimento tão humano, que é amar. Porém, a humanidade foi feita para o Criador. Amá-Lo é “se devolver para si mesmo”. É encontrar o eixo de tudo, o sentido para a vida, a agulha da bússola passa a apontar para o norte.
Você deixa de ficar perdido, pois à medida que seu amor por Deus cresce, é sinal também de que Ele te faz amado! Só é possível amar, de verdade, quem se sente amado. E não só se “sente” porque o amor de Deus é mais concreto e prazeroso do que qualquer amor terreno. Estou falando sério! Deus nos dá prazer. É maravilhoso rezar, estar na presença d’Ele. Porém, é preciso experimentar. E ainda te digo mais: uma vida de oração, de adoração, de cuidado de si e dom de si nos amadurece. Veja os santos: homens e mulheres de fibra, de união íntima com Deus, contudo: peritos em humanidade.
Santidade é combate para aperfeiçoar-se, é combate para ser mais para Deus, para buscar a perfeição humana através do amor divino. Não é tanto fazer, é ser! Isso precisa da nossa atenção. Por exemplo, como pode uma mulher trancada num Carmelo, que adoeceu e não poderia fazer muitas coisas; mas, em tudo o que fazia, o amor divino a penetrava e seu atos ardiam de amor? Estamos falando de uma Doutora da Igreja Santa Teresinha do Menino Jesus. Da “pequena via”. Uma lição para os tempos modernos que nos faz apenas: fazer, construir, ter etc.. Mas, não experimentamos, não contemplamos Deus nas coisas nem as coisas de Deus, ou Ele mesmo, em pessoa, nos Sacramentos. Tenha consciência porque o mesmo Jesus, que você piedosamente comunga na Santa Missa, é o mesmo de Nazaré; é o mesmo que impulsionou os mártires, os santos e santas…
Veja um pequeno fragmento da obra do Beato (Frei) Maria-Eugênio do Menino Jesus, carmelita descalço (1894-1967), ele estudou a fundo as obras dos místicos carmelitas; note bem o que ele diz de Santa Teresinha do Menino Jesus:
Certamente, tal trato de amizade com Deus, por meio da fé, nos enriquece. Deus é amor sempre difusivo. Assim, como não se pode mergulhar a mão na água sem a molhar ou metê-la num braseiro sem a queimar, também não se pode entrar em contato com Deus, por meio da fé, sem haurir de sua riqueza infinita. A pobre mulher doente que tentava chegar junto a Jesus através da densa multidão, nas ruas de Cafarnaum, dizia para si: “Se ao menos tocar as suas roupas, serei salva”. Consegue chegar até ele e obtém, por um contato que faz estremecer o Mestre, a cura desejada.
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Todo o contato com Deus pela fé tem a mesma eficácia. Independentemente das graças particulares que pôde pedir e obter, ele haure de Deus um aumento de vida sobrenatural, um enriquecimento de caridade. O amor vai à oração para aí encontrar um alimento, um desenvolvimento e a união perfeita que satisfaz todos os seus desejos.
Falando da oração, Santa Teresinha do Menino Jesus escreve:
“Para mim, a oração é um impulso do coração, é um simples olhar que se lança para o Céu, é um grito de gratidão e de amor, tanto no seio da provação como no meio da alegria; enfim, é algo de grande, de sobrenatural, que me expande a alma e me une a Jesus… Às vezes, quando meu espírito está numa tão grande secura que me é impossível conceber um pensamento para me unir ao Bom Deus, recito bem lentamente um “Pai-nosso” e depois a saudação angélica. Então, essas orações me extasiam; alimentam minha alma mais do que se as tivesse recitado, precipitadamente, uma centena de vezes (…)” (Manuscrito C, 25rº e vº). Não poderia ser dito de melhor maneira aquilo que o trato de amizade apresenta de simples e profundo, de vivo e sobrenatural, sob as mais variadas formas com que se reveste para se alimentar e se exprimir. (MARIA-EUGÊNIO DO MENINO JESUS, 2015, p. 77).
