O jejum é uma das práticas espirituais mais antigas. São inúmeros os exemplos ainda no Antigo Testamento sobre essa prática. Moisés, Elias, Daniel, os profetas, Joel, Jeremias, Isaías e tantos outros exortaram a respeito deste tema. Nos Evangelhos, temos o próprio Jesus dando o exemplo: “Jejuou quarenta dias e quarenta noites.” (Cf Mt 4,2); e exortou os discípulos para que assim também o fizessem: “Quanto a esta espécie de demônio, só se pode expulsar à força de oração e de jejum” (Cf Mt 17, 21).
Os apóstolos jejuavam, posteriormente os padres da Igreja e igualmente os inúmeros santos da Igreja Católica ao longo da história. É certo que estamos falando de uma prática espiritual consolidada e eficaz. Para que não haja confusão, precisamos definir o que é o jejum: trata-se da privação daquilo que é alimento. Portanto, não estamos falando de deixar de assistir à TV, abster-se de redes sociais ou simplesmente não comer doces ou não beber refrigerante. Todas essas coisas entram na categoria de penitências, favorecem a vida ascética, mas não é jejum propriamente dito conforme a Igreja ensina. Uma forma de fazer jejum é a seguinte, ao longo do dia, a pessoa deve tomar apenas uma única refeição completa que seja capaz de saciá-la, mas que não contenha excessos, e, ao longo do mesmo dia, outras duas refeições modestas, como lanches simples que mantêm o caráter penitencial e austero do jejum. Também é possível praticar o jejum da seguinte forma, uma refeição completa sem exageros, mas que sacie e, ao longo do mesmo dia, dois ou mais momentos em que se come pão.
Em um dia de jejum, como em um dia normal, é necessário sempre se hidratar tomando muita água e não devemos deixar de tomar remédios, caso necessário. Não devemos ter lanchinhos, “beliscar” as coisas da cozinha, chupar balas etc., esse hábito foge do caráter de austeridade que o jejum exige.
Segundo o ensinamento da Igreja, os dias obrigatórios para o fiel praticar o jejum são: a Quarta-feira de Cinzas e a Sexta-feira da Paixão do Senhor. Esta lei eclesial se aplica a todos os fiéis católicos com idade de 18 a 60 anos. Mas isso não impede que, generosamente e para purificar-se, a pessoa faça jejum muitas vezes durante o ano, inclusive, é bom que se tenha o hábito do jejum. Tendo dito isso, acredito que podemos partir para o efeito do jejum na vida de quem o pratica. Existe, no interior do homem, uma tríplice concupiscência: a soberba da vida, a concupiscência dos olhos e a concupiscência da carne. Essas concupiscências agem no interior do homem e, de maneira resumida o faz estimar a si próprio de maneira desordenada, buscar desordenadamente as coisas materiais e buscar desordenadamente os prazeres sensíveis. O jejum é a ferramenta que favorece para que seja ordenado, no interior do homem, a busca pelos prazeres sensíveis. O que é o prazer sensível? São aqueles que advém do uso dos nossos cinco sentidos, em especial o tato e o paladar. O homem que vive supervalorizando os prazeres pelo sentido são como animais irracionais. Ou seja, o homem que age tão somente levado pelo prazer sexual ou da bebida ou comida, é semelhante aos animais que não conseguem se conter sexualmente. Os cachorros, quando veem uma cadela no cio ou uma vasilha de comida, logo se lançam para saciar-se desconsiderando toda e qualquer regra moral ou espiritual, agem dispensando o aspecto racional (nem sequer possuem tal potência) e se comportam como verdadeiras feras selvagens. Este tipo de homem, que age como um animal irracional porque busca de maneira desordenada o prazer sensível, tem muita dificuldade na vida de oração, ele mal fecha os olhos para rezar e logo inúmeras imagens e preocupações lhe assaltam o pensamento levando-o a distrair-se.
