Não quero estar somente aos pés da Cruz

Seguir Jesus é mais do que colocar-se aos pés da Cruz

O tempo quaresmal nos inspira as mais belas devoções. Tendo voltado a morar em uma pequena cidade do interior da Bahia, bebo dessa fonte com abundância a cada Quaresma: as Vias-Sacras, o Ofício das Trevas, a Procissão das Almas e tantas outras devoções que nos apontam sempre a Cruz de Cristo, suas dores, suas chagas e quedas, sua agonia, seu lado aberto, sua coroa de espinhos, sua nudez, as humilhações sofridas, os insultos recebidos, as cusparadas, o desprezo, a indiferença, a traição dos amigos, a injustiça… Não caberiam nesse texto os sofrimentos de Cristo que essas devoções nos levam a meditar, mas, sobretudo, somos levados aos pés da Cruz. Na Quaresma, contemplamos a Cruz, adoramos a Cruz, curvamo-nos diante dela, ouvimos as sete palavras que Cristo proferiu pregado na Cruz.

:: Se faltar amor de nada valeria

Tudo isso, contudo, não é suficiente. Corremos o sério risco de, como alunos aparentemente aplicados e obedientes, sentarmo-nos aos pés da Cruz enquanto vemos Cristo sofrer e morrer por nós e, terminada a Quaresma, dali nos levantarmos e voltarmos à nossa vida de sempre, como se nada tivesse acontecido, como se a Paixão de Nosso Senhor fosse uma peça de teatro, um filme que volta aos cinemas todos os anos na mesma época. Não foi isso que Cristo nos ensinou. Seguir Jesus é mais do que colocar-se aos pés da Cruz, e Ele mesmo deixou isso bem claro: “Quem quiser seguir-me, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz cada dia e venha comigo. Quem se empenha em salvar a vida, a perderá; quem perder a vida por mim, a salvará” (Lc 9, 23-24).

paixão-de-cristo

“Não quero estar somente aos pés da Cruz, pois me mostraste o quanto mais posso ir”. | Foto: Arquivo CN

Estar aos pés da cruz não é suficiente para o verdadeiro cristão porque inevitavelmente teremos que encarar a nossa própria cruz muitas e muitas vezes, e o que acontecerá então? Tentaremos sair de mansinho e fingir que não é conosco? Talvez eu tenha passado a Quaresma inteira rezando com a Cruz de Cristo, mas escandalizo-me quando caio doente, quando sou provado nas minhas finanças, com alguma dolorosa situação familiar ou com uma perda repentina. O sentido da Quaresma é justamente preparar nosso espírito e nosso corpo para não aceitarmos ficar somente aos pés da Cruz. Quem se reveste do verdadeiro espírito da Quaresma, espírito de penitência e de conversão, precisa cantar com a própria vida aquela canção tão profunda e marcante de Flavinho: “Não quero estar somente aos pés da Cruz, pois me mostraste o quanto mais posso ir”. O sofrimento chegou? Não quero estar somente aos pés da cruz. Estou doente, acamado? Não quero estar somente aos pés da cruz. Tenho enfrentado uma situação de humilhação e injustiça no meu trabalho? Não quero estar somente aos pés da cruz, pois tu, Senhor, me mostraste o quanto mais posso ir.

Leia mais:
:: Os sofrimentos interiores de Jesus Crucificado
:: Caminho de unidade à vontade do Pai
:: Carregar a cruz não é sofrimento, mas amor

E quanto mais posso ir? A resposta é clara e nos é dada pelo próprio Jesus. Tomar a própria cruz e segui-Lo significa ir até o fim: passando por cada estação da Via-Sacra, pelas quedas, pela subida do Calvário, permitir-se ser crucificado e deixar-se elevar na Cruz, como o nosso mestre nos ensinou. Só ressuscita com Cristo quem é crucificado com Ele, e não podemos passar pela Quaresma sem compreender isso.

“Subo na cruz e sinto todo o amor que tens por mim, Jesus”. Assim Flavinho termina a sua bela canção. Nunca sentiremos todo o amor que Cristo tem por nós, se permanecermos aos pés da cruz. Precisamos subir na cruz com Cristo, com Ele sentir os pregos rasgando nossas mãos e nossos pés, os espinhos ferirem nossa cabeça, a lança perfurar nosso lado. Só subindo na cruz conseguiremos sentir um pouquinho da desolação que Cristo sentiu quando morria em expiação pelos pecados do mundo inteiro. Assim como na cruz nasceu a Igreja, do lado de Cristo, de onde jorrou sangue e água, é subindo na cruz que morremos e nascemos para o céu, como aquele ladrão que, tão espertamente, roubou seu caminho para a eternidade ao abraçar a sua própria cruz.

Deixe seu comentários

Comentário