O Beato carmelita nos ensina, ainda, que esta unidade imposta por Deus ao homem, como o seu fim sobrenatural, possui já aqui na terra o seu valor. O poder efetivo da alma no mundo sobrenatural corresponde à medida de sua caridade unificadora. Santa Teresa, chegada ao matrimônio espiritual, obtém normalmente muito mais de Deus com um suspiro do que almas imperfeitas com longas orações. A felicidade do céu é, também ela, determinada por esta união. No oceano da divindade – diz São João da Cruz –, cada um enche o recipiente que leva (idem, p.49). É o grau de caridade unificadora que determina a capacidade desse recipiente e, então, o poder da visão e a medida do gozo beatífico.
Sabe o que é mais interessante: muitos santos e santas não são letrados. Por exemplo, Santa Teresa de Ávila, Santa Faustina, Santa Catarina de Sena, São Francisco de Paula, São Benedito… Temos de ter bem fixos em nós que o amor a Deus nos eleva, a fé não está contra a inteligência. A fé aperfeiçoa a inteligência. Como tais pessoas sabem tanto? Tem tanta sabedoria, sem estudo? Deus os forma.
Este artigo, meu desejo, é que seja um belo incentivo para você mergulhar ainda mais, se aprofundar na sua oração pessoal, na oração do Santo Terço, na meditação da Palavra de Deus, na oração em línguas, para viver melhor a Santa Missa… Abandone-se em Deus! Deixe-se amar e ame-O de volta! Ele nos deu a capacidade de amar a Ele, com esse amor divino. Isso é fé. BENTO XVI (2013), nos responde diretamente:
“Quando damos espaço ao amor de Deus, tornamo-nos semelhantes a Ele, participantes da sua própria caridade. Abrirmo-nos ao seu amor significa deixar que Ele viva em nós e nos leve a amar com Ele, n’Ele e como Ele; só então a nossa fé se torna verdadeiramente uma «fé que atua pelo amor» (Gl 5, 6) e Ele vem habitar em nós (cf. 1 Jo 4, 12). A fé é conhecer a verdade e aderir a ela (cf. 1 Tm 2, 4); a caridade é «caminhar» na verdade (cf. Ef 4, 15). Pela fé, entra-se na amizade com o Senhor; pela caridade, vive-se e cultiva-se esta amizade (cf. Jo 15, 14-15). A fé faz-nos acolher o mandamento do nosso Mestre e Senhor; a caridade dá-nos a felicidade de pô-lo em prática (cf. Jo 13, 13-17). Na fé, somos gerados como filhos de Deus (cf. Jo 1, 12-13); a caridade faz-nos perseverar na filiação divina de modo concreto, produzindo o fruto do Espírito Santo (cf. Gl 5, 22). A fé faz-nos reconhecer os dons que o Deus bom e generoso nos confia; a caridade fá-los frutificar” (cf. Mt 25, 14-30). (BENTO XVI, 2013, n.2).
Por isso, o amor é o habitat do cristão. Sem ele, não respiramos, sem esse amor que nos atualiza, revigora, nós nos fragmentamos. O amor-caridade, ágape de Deus, que nos preenche numa adoração, na Santa Missa, na comunhão eucarística, no evangelho anunciado, no testemunho de alguém de Deus, na pureza do convívio com outros… Tudo isso nos queima de amor. A verdade de Deus é como um fogo ardente que suga o frio gélido dos corações endurecidos, solitários, embotados por vícios. Deus transforma-os em lareiras incandescentes, se nos deixarmos queimar. Alimentar a fogueira é essencial nos nossos dias. O mundo está cheio de madeiras (almas) que não queimam, que não se consomem de amor; que não sabem da sua identidade mais profunda (ser um filho(a) de Deus). Se faltar amor, de nada valeria!
REFERÊNCIAS:
BENTO XVI. Mensagem Para a quaresma de 2013. Disponível em: <https://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/messages/lent/documents/hf_ben-xvi_mes_20121015_lent-2013.html>. Acesso em 08 mar 2024.
MARIA-EUGENIO DO MENINO JESUS. Quero ver a Deus. 1. ed. Petrópolis: Vozes, 2015.