Quando este mesmo homem se coloca a estudar, mal consegue concentrar-se por poucos minutos, fica inquieto, entra na rede social para encontrar algum entretenimento nas redes sociais ou levanta de sua mesa à procura de alguém para conversar e distrair-se. Tudo isso porque necessita de estímulos, seja sonoro, visual, tátil ou palatável. Alguém poderia dizer: mas eu tenho o temperamento sanguíneo e a distração é algo “normal” para o meu temperamento. É certo que existem diferenças entre temperamentos, alguns são mais expansivos e outros menos, contudo, não é sobre isso que estamos falando. Mesmo uma pessoa com temperamento expansivo como o sanguíneo é capaz de concentrar-se, não viver procrastinando, desenvolver um sólido trabalho intelectual e alcançar a santidade. O melhor exemplo neste caso é Santo Agostinho, um sanguíneo que soube moderar os prazeres sensíveis, nos deixou um legado filosófico e teológico imenso e ainda se tornou um santo doutor da Igreja. Tenha a certeza de que ele não conseguiria levantar todo esse edifício espiritual se não tivesse domado suas paixões mais baixas, no caso, a concupiscência da carne. Esse é o início da santificação do homem.
Além do benefício ascético relacionado à prática do jejum, existe uma graça espiritual que a mesmo comporta. Podemos verificar isso na passagem do livro de Jonas, que exortava o povo de Nínive à conversão: “Jonas entrou na cidade e começou a andar. Caminhou um dia inteiro dizendo assim: ‘Dentro de quarenta dias, Nínive será destruída!’. Os ninivitas passaram a crer em Deus e proclamaram um dia de penitência, vestindo-se todos de saco do maior ao menor. O fato chegou até ao conhecimento do Rei. Mandou também publicar e proclamar aos ninivitas este decreto do rei e de seus ministros: ‘As pessoas, os animais, o gado e as ovelhas não poderão provar nada, ficando sem pastar e sem água. Pessoas e animais deverão se vestir de saco, clamando a Deus com força’” (Cf. Jn 3,4-8). E o resultado dessa boa prática foi o seguinte: “Deus viu o que eles fizeram e como voltaram atrás de seus caminhos perversos. Compadecido, desistiu do mal que tinha ameaçado. Nada fez.”(Cf. Jn 3,10). Esse é um exemplo claro do jejum aliado à oração, que favoreceu a conversão de um povo inteiro. Escutaram a pregação de Jonas e tiveram fé, virtude fundamental para o crescimento espiritual. Jejuaram e clamaram a Deus, suplicando a Sua misericórdia. Portanto, não se trata de uma demonstração de força humana, mas de um reconhecimento de sua própria miséria, o homem se recusa temporariamente a receber o alimento material para receber em abundância do alimento divino.
Ainda sobre a força espiritual do jejum aliado à oração, podemos citar o versículo com o qual iniciamos esse artigo: “Quanto a esta espécie de demônio, só se pode expulsar à força de oração e de jejum” (Cf. Mt 17, 21). Existem forças malignas que agem neste mundo, quando temos uma vida de oração profunda e somamos isso às práticas penitenciais como o jejum, podemos dizer que, temos um manancial de graça para combater o mal e começamos a viver conforme o ensinamento de São Pedro em sua carta: “Sede sóbrios e vigilantes. O vosso adversário, o diabo, anda em derredor como um leão que ruge, procurando a quem devorar” (IPd 5, 8).
Para finalizarmos esse artigo, tenhamos em mente o seguinte: não se conhece, na história da Igreja, algum santo que não tenha usufruído desta ferramenta santificadora. Sendo assim, com discernimento e generosidade, dedique-se para crescer, dia após dia, nessa prática espiritual fecunda. O Senhor nos convoca para a santidade.
Leia mais:
Ser discreto nas práticas quaresmais
Praticas penitenciais para quaresma