Ao longo deste artigo, iremos meditar sobre os ensinamentos de Santo Antão a respeito da Avareza. No entanto, antes, é necessário definirmos o que é a Avareza.
Podemos defini-la como o amor desordenado pelos bens materiais, ou seja, a pessoa possui um amor exagerado pelo bem material, de forma a tê-lo como seu fim último, por isso, acaba pecando ou contra Deus ou contra si mesmo ou contra o próximo. É exatamente neste ponto que se encontra o pecado da Avareza. Também é preciso ressaltar que a Avareza é um dos sete pecados capitais; a palavra “capital” tem origem na palavra “caput” do latim e significa “cabeça”.
Os sete pecados capitais são cabeças de outros pecados que surgem a partir deles (Cf. CIC 1866). Portanto, do pecado capital da Avareza surgem outros, como: traição, perjúrio, fraude, ganância, usura, coração endurecido e outros. Dito isto, é necessário apontar a principal fonte biográfica a respeito de Santo Antão, sobre o qual iremos beber de seus ensinamentos, é o escrito de Santo Atanásio, intitulado: A vida de Santo Antão. E tendo feita essa primeira explicação, agora podemos partir sobre o primeiro trecho dos ensinamentos de Santo Antão:
“Nenhum de nós tenha nem sequer o desejo de possuir riquezas. Do que nos serve possuir o que não podemos levar conosco? Por que não possuir antes aquelas
coisas que podemos levar conosco: prudência, justiça, temperança, fortaleza, entendimento, caridade, amor aos pobres, fé em Cristo, humildade, hospitalidade? Uma vez possuindo-as, veremos que elas vão diante de nós, preparando-nos as boas-vindas na terra dos mansos (cf Lc 16,9; Mt 5,4).”
Esse é um pequeno trecho da Conferência de Santo Antão aos Monges. E fica evidente a maneira como ele lidava com as coisas desta terra. Repare que ele apresenta as riquezas deste mundo como algo a se desprezar quando comparado ao Reino dos Céus. E para deixar claro qual deve ser a nossa radicalidade com o trato dessas coisas, o santo, chega a dizer na primeira frase da citação acima, que nem sequer devemos desejar possuir tais riquezas.
No mundo em que vivemos, afirmações como essa provocam como que uma tempestade no interior dos homens. Como se não bastasse, o santo continua a indagar: “Do que nos serve possuir o que não podemos levar conosco?”. Qualquer um que gaste dois minutos para meditar sobre esta pergunta, deveria se lembrar da passagem do rico insensato: “Deus lhe disse: Tolo! Ainda nesta noite, tua vida te será tirada. E para quem ficará o que acumulaste?” (Lc 12,20). Ainda assim, alguém poderia dizer: “Mas pelo menos eu deixei algo para os meus filhos!”.
De fato, quando se adquire de maneira honesta, a herança material é algo bom, mas, lembre-se também da parábola do homem rico e do pobre Lázaro (Lc 16, 19-31). Quando o homem rico morreu, por não viver uma vida conforme os ensinamentos do Senhor, foi para o Inferno, e de lá pediu para Abraão, que enviasse Lázaro (que estava no Céu) para avisar seus irmãos ainda vivos, que se convertessem e não viessem a sofrer como ele no Inferno.
Essa parábola nos leva à seguinte pergunta: “De que vale deixarmos rios de dinheiro para nossos filhos, mas não os encaminhar para viver a vontade Deus?”. Além disso, sabemos que após a morte, seremos julgados não pelos bens que possuímos, nem sequer pelas aparentes boas obras que realizamos (Mt 7, 21-23), mas por termos feito ou não a vontade do Pai.
