Ao fecharem-se as Portas Santas do Jubileu da Misericórdia, vamos ficar dentro ou fora?
No dia 20 de Novembro de 2016, serão fechadas em Roma as portas santas do Ano Jubilar Extraordinário da Misericórdia que haviam sido abertas em dezembro do ano passado.
Neste ano, milhões de católicos, cumprindo uma antiquíssima tradição, buscaram as indulgências do Ano Santo, através das práticas exigidas para isso, dentre elas a passagem pela Porta Santa, gesto sem o qual, a graça especial deste tempo santo privilegiado não é alcançada.
As portas das igrejas têm mais que a função simples de abrir ou fechar o ambiente, de proteção e de passagem; elas são um símbolo, um verdadeiro sacramental. Tanto é que há um rito próprio para se benzer as portas das igrejas. Por que? Porque as portas das igrejas nos lembram o próprio Senhor Jesus que disse de si mesmo: “Eu sou a Porta” (Jo 10,9). Ora, os templos cristãos, consagrados à glória de Deus e destinados à reunião da Igreja, são lugares sagrados, pois abrigam aí coisas santas: real presença de Jesus no Santíssimo Sacramento (Mt 26); é neste lugar que se celebram as ações sagradas, a Eucaristia (Santa Missa) e os demais sacramentos, além das outras orações do Povo de Deus reunido; é neste lugar sagrado que, de modo único e especial, o Senhor fala a Seu povo através da proclamação da Palavra de Deus (Lc 10,16-26); e, por último, mas não menos importante, é aí que se reúne a Igreja dos Batizados, unidos a Cristo, Sua Cabeça, forma o Corpo do Senhor (ICor 12,27).
Por isso a importância das portas de nossas igrejas, porque elas são a passagem do profano, do que não é consagrado a Deus, para o sagrado, ou “consagrado”, daquilo que pertence ao Senhor. No Ano Santo, pelo rito de passagem pela Porta Santa, estas realidades se tornam mais claramente expressas.
De que lado da porta eu ficarei?
Mas essas portas se fecham, o Ano Santo é tempo especial, tempo de graça, hora oportuna (IICor 6,2) e o sinal de que esse tempo favorável e esta hora boa terminaram se dá pela clausura das portas santas. Deus, que é infinito e atemporal, pela ação da Igreja, derrama Sua misericórdia neste tempo que agora se encerra.
A nós que tivemos o privilégio de viver este Ano Santo Jubilar, a nós que passamos pela Porta Santa, coloca-se, imperiosa, uma pergunta: “De que lado da porta eu ficarei? Dentro ou fora?” Ouso dizer que dentro e fora.
Ficamos dentro, porque, pelo Batismo, nós adentramos a Casa de Deus, e nos foi aberta a passagem para a Vida Eterna. Os israelitas foram salvos do faraó ao passar pelo Mar Vermelho (Ex 14,15-31); nós fomos salvos da morte eterna ao passar pelas águas do Batismo, água que sai do lado direito do Templo (Ez 47) que é o lado aberto de Cristo na Cruz (Jo 19,34). Eles entraram na Terra Prometida, nós entramos na Igreja e aí ficamos, mesmo quando deixamos o templo, mesmo quando vivemos no mundo, sem ser do mundo. Nosso lugar é a Igreja, nossa casa é a Casa de Deus, o Templo do Senhor. Assim, se permanecemos fiéis a nosso Batismo, nunca saímos, ao contrário, entramos cada vez mais nas santas moradas do Senhor. Ficamos dentro especialmente depois de passar pela porta deste Ano Santo porque recebemos da abundância da Misericórdia do Senhor, que se inclinou sobre nós como o bom samaritano se inclinou sobre o homem ferido e caído no caminho. As portas santas espalhadas pelo mundo se tornaram as portas da hospedaria onde o Senhor nos levou para que fôssemos curados de nossos pecados e livres de nossas faltas (Lc 10, 30-37). Estas Portas Santas são o Coração de Jesus, aberto em misericórdia infinita, que nos acolhe em Seu amor infinito (Jo 19,34, Mt 11,29 e Lc 1. 67-79); são os braços do Pai que nos recebe, filhos pródigos que voltamos à Casa, depois de andarmos errantes (Lc 15,20). Portas que se fecham para nos proteger, portas que se fecham para nos guardar(JO 10,9 e Ap 3,12b), portas que escondem uma festa onde nós somos servidos pelo próprio Senhor (Ap 3,20 e Lc 12,35-38).
Somos Igreja em saída
Mas, como disse, saímos, ficamos fora da Porta Santa. Por que? Porque, se recebemos a misericórdia infinita de Deus em Seu Templo Sagrado (Sl 47,10), somos por Ele mesmo impelidos – e esse era o lema do Ano Santo Jubilar Extraordinário – a sermos misericordiosos como o Pai” (Lc 6,36). A misericórdia recebida na Casa de Deus é aquela cantada por Nossa Senhora no Magnificat e que “se estende de geração em geração” (Lc 1,50) e que deve ser anunciada a todos pelas obras de misericórdia. É interessante que as Obras de Misericórdia Corporais (Dar de comer a que tem fome; dar de beber a quem tem sede; dar pousada aos peregrinos; vestir os nus; visitar os enfermos; visitar os presos e enterrar os mortos) e a maioria das Obras de Misericórdia Espirituais (Ensinar os ignorantes; dar bom conselho; corrigir os que erram; perdoar as injúrias; consolar os tristes; sofrer com paciência as fraquezas do nosso próximo e rezar a Deus por vivos e defuntos) não são necessariamente ligadas ao edifício da Igreja. De fato, elas nos indicam aquilo que o Papa Francisco gosta tanto de repetir, ou seja, que somos chamados a ser “Igreja em saída”, assim, tendo experimentado tão ricamente a misericórdia do Pai, devemos agora espalhar, pelas nossas obras, essa mesma misericórdia a todo o mundo. Faria aqui uma inversão do ensinamento de Nosso Senhor no sermão da Montanha: Ele diz que são “felizes os misericordiosos porque alcançarão misericórdia” (Mt 5,7), mas, é verdade também que os que estão felizes porque encontraram misericórdia neste Ano Santo, devem agora ser também misericordiosos!
Que a graça do Ano Jubilar da Misericórdia possa se perpetuar em nós por uma vida cada vez mais dentro da Igreja, dentro do Coração Misericordioso do Senhor e que espalhemos generosamente a misericórdia que recebemos fora da Igreja a todo o mundo.
Dom Paulo S. Panza, O.S.B.
Prior do Mosteiro de São Bento em Vinhedo
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