Voltemo-nos para a vida de Santo Antão e seu chamado para a vivência do Evangelho:
“Menos de seis meses depois da morte de seus pais, ia, como de costume, a caminho da igreja. Enquanto caminhava, ia meditando e refletia como os apóstolos deixaram tudo, e seguiram o Salvador (Mt 4,20; 19,27); como, segundo se refere nos Atos (4,35-37), os fiéis vendiam o que tinham e o punham aos pés dos Apóstolos para distribuição entre os necessitados, e quão grande é a esperança prometida nos Céus para os que assim fazem (Ef 1,18; Col 1,5). Pensando estas coisas, entrou na igreja. Aconteceu que nesse momento se estava lendo o evangelho, e ouviu a passagem em que o Senhor disse ao jovem rico: “Se queres ser perfeito, vende o que tens e dá-o aos pobres, depois vem, segue-me e terás um tesouro no Céu ” (Mt 19,21). Como se Deus lhe houvera proposto a lembrança dos santos, e como se a leitura houvesse sido dirigida especialmente a ele, Antão saiu imediatamente da igreja e deu a propriedade que tinha de seus antepassados: trezentas “aruras” , terra muito fértil e formosa. Não quis que nem ele, nem sua irmã, tivessem algo que ver com ela. Vendeu tudo o mais, os bens móveis que possuía, e entregou aos pobres a considerável soma recebida, deixando só um pouco para sua irmã.”
Toda a vida de Santo Antão era orientada para Deus e, na medida em que se percebeu chamado por Ele, deixou tudo o que tinha e partiu para desempenhar uma vida ascética tendo como meta a santidade. Repare que ele estava meditando sobre a Palavra de Deus enquanto caminhava para a Igreja e, ao chegar nela, percebeu o apelo do Senhor, por meio da Sagrada Escritura. Esse hábito orante não é próprio do homem avarento. A avareza, prende o homem de tal modo a este mundo que o impede de meditar sobre as verdades eternas e o deixa sempre angustiado em como conquistar mais coisas ou não perder as que já conquistou.
O avarento tem muita dificuldade em escutar o Senhor chamando-o. Veja o exemplo de Judas Iscariotes, que questionou quando Jesus foi ungido em Betânia, e disse: “Por que este perfume não foi vendido por trezentos denários para se dar aos pobres? ‘Ele falava assim, não porque se preocupava com os pobres, mas, porque era ladrão: ele guardava a bolsa e roubava o que nela se depositava’”(Jo 12, 5-6). Judas foi chamado pelo próprio Salvador, conviveu com Ele, escutou seus ensinamentos, mas era ladrão, não deixou o ensinamento do Senhor penetrar em sua alma e chegou ao ponto de traí-Lo.
A traição, como ensina a Tradição da Igreja, é filha da Avareza. Santo Antão e Judas Iscariotes são figuras antagônicas. Quando dizemos que a vida de Santo Antão não nos serve como exemplo a seguir, por ser algo radical, corremos o risco, por conta de nossa natureza ferida pelo pecado original, de estarmos mais inclinados a copiar Judas Iscariotes, do que encontrar outro caminho. A vida dos santos é para nós o modelo concreto do que é a vivência do Evangelho de Nosso Senhor.
É certo que para vivermos neste mundo se faz necessário algo de material, desde a roupa que vestimos, a comida pela qual nos nutrimos etc. Portanto, seria um erro de minha parte afirmar que tudo o que é material merece desprezo. Pelo contrário, como ensina São Tomás de Aquino: “O desejo das coisas externas é natural ao homem, como meio que o conduz ao seu fim. Portanto, esse desejo não é vicioso na medida em que está compreendido na regra, deduzida da ideia do fim”(Cf. ST II, II, q.118, a.1). Ou seja, para cada coisa material que usamos, devemos compreender a sua finalidade própria e a forma moderada com a qual devemos usufruir, servindo-se do que é material para alcançarmos o nosso fim último: a contemplação de Deus face a face.
Esse é um exercício constante que devemos fazer enquanto cristãos. É preciso ter sempre o ensinamento do Senhor em nosso coração: “Não ajunteis tesouros aqui na terra, onde a traça e a ferrugem destroem e os ladrões assaltam e roubam. Ao contrário, ajuntai para vós tesouros no Céu, onde a traça e a ferrugem não destroem, nem os ladrões assaltam e roubam. Pois, onde estiver o seu tesouro, aí estará também o teu coração” (Mt 6, 19-21). Certamente, Santo Antão, foi um desses homens, que preocupados com o Céu, passou por esta terra, juntando tesouros para a eternidade.